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O que esperar do Ministério do Meio Ambiente sem Salles?

24 de junho de 2021

Mais do mesmo: saída de Salles é celebrada, mas indicação do fazendeiro Joaquim Leite para a chefia da pasta não deve mudar rumo da política antiambiental do governo Bolsonaro, avaliam especialistas.

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Brasiliens Präsident Jair Bolsonaro und Brasiliens Umweltminister Ricardo Salles
Foto: Marcos Corrêa/Presidência da República do Brasil

A saída de Ricardo Salles do ministério do Meio Ambiente provoca alguns consensos entre ex-ministros, representantes da sociedade civil e pesquisadores. Embora a expectativa de uma mudança de direção na política ambiental seja baixa sob o novo indicado, Joaquim Álvaro Pereira Leite, a demissão do antigo dirigente tem pontos positivos.

"Era importante que ele saísse por todos os crimes e desmontes que fez, pelas graves denúncias de corrupção que estão sendo investigadas”, afirma Marina Silva, ex-ministra do Meio Ambiente, à DW Brasil.

Entre 2019 e 2021, junto com Jair Bolsonaro, Salles executou uma agenda antiambiental sem paralelos na história recente do país. O período foi marcado pelo aumento do desmatamento na Amazônia, que superou marcas alcançadas há mais de dez anos; queda das multas por crimes ambientais nunca havia sido tão brusca; e o retrocesso das políticas brasileiras tirou do país o lugar de destaque em fóruns internacionais.

Mesmo com a saída de Salles, o cenário não deve mudar. A indicação de Leite, pessoa de confiança do antigo ministro e que ocupou o cargo de secretário da Amazônia e Serviços Ambientais na pasta, indica uma continuidade nas políticas antiambientais.

"Muita mudança não tem como esperar, o chefe continua o mesmo. A linha de antipolítica ambiental de Salles é uma orientação de Bolsonaro. Leite deve seguir a mesma linha”, opina Suely Vaz, que já comandou o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e atualmente é especialista sênior em políticas públicas no Observatório do Clima.

Tido como mais simpático e menos agressivo que seu antecessor, Leite é de uma família produtora de café, vem autodeclaradamente do agro, atuou na Sociedade Rural Brasileira, SRB. "Ele é muito ligado aos ruralistas”, adiciona Vaz. Sua família também disputa a posse de uma faria da Terra Indígena Jaraguá, em São Paulo, cujo processo de demarcação está parado na Justiça.

Ele ainda é apoiador da Frente Parlamentar Agropecuária, a chamada bancada ruralista, que detém a maioria na Câmara dos Deputados e defende pautas que vão da liberação de mais agrotóxicos a mudanças na demarcação de terras indígenas.

Caso de polícia

Investigado pela Polícia Federal (PF) e com dois inquéritos em andamento no Supremo Tribunal Federal (STF), é possível que Salles tenha deixado o cargo para resolver as questões na Justiça longe da mais alta corte.

Com a perda do foro privilegiado, os processos serão encaminhados à primeira instância. Fontes ouvidas pela DW avaliam que os magistrados do STF pareciam determinados a responsabilizar o ex-ministro. Um exemplo é a autorização dada por Alexandre de Moraes para que o celular de Salles apreendido pela PF seja periciado nos Estados Unidos.

Brasiliens Umweltminister Ricardo Salles Joaquim Álvaro Pereira Leite
Joaquim Leite, o novo ministro do Meio Ambiente. Fazendeiro era homem de confiança de SallesFoto: Marcos Oliveira/Agência Senado

Antes mesmo do governo Bolsonaro, Salles já acumulava uma condenação na Justiça por fraude ambiental cometida em seus tempos de secretário estadual paulista. Agora, ele deixa o governo federal suspeito de envolvimento em extração ilegal de madeira, de atrapalhar e dificultar fiscalização ambiental entre outros.

Desde a redemocratização, nunca um ministro do Meio Ambiente havia sido alvo de tantas investigações no Tribunal de Conta da União (TCU). Só nos últimos dois anos, foram mais de trinta pedidos de apurações encaminhados por suspeitas ao lidar com temas da pasta, inclusive por sua conduta anti-indígena.

Em sua administração, Salles também foi acusado de perseguir servidores que tentavam cumprir seu trabalho com rigor. "Salles era o operador do presidente Bolsonaro. A saída dele é uma vitória da sociedade civil, servidores de carreira dentro do ministério, do Ibama e Icmbio e do Inpe que nunca se intimidaram e continuaram passando informações corretas sobre desmatamento e outros temas”, analisa Marina Silva.

O que vem pela frente

Ainda quando comandava de perto o projeto-piloto Floresta +, criado para recompensar financeiramente ações de preservação das florestas, Joaquim Leite manteve a iniciativa praticamente paralisada.

Os US$ 96 milhões disponíveis que vêm do Fundo Verde do Clima não chegaram a quem era previsto. O projeto beneficiaria pequenos agricultores familiares, assentamentos, terras indígenas ou unidades de conservação que tenham atividades de proteção e conservação de recursos naturais. Ele não teria ido adiante justamente por isso, dizem fontes ouvidas pela DW Brasil: Leite queria mudar a regra e beneficiar grandes produtores.

O novo ministro havia prometido ainda atrair mais recursos por meio de programas de Pagamento por Serviços Ambientais e venda de créditos de carbono por desmatamento evitado. "Mas quem investiria num país que fecha os olhos às ações de criminosos e, por essa razão, vê o desmatamento explodir?”, questiona a ONG WWF Brasil, cética de que a mudança de nome trará alguma diferença prática.

Depois da repercussão negativa causada pelo corte no orçamento no ministério no início do ano, Leite vai lidar com mais recursos canalizados de forma emergencial para as ações do Ibama e Icmbio. O que, na visão de Suely Vaz, não é necessariamente uma boa notícia.

"A temporada do fogo já está começando e não haverá tempo de treinar e contratar brigadistas apesar do dinheiro. As ações de combate do Ibama exigem planejamento. Não adianta ter dinheiro e não ter o plano”, critica, adicionando que se o recurso não for gasto, será devolvido.

Para Marina Silva, é possível que Leite apenas "administre a massa falida” depois da demolição de políticas ambientais causada por Salles. Sem credibilidade internacional pelos retrocessos vistos na era Bolsonaro, como o congelamento do Fundo Amazônia e negacionismo das mudanças climáticas, Leite teria que ir contra o próprio presidente para recuperar um pouco da destruição promovida.

"Uma simples mudança de nome, sem resultados, não recupera nada do que o país perdeu. Só resultados concretos, como o fim do desmatamento, das queimadas, da proteção aos indígenas e quilombolas, seriam capaz de resgatar a imagem do Brasil e parar os prejuízos que o país vem sofrendo”, ressalta Marina.