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Estado de DireitoRússia

Liberdade e democracia não são para o povo russo?

10 de outubro de 2022

Milhares saem às ruas contra o regime iraniano, enquanto a Rússia permanece calma. Medo da brutalidade policial não pode ser a razão, já que a situação russa não é pior do que no Irã, opina Miodrag Soric.

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Manifestante sendo carregado por agentes da polícia russa Omon
"Temida polícia de choque especial Omon, de Moscou, não é mais brutal do que os carniceiros do Irã"Foto: Alexander Zemlianichenko/dpa/picture alliance

Por que centenas de milhares de russos se permitem ser enviados como bucha de canhão para essa criminosa guerra de agressão? Por que colocam seu destino nas mãos de um belicista? Por que não se rebelam?

A maioria de quem está fora da Rússia não consegue responder a essas perguntas. Parece que os russos estão prontos a aceitar qualquer coisa. Comentaristas recorrem a estereótipos sobre o suposto caráter nacional: os russos são tolerantes, sempre obedeceram a qualquer czar que esteja no Kremlin, ou têm medo da liberdade, como escreveu certa vez o escritor russo Fiódor Dostoiévski.

É verdade que se rebelar é perigoso agora. Qualquer um na Rússia que defenda a liberdade corre o risco de prisão e tortura. Mas essas consequências também ameaçam os manifestantes no Irã – e ainda assim, nas últimas semanas, milhares saíram às ruas para protestar contra o regime brutal dos mulás.

Dezenas já pagaram com a vida, mas os que conseguem escapar da polícia iraniana parecem implacáveis. Eles continuam a protestar, embora os carniceiros de Teerã e outras cidades iranianas não sejam menos brutais do que a polícia de choque especial Omon em Moscou.

Lukashenko precisa de Putin

O mundo acompanha com admiração os corajosos protestos iranianos – assim como milhões em todo o planeta saudaram a coragem dos belarussos há dois anos, quando se revoltaram contra as eleições fraudulentas de Lukashenko, ou dos ucranianos, que lutaram repetidamente pela democracia.

Na Ucrânia, o povo prevaleceu. Em Belarus, ainda não. Mas quando o presidente russo, Vladimir Putin, não puder mais proteger Lukashenko, os belarussos o levarão a julgamento.

É absurdo alegar que os russos são inaptos à democracia. São frequentes as referências a pesquisas segundo as quais um de cada três russos acredita que "a democracia ocidental não é adequada à Rússia". Quem pensa assim, se é que alguém pensa, é a geração mais velha, que nunca passou muito tempo no Ocidente. A geração mais jovem, por outro lado, tem a mente tão aberta quanto seus pares em Paris ou Londres. Os jovens russos querem liberdade, democracia real, prosperidade, oportunidade de viajar.

Também é absurdo afirmar, como fizeram líderes da Igreja Ortodoxa Russa, que a democracia minaria a moralidade. O oposto é verdadeiro. Somente tribunais independentes do Estado proporcionam justiça para todos, não importa quão boas ou ruins sejam suas relações pessoais com os políticos.

Na Rússia de hoje, no entanto, é o Kremlin que decide o veredicto quando manifestantes são levados a julgamento. Os juízes russos são os capangas do poder. Em democracias estáveis, a corrupção e o clientelismo não têm chance.

O trauma dos anos 1990

A década de 1990 também é citada como razão para muitos russos mais velhos serem céticos em relação à democracia. Mas o que os russos tiveram que suportar naquela época não tinha nada a ver com democracia. Em vez disso, depois de 1991 as velhas elites soviéticas – ex-funcionários do partido e membros do serviço secreto – se enriqueceram descaradamente nas costas do povo, controlaram a política do país com montes de dinheiro.

Mas ucranianos e georgianos também passaram por isso nos anos 1990. Em Kiev, os oligarcas também tiveram grande influência, mas os ucranianos conseguiram eleger e depor governos. Gradualmente, seu padrão de vida melhorou. O país tornou-se um modelo, mostrando o que a Rússia poderia ser. E ao fazê-lo, tornou-se uma ameaça para Putin. De repente ficou óbvio que democracia e liberdade também eram possíveis no Leste.

Os ucranianos continuarão a lutar por seu país. Eles não querem viver num Estado autoritário. O povo está unido por seu enorme sacrifício, e a guerra de defesa contra a Rússia os moldará por gerações. Se os cidadãos russos também querem uma vida digna em liberdade e prosperidade, também terão que lutar por isso – assim como estão fazendo os povos de outras nações.

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Miodrag Soric é jornalista da DW. O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente a da DW.