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O projeto para salvar a ararinha-azul da extinção

7 de agosto de 2018

Criatório perto de Berlim abriga 90% das ararinhas-azuis que existem no mundo. De lá, a espécie, que sumiu da caatinga há 18 anos, será reintroduzida no seu habitat natural a partir de 2019.

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Uma ararinha-azul no criatório de Berlim. Espécie é natural da caatinga brasileiraFoto: picture-alliance/dpa/P. Pleul

O pequeno município alemão de Rüdersdorf, com pouco mais de 15 mil habitantes e localizado a 26 quilômetros de Berlim, esconde um enorme tesouro. Nele estão 146 das cerca de 160 ararinhas-azuis que existem no mundo. Nativa do Brasil, a espécie desapareceu da natureza há quase 18 anos. Mas, se depender da associação que cuida das aves na cidade alemã, essa situação mudará em breve.

A partir de 2019, a Associação para a Conservação de Papagaios Ameaçados (ACTP) pretende reintroduzir as primeiras ararinhas-azuis em seu habitat natural: a caatinga. Para isso, o criatório alemão conta com a parceria do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), ligado ao Ministério do Meio Ambiente, da instituição Preservação da Vida Selvagem Al Wabra, do Catar, do zoológico Pairi Daiza, da Bélgica, e de um zoológico em Cingapura.

Deutschland Rüdersdorf Zuchtanlagen der Association for the Conservation of Threatend Parrots e.V.
Filhotes ficam em espécie de berçário no criatórioFoto: DW/ C. Neher

"Todos os locais que têm ararinhas-azuis são privados, e, por isso, estamos tentando reproduzir o máximo possível de aves para podermos soltá-las na natureza o quanto antes", explica o pesquisador Cromwell Purchase, diretor da ACTP. O plano é soltar ao menos 20 aves por ano.

Das 146 ararinhas-azuis (Cyanopsitta spixii) que vivem no criatório, 120 chegaram à Alemanha em maio, vindas do Catar. Também Purchase trocou o emirado, onde trabalhava na Al Wabra desde 2010, pelo país europeu, para continuar cuidando das aves.

"As ararinhas-azuis que estavam no Catar precisavam ser transferidas, e sabíamos que a ACTP era o único local no mundo que tinha capacidade para recebê-las, além de ser uma referência na reprodução em cativeiro da espécie. O Catar continua sendo proprietário das aves, mas quem está cuidando delas agora é a ACTP", diz Purchase.

A transferência das aves foi impulsionada pela morte do mantenedor da Al Wabra, o xeque Saud bin Mohammed al-Than, em 2014, e pelo embargo econômico imposto ao Catar por Arábia Saudita, Emirados Árabes, Egito e Bahrein, no ano passado.

Para receber as novas moradoras, a ACTP construiu mais aviários. Cada par de ararinha-azul tem uma gaiola exclusiva. Duas gaiolas maiores, que reproduzem o habitat natural da espécie, estão em construção. São nelas que as aves que serão transferidas para o Brasil passarão a viver antes da viagem.

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Duas gaiolas maiores que reproduzem vegetação da caatinga serão a última morada das aves na AlemanhaFoto: DW/ C. Neher

Todas as gaiolas possuem uma área externa e uma interna climatizada. Atualmente, as aves preferem ficar na parte externa. Com o atual verão europeu, de temperaturas acima dos 30°C, o clima em Rüdersdorf se assemelha ao da caatinga.

Na Alemanha, as ararinhas-azuis recebem tudo o que necessitam. Cerca de 15 funcionários cuidam das aves, monitoradas por câmeras 24 horas por dia. Além de ajudar na segurança, as imagens servem para pesquisas de comportamento.

Reprodução da espécie

Construído em 2006 num terreno de 13 mil metros quadrado, o criatório tem ainda uma cozinha, onde são preparadas as refeições de cada espécie. Além da ararinha-azul, a ACTP participa de projetos de preservação da arara-azul-de-lear, do papagaio-de-são-vicente e do papagaio-de-santa-lúcia.

Cerca de 600 aves vivem em Rüdersdorf. O espaço também tem uma sala com chocadeiras, onde são colocados todos os ovos botados, outra que funciona como uma espécie de berçário para os recém-nascidos e uma gaiola especial para as ararinhas-azuis filhotes.

Este ano, 11 ararinhas-azuis já nasceram na Alemanha. Segundo Purchase, a taxa de natalidade foi menor do que a prevista devido à mudança da maioria delas, mas a meta do criatório é produzir cerca de 20 aves da espécie por ano. Para isso, o diretor conta com mapeamento do genoma de todos os exemplares remanescentes da espécie, realizado ainda no Catar.

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Uma das 146 ararinhas-azuis que vivem no criatório alemãoFoto: DW/ C. Neher

"A genética da ararinha-azul é muito pouco variada, pois os atuais exemplares são descendentes de poucas aves. Com o genoma, é possível saber qual fêmea e macho serão bem-sucedidos na reprodução e, assim, obter a maior diversidade genética possível", destaca Purchase.

Segundo o especialista, só uma das ararinhas-azuis que estão em cativeiro nasceu na natureza. Todas as outras vieram ao mundo dentro de uma gaiola.

Descoberta e extinção

Com o projeto de reintrodução na natureza, mais uma vez a Alemanha passa a ter um papel fundamental na história da ararinha-azul. A ave foi descoberta pelo zoólogo alemão Johann Baptist von Spix, no início do século 19, no interior da Bahia.

Endêmica da caatinga, a espécie foi vista última vez na natureza em outubro de 2000, mas não se sabe o que aconteceu com esse exemplar. Muito valiosa, a ararinha-azul foi alvo do tráfico de animais silvestres e da caça. A degradação de seu habitat impulsionou ainda mais sua extinção na natureza. Em 2011, a espécie ganhou fama mundial depois de protagonizar a animação Rio.

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ACTP possui ainda exemplares de outros psitacídeosFoto: DW/ C. Neher

Para que reintrodução da espécie seja bem-sucedida no Brasil, o governo criou duas unidades de conservação na Bahia: o Refúgio de Vida Silvestre da Ararinha-azul, em Curaçá, e a Área de Proteção Ambiental da Ararinha-azul, em Juazeiro. Além disso, um trabalho de conscientização está sendo feito junto à população local.

Até o final do próximo ano, 50 ararinhas-azuis devem ser transferidas para um centro de reprodução e readaptação que está sendo construído na região das unidades de conservação. Para aprenderem a viver livres novamente, as aves passarão por períodos de adaptação, em três gaiolas diferentes. A reintrodução da espécie é um processo de longo prazo, e só daqui a 20 anos será possível saber se foi bem-sucedido.

"É difícil estimar quantas aves estarão vivendo no seu habitat natural, precisamos ver como elas vão se adaptar. Se tivemos cerca de 200 em 20 anos será muito bom. Pessoalmente, acho que haverá mais exemplares, pois a meta é soltar 20 por ano, então, em dez anos poderíamos ter 200, mas sempre existe uma taxa de mortalidade", destaca Purchase. A expectativa de vida da espécie varia entre 20 e 40 anos.

Além de fornecer as aves, a ACTP e os outros parceiros estrangeiros financiarão grande parte dos custos do projeto, por meio de doações e auxílios de fundos de pesquisa, e também entrarão com a expertise. Funcionários da ACTP irão cuidar do criatório nos primeiros anos e treinar brasileiros para a manutenção futura destes centros.

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