1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW
PolíticaAfeganistão

O Talibã é capaz de governar o Afeganistão?

Shamil Shams | Masood Saifullah
8 de setembro de 2021

Com o anúncio do gabinete interino, fundamentalistas conseguiram pacificar suas disputas internas – por ora. Grupo também mostrou como era vazia promessa de formar um governo com diferentes grupos políticos e étnicos.

https://p.dw.com/p/405c8
Grupo de afegãos de trajes típicos em torno de uma mesa, em parte armados
Afeganistão, no momento, é um país multiétnico, empobrecido e dilapidado pela guerraFoto: Zabi Karim/AP/picture alliance

A liderança talibã levou bastante tempo para anunciar seu governo interino no Afeganistão: três semanas desde que tomou controle de Cabul. Analistas dizem que a luta pela província de Panjshir manteve os fundamentalistas ocupados. Tão logo o último bastião de resistência caiu, o porta-voz Zabiullah Mujahid divulgou o gabinete nesta terça-feira (07/09).

Embora se trate apenas de um governo provisório e a composição definitiva seja uma incógnita, não há dúvida de que os dirigentes islamistas terão uma tarefa árdua pela frente.

Há relatos de um cabo-de-guerra entre as facções talibãs em torno da alocação dos cargos-chave, porém a composição provisória sugere que os novos governantes afegãos conseguiram unificar suas fileiras, pelo menos por enquanto.

Paz amplia "falhas geológicas"

Mullah Hasan Akhund foi nomeado primeiro-ministro interior, Sirajuddin Haqqani, ministro do Interior. A decisão de lhe delegar uma posição de alto escalão é prova de que o Talibã não desejava contrariar a militante Rede Haqqani, que aparentemente se transformou numa poderosa sub-organização de pleno direito dentro do grupo. Mullah Yaqoob, filho do fundador do Talibã, Mohammed Omar, atuará como ministro da Defesa, e Amir Khan Muttaqi, o do Exterior.

Em sua coluna no jornal paquistanês DAWN, o conceituado analista político Zahid Hussain afirmou que "o desafio mais sério para o Talibã afegão é manter a unidade dentro de suas fileiras".

"Alguns temem que a formação de um governo interino venha a ampliar ainda mais o racha. Poderá se acirrar a luta entre os moderados, que gostariam de tirar uma folga de alguns dos legados mais severos da composição anterior, e os linhas-duras, indispostos a se reformar."

"Embora os talibãs possam ter dado a impressão de ser um monolito durante a guerra, as diferenças sobre tática militar e outras questões práticas de política emergiam repetidamente", prossegue Hussain. "No entanto a discordância não afetou a resistência. O fim da guerra alargou as falhas geológicas."

Nada de diversidade – muito menos mulheres

As autoridades talibãs haviam anunciado que seu novo governo incluiria diferentes grupos políticos e étnicos, mas a configuração interina é dominada pela velha guarda do movimento.

"Os talibãs não veem mais necessidade de um governo inclusivo. Para eles, é mais importante ter figuras poderosas na liderança, de modo a poderem esmagar eventuais movimentos de resistência", comentou à DW o jornalista afegão Sami Yousufzai, completando: "Eles indicaram ministros com base em suas lealdades para com o grupo."

Nesta quarta-feira, a União Europeia ressalvou que o governo transicional indicado "não parece a formação inclusiva e representativa, em termos da rica diversidade étnica e religiosa do Afeganistão, que esperávamos ver e que o Talibã vem prometendo nas últimas semanas" – um governo representativo seria vital para a interação europeia com os talibãs.

Além disso, consta que os novos líderes teriam dissolvido o Ministério de Assuntos Femininos, dias após a violenta repressão aos protestos, encabeçados por mulheres, contra as restrições, sob o novo regime talibã, a seus direitos conquistados a duras penas. Não há tampouco figuras femininas na nova estrutura de poder – uma das reivindicações das manifestantes da capital Cabul.

Manifestantes femininas enfrentam policiais
Repressão a protesto feminino em Cabul congela esperanças de ver mulheres no poder afegãoFoto: Bilal Guler/AA/picture alliance

Governantes sob mira do Ocidente

Segundo Faiz Mohammad Zalan, docente da Universidade de Cabul, embora sejam predominantemente pachtos, os talibãs não defendem a indicação para cargos políticos com base em filiações étnicas: "Basicamente, os talibãs queriam encarregar com os ministérios os seus líderes mais poderosos, a fim de controlar a situação no Afeganistão."

Contudo não será nada fácil "controlar" um país tão multiétnico, dilapidado pela guerra e empobrecido: protestos já irromperam por todo o território, com grupos anti-talibã desafiando o regime. Além disso, os novos dirigentes necessitam de ajuda internacional, mas certas figuras do governo provisório já estão na mira dos países do Ocidente.

Alguns membros do gabinete são acusados de perpetrar ataques às forças militares americanas no país, nas últimas décadas. O primeiro-ministro interino Akhund consta de uma lista negra das Nações Unidas, enquanto Haqqani é procurado pelo FBI.

No entanto, segundo o jornalista Yousufzai, a comunidade internacional não tem outra opção, senão dialogar com o Talibã: "Acho que os países ocidentais não se importam quem dirija um ministério afegão, mas vão observar de perto as políticas governamentais."

Também na opinião do ex-diplomata afegão Ahmad Saidi, mesmo que o Talibã conseguisse manter suas fileiras unidas e evitar sanções internacionais, dirigir o país continuará sendo uma tarefa difícil.

"A maioria dos ministros talibãs é inculta e não familiarizada com assuntos de governo. Alguns ainda estão submetidos a sanções da ONU e não poderão viajar para o exterior. Eles ainda não têm um ministro da Saúde, nem do Comércio. Não sabemos o que vai acontecer com esses postos governamentais."