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Opinião: Beleza contra a violência

1 de novembro de 2017

Pode justamente um concurso de beleza servir de protesto à violência contra a mulher? Não há nada de errado nisso, pelo contrário, opina Uta Thofern, chefe do Departamento América Latina.

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Vania Osusky Elías foi uma das candidatas a Miss PeruFoto: Mi Canal Peru

Raramente um concurso de beleza atrai tanta atenção internacional quanto esse Miss Peru. Em vez de, como de costume, anunciar as medidas de busto, cintura e quadril, as mulheres mais bonitas do país apresentaram outros números. Números feios.

Por exemplo, para feminicídios: nos últimos nove anos, foram praticados no Peru 2.202 assassinatos de mulheres. Só em 2017, já foram 94. Por exemplo, sobre violência doméstica: de acordo com um estudo das Nações Unidas, 60% das peruanas foram vítimas de violência praticada por seus parceiros ao menos uma vez em suas vidas. Por exemplo, abuso infantil: 13 mil vítimas por ano.

Uta Thofern
Uta Thofern é a chefe do Departamento América Latina da Deutsche Welle

Todas as 13 finalistas do concurso de beleza citaram números deprimentes, sejam dados de sua região ou nacionais. Elas também poderiam ter apresentado estatísticas da Colômbia ou da Costa Rica – ou de Zâmbia, Bangladesh ou República Tcheca. Todos esses países ocupam posições destacadas em um estudo da ONU sobre a violência contra a mulher.

O Peru é, atrás da Bolívia, o país com o maior número de casos desse tipo na América Latina, embora há dois anos tenham sido aprovadas leis mais severas para seu combate. Também na Argentina e no México, praticamente a cada dia mulheres são brutalmente assassinadas por maridos, companheiros ou estranhos, embora já haja penalidades específicas para feminicídios.

Mas as leis também precisam ser aplicadas. Este é um problema fundamental em muitos países latino-americanos, africanos e asiáticos, onde a agressão contra a mulher é mais frequente. Onde corrupção e impunidade são rotina, pode-se pensar que a punição de crimes contra mulheres é negligenciada.

A violência contra a mulher é desproporcionalmente elevada e, em muitos casos, particularmente brutal e perniciosa porque acontece no círculo familiar. Pais que estupram as próprias filhas, maridos que esquartejam as esposas... Meninos e homens são muito menos propensos a serem vítimas de tais crimes. Mas os policiais, os promotores e os juízes, em geral, são homens, que muitas vezes têm padrões de pensamento correspondentes.

Nada torna isso mais evidente do que o fato de que, logo após a ação no Peru, já surgiram críticas, e justamente de supostas ou autoproclamadas feministas. Segundo elas, o protesto durante o concurso poderia ser interpretado como "comercialização da violência".

Essa argumentação se apropria do modo de pensar dos agressores e reduz as participantes de um concurso de beleza a seus corpos. Mulheres que mostram sua beleza só querem ganhar dinheiro? Isso lembra as frases tão ouvidas em tribunais, de que mulheres que se vestem de forma "provocante" seriam culpadas pelo próprio estupro. Esse pensamento é justamente a verdadeira causa da violência contra a mulher.

O concurso no Peru foi um show, claro.  E um que homens gostam de ver. E, portanto, exatamente a plataforma certa, pois as mulheres ali não venderam cerveja nem carros, mas solidariedade entre mulheres. A preocupação delas é internacional, exige atenção global e a disposição de fazer campanhas. Não apenas no Dia da Mulher!

 

Thofern Uta
Uta Thofern Chefe do Departamento América Latina. Democracia, Estado de direito e direitos humanos são seu foco.