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"O indígena que tenta proteger a floresta acaba sendo morto"

2 de novembro de 2020

Um ano depois de escapar do atentado que matou Paulo Paulino Guajajara, seu primo e também "guardião da floresta" Tainaky Tenetehar relata medo e aumento de invasões à Terra Indígena Arariboia, no Maranhão.

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Floresta Amazonica
"Os invasores retornam porque sabem que não vai ter punição"Foto: Adam Renan/Rede Amazônia Sustentável

Sem apoio e com poucos recursos, os chamados "guardiões da floresta", da Terra Indígena Arariboia, no Maranhão, costumavam passar dias em ronda na mata para impedir a entrada de invasores. Foi durante uma dessas imersões, em 1º de novembro de 2019, que Paulo Paulino Guajajara foi assassinado a tiros. 

Tainaky Tenetehar, que acompanhava o primo Guajajara, sobreviveu. Gravemente ferido, ele conseguiu avisar os indígenas na aldeia sobre o crime e passou meses se recuperando. 

"Com essa situação, o clima é de medo, medo da morte", diz Tenetehar em entrevista à DW Brasil sobre a situação na terra indígena desde então.

Segundo Tenetehar, o roubo de madeira e invasões aumentaram desde o atentado, apesar de diversas denúncias entregues pelos indígenas aos órgãos competentes. "Por isso os invasores retornam, porque sabem que não vai ter punição", avalia.

DW Brasil: Um ano depois do ataque que matou Paulo Paulino Guajajara e que deixou você gravemente ferido, você está recuperado?

Tainaky Tenetehar: Fisicamente eu estou bem. Mas, desde o ocorrido, o sentimento continua igual, de tristeza, pelo o que aconteceu com o meu parente, o guerreiro Paulo, que era meu parente de sangue, meu primo.

Eu estou aqui, pronto para continuar a luta de novo. Eu estou recuperado depois desse tempo. Eu fui alvejado por disparo de arma de fogo no braço e nas costas, fiquei três meses me recuperando, já que o ferimento foi muito grave. Acho que não vou ficar com nenhum tipo de sequela.

Já sinto que estou pronto para voltar a lutar, apesar das dificuldades, das mortes. Não podemos fraquejar. É muito triste a morte dos nossos parentes, mas temos que continuar nossa luta.

Você está satisfeito com a investigação do assassinato e com os resultados?

Eu não sei exatamente como funciona o trabalho da Justiça. Mas pelo o que eu sei e vejo, os criminosos que tiraram a vida do meu parente continuam livres até hoje. Estão soltos, talvez estão ainda retirando madeira, fazendo a exploração ilegal dentro da nossa área.

Vejo a impunidade. Não sei o que vai acontecer daqui pra frente, já faz um ano. Nossa terra continua sendo invadida por madeireiro, por caçador, que continuam lá explorando nossa terra. E, até, agora não temos resposta para nada.

A situação na Terra Indígena Arariboia, depois desse um ano, melhorou ou se agravou?

Depois da morte do Paulo, as coisas começaram a piorar de novo. Antes da morte dele, as invasões estavam diminuindo com o nosso trabalhado de guardião. A gente conseguiu fazer isso mesmo sem apoio do Estado. Depois do crime, a gente parou com esse trabalho dentro da floresta, a Justiça ficou investigando a morte do Paulo.

Depois disso, os madeireiros se sentiram livres, já que nada acontece, eles sentem que não serão punidos e estão retornando, invadindo a nossa terra, roubando madeira. Eles continuam dentro da floresta, devastando tudo. Quem realmente está dentro da floresta e vê o problema somos nós.

Vocês sabem quem são esses invasores, ou para quem eles trabalham?

Muitas vezes nós sabemos. Quando a gente fazia o trabalho de guardião, a gente identificava as pessoas. A gente identificava os donos dos caminhões que transportam as madeiras. E a gente passava esses dados para a Funai (Fundação Nacional do Índio), para órgãos como o Ministério Público Federal. Fizemos várias denúncias, mas, até agora, nada foi feito, ninguém foi punido por esse tipo de crime.

Vocês já fizeram denúncias aos órgãos competentes?

Sim, e nada aconteceu. A gente já levou os invasores que a gente pegou dentro da floresta, em flagrante, já apresentamos essas pessoas diretamente para a Polícia Federal em Imperatriz, a cidade onde tem uma sede. Mas, no dia seguinte, os invasores estavam soltos de novo, prontos para voltar à ativa.

A gente não entende como isso funciona. Acho que não tem punição para o crime ambiental no nosso país. Por isso os invasores retornam, porque sabem que não vai ter punição.

Como estão os indígenas que moram no território, eles se sentem seguros?

A maioria dos parentes vive com medo. Eles têm medo de fazer denúncia. A maioria das comunidades teme pela vida dos guardiões porque o que eles veem acontecer é isso: o guerreiro que se levanta para proteger a floresta, para proteger o povo, acaba sendo morto por pistoleiros, a mando de grandes empresários que querem destruir da floresta para aproveitar os recursos naturais.

Com essa situação, o clima é de medo, medo da morte.

Como era a rotina dos guerreiros da floresta na Terra indígena Arariboia?

Todos têm família e filhos pra sustentar. A gente se organiza por etapas, uma ou duas vezes por mês na ronda. Mas isso depende da situação de cada um, de como está a quantidade de mantimento em casa para deixar para as famílias. Porque só funciona também quando a família fica bem em casa, porque não temos nenhum ganho, não somos pagos para isso, o que fazemos é pela nossa sobrevivência. Somos obrigados a fazer esse tipo de trabalho porque a Justiça não faz. Se quisermos preservar a floresta para que nosso povo resista, sobreviva, é o que temos que fazer.

A gente fica de 15 a vinte dias fora de casa. Enquanto temos alimentação suficiente. A gente caça na floresta, leva farinha e arroz.

Quais são as lembranças que você manteve daquele dia do crime na floresta?

Foi tudo muito rápido. Tenho lembranças boas do Paulo antes disso, de nós dois caçando na floresta, dando muita risada, falando sobre o trabalho, sobre a floresta.

Infelizmente, no dia seguinte, fomos atacados por invasores que mataram o Paulo e que me feriram. Todo dia eu me lembro dele, sou muito triste por terem tirado a vida dele, não tem como sair da minha mente.

Nós tínhamos ido fazer uma caçada para levar para nossos filhos. O Paulo tinha um filho, ele estava iniciando a família agora. A gente não tinha ideia que a região que a gente foi estava totalmente invadida, a gente sabia que existia, mas não imaginava que eles estivessem tão próximos da gente. Eles estavam na área dos Awa, os indígenas isolados que vivem lá também.

Foi muito rápido. A gente achava que era caça que estava vindo de dentro do mato. Eles chegaram muito perto, houve pouca conversa e o disparo já saiu.

Eu consegui fugir deles. Eu cheguei na aldeia, falei para os parentes o que tinha acontecido.

Você retornou para a sua terra depois disso?

Sim. Eu passei uma temporada lá. Eu estava no programa de proteção a vítimas, mas eu tive que sair porque eu queria voltar para minha aldeia.

Mas nunca posso falar direito onde estou.