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O que distingue Kreuzberg dos banlieues franceses?

Soraia Vilela5 de novembro de 2005

Violência provocada pelos jovens na periferia das cidades francesas atrai o olhar de outros países europeus. Na Alemanha, sociólogos e mídia se perguntam: o que se vê em Paris poderia também acontecer em Berlim?

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Bombeiros em ação: explosão social foge ao controleFoto: AP

Depois da nona noite de revoltas nos subúrbios de Paris e na periferia de outras cidades francesas, as autoridades contabilizam um saldo de aproximadamente 900 veículos incendiados e danos em estabelecimentos comerciais, escolas e sedes de instituições públicas.

Para Seine-Saint-Denis – a região onde os conflitos são mais acentuados – foram enviados 1400 policiais. Além de helicópteros que sobrevoaram a área durante a madrugada. Mais de cem moradores tiveram que deixar suas casas devido ao perigo de incêndio. E centenas de pessoas foram às ruas em protesto contra os levantes.

Demonstration gegen Ausschreitungen in Paris, Frankreich
Marcha de protesto em Aulnay-sous-Bois, subúrbio ao leste de ParisFoto: AP

Se o foco da revolta é a periferia de Paris, os jovens com explosivos e pedras nas mãos estão se manifestando também em Bordeaux, Toulouse, Lille, Rennes, Nantes e Rouen. Diante da situação, o ministro francês do Interior, Nicolas Sarkozy, fez pouco até agora além de chamar os moradores dos banlieues (bairros de periferia) de "ralé, gentalha".

Do grafite ao explosivo

Mesmo que os primeiros protestos de filhos de imigrantes em regiões pobres de Paris tenham acontecido já nos anos 80, o grau da violência de hoje é visivelmente maior. O grafite dos 90 parece ter sido substituído pelos explosivos em grande escala: a forma econtrada pelos excluídos de lembrar aos outros que eles continuam existindo. Da mesma forma que a classe política evita a palavra "discriminação", pouco se ouve sobre os guetos que não podem mais ser ignorados na sociedade francesa, principalmente os situados na periferia de Paris.

Guetos: proporções desconhecidas na Alemanha

Daniel Cohn-Bendit
Daniel Cohn-Bendit: 'imigrantes sofrem maus-tratos constantes'Foto: AP

Daniel Cohn-Bendit, deputado no Parlamento Europeu e uma das figuras simbólicas dos protestos de rua em Paris em 1968, afirma em entrevista ao semanário Der Spiegel que a França "precisa resolver a questão dos guetos, que têm proporções que os alemães desconhecem. Os franceses precisam encontrar uma solução para problema do desempego entre os jovens filhos de imigrantes, que existe em grau muito maior que na Alemanha".

A possibilidade de deixar essas regiões, há de se lembrar, é praticamente inexistente para a maioria de seus moradores. Só para se ater aos preços do mercado imobiliário: nos últimos seis anos, eles subiram em Paris nada menos que 83%. Bairros antes considerados "operários" foram ganhando a aura de "chiques".

"Um novo fenômeno é a aquisição de quarteirões inteiros por fundos de investimento, que reformam todas as fachadas e os apartamentos. O preço dos aluguéis, logo, vai às alturas", comenta o diário suíço Neue Zürcher Zeitung. Ou seja, parte dos imigrantes que ainda não vivia na periferia, não tem outra chance se não se deslocar também em direção aos banlieues.

E apesar do odor de perfume nas regiões nobres da cidade, "12% da população é obrigada a sobreviver com menos de 670 euros ao mês", lembra o jornal. O que, para o nível de preços local, não chega ao mínimo necessário para uma sobrevivência digna.

Discriminação: vocábulo ausente do discurso oficial

Unruhen in Frankreich Paris Trappes
Ônibus incendiados, na região oeste de ParisFoto: AP

Logo a França, que tem marcado na história o lema "liberdade, igualdade e fraternidade". Logo as ruas de Paris, a capital que esbanja charme e elegância. "Discriminação é uma palavra dolorosa, que não faz parte do vocabulário oficial da República. Entretanto, a realidade é que a sociedade francesa têm enormes dificuldades em aceitar cidadãos de origem árabe ou africana – exceto na seleção nacional de futebol", ressalta o semanário alemão Die Zeit.

Sociólogos apontam para o fato de que a população dos banlieues vai se tornando cada vez mais sensível à medida em que vai recebendo olhares tortos contínuos. A superfície de uma sociedade multicultural – visível nos times de futebol, na mídia e na cultura pop – e que chega até a ser invejada pelos vizinhos alemães, vai sendo desmascarada como um mero invólucro que disfarça a segregação racial existente no país.

"Nestes bairros de Paris acontecem batidas policiais diárias, em que são controlados principalmente jovens de origem africana. Eles são maltratados com freqüência, obrigados a passar horas nos postos policiais até serem liberados", observa Cohn-Bendit ao Der Spiegel.

Tolerância falsa e relatitivismo cultural forjado

Ausländer in Berlin-Kreuzberg
Imigrantes nas ruas de Kreuzberg, em BerlimFoto: dpa

Na Alemanha, acreditam especialistas convidados a fazer declarações à mídia, apesar dos problemas em bairros habitados por muitos imigrantes – como Kreuzberg e Neukölln, em Berlim – o grau de marginalização dos estrangeiros continua sendo menor que nas cidades francesas. Embora nos dois países haja "uma tolerância falsa e um relativismo cultural forjado", critica o diário berlinense Der Tagesspiegel.

Alguns analistas afirmam que há hoje um bom contingente de filhos de imigrantes turcos, por exemplo, fazendo parte da classe média alemã. E que os bairros habitados por estrangeiros no país estão a anos-luz de distância da segregação que se vê na França. Já Ruud Koopmans, professor de Sociologia em uma universidade holandesa, aponta: "Os imigrantes na Alemanha ainda continuam não se sentindo em casa e mantendo a sensação de que são apenas hóspedes". Resta saber se algum dia eles também vão optar pelos explosivos no lugar do grafite.