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Opinião: Momento decisivo para a democracia da Tunísia

Bachir Amroune av
14 de janeiro de 2018

Imagens de violência e prisões em massa lembram a Revolução dos Jasmins de 2011. Ignorados pelos supostos aliados internacionais, tunisianos devem tomar sua democracia nas mãos, opina o jornalista Bachir Amroune.

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Protestos contra aumentos de preços e impostos enchem as ruas da Tunísia
Protestos contra aumentos de preços e impostos enchem as ruas da TunísiaFoto: Reuters/Z. Souissi

A crer no chefe de governo Youssef Chahed, 2018 será o último ano de dificuldades para a Tunísia pós-revolucionária. O avanço econômico vai de vento em popa, diz ele, o setor de turismo cresce, finalmente. As atuais medidas de austeridade e aumentos de impostos teriam seriam exigências do principal credor do país, o Fundo Monetário Internacional (FMI), a fim de reduzir o déficit estatal de mais de 6%.

No entanto, muitos tunisianos, sobretudo jovens, não acreditam em seu premiê. Eles vão às ruas, protestam e vandalizam. Nos últimos anos, já escutaram com frequência demasiada tais mensagens de conformidade: "só mais meio, talvez um ano, até 2020 no máximo, e aí todos os cidadãos poderão colher os frutos da Revolução dos Jasmins, de 2011 – e finalmente realizar seu sonho de liberdade, dignidade e um posto de trabalho".

Bachir Amroune é jornalista da DW
Bachir Amroune é jornalista da DW

Excetuada a liberdade, conquistada a duras penas, uma vida digna, com trabalho e renda assegurada continua inalcançável para um número enorme de tunisianos. Cabe aguardar para ver se as novas concessões do governo às famílias pobres, necessitados e idosos, totalizando 100 milhões de dinares (cerca de 33,5 milhões de euros), aplacarão os ânimos.

Para dar conta dos próprios problemas, a Tunísia precisa de uma coisa, acima de tudo: dinheiro, muito dinheiro. Até o ano 2020, o FMI lhe concede créditos no valor de 2,4 bilhões de euros, exigindo em contrapartida que o Estado se retire em larga escala da economia e de seu papel de empregador. Isso, contudo, tem devastadores efeitos econômicos e sociais, em especial para os habitantes do interior, estruturalmente fraco, por ter sido sempre negligenciado.

E, no entanto, não faltam sugestões alternativas. Por exemplo, o plano Tunisia 2020, apresentado pelo presidente Beji Caid Essebsi numa conferência internacional de credores, em novembro de 2016, prometia boa governança e transição para uma economia ecológica, assim como desenvolvimento regional sustentável em todas as áreas do país. Projetos totalizando entre 40 bilhões e 50 bilhões de euros foram apresentados, com potencial para conferir progresso maciço e sustentável à Tunísia.

No entanto obteve-se menos de um terço das verbas necessárias. Mesmo a Alemanha participou com apenas 300 milhões de euros – embora seus políticos estejam sempre falando da necessidade de estabilização econômica do único Estado realmente democrático após a "Primavera Árabe". Ainda mais constrangedor é o fato de que, até julho de 2017, nenhuma das verbas anunciadas chegara ao país no Norte da África, como relata o Observatório Tunisiano da Economia (OTE).

Há anos, os supostos amigos europeus da Tunísia a têm deixado na mão. Na realidade, eles só cuidam, meticulosamente, de seus próprios interesses; garantem para si um lucrativo acesso ao mercado de consumo e de trabalho tunisiano, sem retribuição real. Em vez disso, exigem mais engajamento no combate à migração ilegal para a Europa. Como se o país já não tivesse problemas suficientes!

Diante de tal hipocrisia, é preciso os tunisianos se darem conta de que só podem confiar em si mesmos. O governo precisa finalmente abandonar o modelo econômico ultraliberal, que persegue desde a independência nacional, em 1956. Ele aposta apenas em exportações baratas para a Europa e turismo de massa barato para os europeus, e investe exclusivamente na região litorânea, mais lucrativa por ser de acesso mais fácil.

Foi possível impor tal modelo, por longo tempo e com sucesso, graças ao aparato repressivo da ditadura, mas ele é incompatível com uma democracia autoconfiante, que atenta para os seres humanos e para os direitos dos trabalhadores.

Após os diversos governos caóticos e incompetentes que sucederam à revolução, por fim o de Youssef Chahed assumiu a sério o combate aos aproveitadores corruptos desse sistema. Em maio último, contornando a Justiça, seu governo mandou prender Chafik Jerraya, um dos mais influentes oligarcas e aliado próximo do presidente Beji Caid Essebsi. Desde então, grassa uma luta de poder entre ambos os lados.

Os atuais protestos chegam em boa hora para Jerraya e Essebsi, pois para eles há agora a esperança de se livrarem assim do chefe de governo que se tornou inconveniente. Chahed só tem uma chance: dar tempo ao tempo. A fim de acalmar os protestos nas ruas, ele deve cuidar urgentemente para que as medidas de austeridade impostas também atinjam pessoalmente os membros de seu gabinete.

Mais importante do que tudo, porém, é que não haja novas mortes nos protestos. Com seu muito elogiado hashtag  "não destrua o seu país, Tunísia precisa de você", a polícia declaradamente aposta mais na comunicação do que na repressão.

O fato traz esperanças de que, após sete anos, a democracia tunisiana tenha mudado a mentalidade também daqueles que antes protegiam a ditadura e seus favoritos. Só assim ela terá chances de se afirmar por suas próprias forças – independente de quão confiáveis sejam os seus supostos amigos no exterior.

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