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ConflitosAfeganistão

Ainda há tempo de preservar frágil progresso do Afeganistão

DW Korrespondent | Masood Saifullah
Masood Saifullah
12 de agosto de 2021

Após vácuo criado por retirada de forças estrangeiras, comunidade internacional deve proteger do Talibã avanços em democracia e direitos humanos das últimas décadas e evitar tragédia ainda maior, opina Masood Saifullah.

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Aglomeração de mulheres, crianças e homens de trajes árabes
Afegãos fogem em massa dos combates e da repressão talibãFoto: REUTERS

As notícias do Afeganistão traçam um quadro trágico, depois que os Estados Unidos e seus aliados da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) mantiveram 20 anos de presença militar ativa e investiram bilhões no país. Os militantes do Talibã intensificaram os ataques a capitais distritais e provinciais por todo o país, resultando em mortes de civis e desalojamentos. Apenas nos últimos dias, ao menos três capitais de província caíram em suas mãos.

Partes de Kunduz estavam em chamas depois de os rebeldes a capturarem. Instalações governamentais foram saqueadas, enquanto residentes tentavam escapar para outras partes do Afeganistão, em busca de segurança.

As cenas não são diferentes em diversas outras províncias: os talibãs aproveitaram o vácuo criado pela retirada das forças internacionais, tomando mais da metade de todos os distritos afegãos e colocando em sítio a maioria das cidades. Todo habitante que tenha meios de deixar o país, ou fugiu ou está procurando segurança num país vizinho.

Vácuo fatal

Para muitos, a atual situação do Afeganistão não é uma surpresa, menos ainda para aquelas afegãs e afegãos que vinham insistentemente urgindo a Otan para que não abandonasse o país.

Foram ignorados os apelos de mulheres, jovens e ativistas da sociedade civil para que se criassem mecanismos permitindo responsabilizar o Talibã após as negociações com os EUA. O governo afegão, por sua vez, estava ocupado com escaramuças políticas internas e, assim, incapaz de controlar a situação.

A última gota foi o anúncio da retirada incondicional das tropas americanas, até setembro, feito pelo presidente Joe Biden. Para os combatentes talibãs – que por duas décadas defenderam seu terreno contra as forças armadas americanas e o governo nacional –, tratava-se de boas notícias: eles podiam finalmente travar sua guerra com as forças de segurança afegãs, agora sem apoio aéreo e de monitoramento dos EUA e da Otan.

Além disso, o anúncio de retirada, combinado com um alto nível de corrupção no governo em Cabul, debilitara o moral das forças afegãs, que agora não viam razão para arriscar a vida tentando se interpor às ofensivas do Talibã.

Direitos democráticos são crime

Depois de terem sido reprimidos pelas tropas americanas, assistidas pela Otan e os senhores de guerra locais, os os islamistas logo reemergiram. E então lançaram uma guerra, não só apenas contra os EUA e seus aliados, mas também contra os afegãos que trabalhavam para o governo ou mesmo simplesmente viviam em grandes cidades.

Aos olhos do Talibã, são inimigos todos aqueles que apoiaram o governo e a presença da Otan. O grupo fundamentalista islâmico considera um crime direitos democráticos básicos, como votar, e se opõe fundamentalmente a que mulheres trabalhem no governo ou em organizações humanitárias.

Nas duas últimas décadas, o Afeganistão fez progressos: milhões de meninas e meninas puderam frequentar a escola, e milhares de mulheres e homens perseguem um nível educacional mais elevado. Mas esse progresso é extremamente frágil.

À medida que ocupam mais províncias, os fundamentalistas podem fechar escolas para meninas e decretar que as mulheres fiquem em casa. Relatórios sugerem que eles já estão implementando sua versão rigorosa do islã em distritos e cidades recém-capturados.

Por isso, é importante agir agora e criar mecanismos que façam os talibãs assumirem a responsabilidade por suas ações futuras.

Também responsabilidade da Otan

Ainda não é tarde demais para os EUA e seus aliados, inclusive a Alemanha, adotarem ações concretas e praticarem controle de danos. Embora, por razões de política interna, voltar a estacionar tropas no Afeganistão esteja fora de cogitação para muitos países ocidentais, os EUA e a Europa poderiam usar seu poder de influência no Paquistão para pressionar os rebeldes a um cessar-fogo imediato, e ao mesmo tempo fornecer a Cabul recursos de ajuda aos habitantes desalojados pela guerra. Eles deveriam fazer isso.

Uma vez que esteja em vigor um cessar-fogo, é preciso empregar todos os esforços para que o processo de paz afegão tenha êxito. A comunidade internacional também deve exigir que o Talibã esclareça sua posição sobre eleições e direitos femininos.

É importante responsabilizar os rebeldes, assim como o governo afegão e assegurar que os civis não paguem o preço de um conflito que não causaram. A menos que se tomem tais medidas, em breve a guerra civil do Afeganistão se transformará numa tragédia humana – pela qual os EUA e seus aliados da Otan, incluindo a Alemanha, detêm parte da responsabilidade.

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Masood Saifullah é jornalista da DW. O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.