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O desafio de fazer sucessor

12 de setembro de 2018

A escolha de um sucessor político é uma arte que poucos líderes dominam. Lula não foi feliz; o alemão Helmut Kohl, o colombiano Juan Manuel Santos e tantos outros nem conseguiram, escreve a colunista Astrid Prange.

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Manifestante com a imagem de Lula durante em Brasília, agosto de 2018
Manifestante com a imagem de Lula durante em Brasília, agosto de 2018Foto: picture-alliance/AP Photo/E. Peres

Caros brasileiros,

É um grande paradoxo político: muitos líderes que decidem sobre guerra e paz não conseguem cuidar da sua herança política. Quando chega a hora de preparar um sucessor, fracassam. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é um exemplo disso.

E ele não é o único. O clube é grande. E a biografia dos membros reflete as contradições e tragédias que se escondem atrás de carreiras brilhantes. O ex-presidente da Colômbia Juan Manuel Santos, por exemplo, conseguiu terminar uma guerra civil de mais de 50 anos com as Farc. Mas não pôde eleger o "seu" candidato, Humberto de la Calle, negociador no processo de paz.

A tragédia não parou por aí. Pois o novo presidente da Colômbia, Ivan Duque, é o alter ego do seu rival político, o também ex-presidente Álvaro Uribe. Uribe e Santos, dois caciques, trabalharam juntos no mesmo governo e se tornaram inimigos depois. Uribe não ganhou o prêmio Nobel da Paz, mas venceu, numa guerra política, as eleições de maio deste ano.

Na Alemanha também o abismo do poder é profundo. O ex-chanceler alemão Helmut Kohl, que foi responsável pela Reunificação, não deixou nenhum correligionário crescer ao lado dele. Depois de 16 anos de governo com a União Democrata Cristã (CDU), em 1998, um social-democrata venceu nas urnas: Gerhard Schröder.

Kommentarbild Astrid Prange
Astrid PrangeFoto: DW/P. Böll

A trajetória de Kohl é trágica. Pois, atrás da fachada de "pai da reunificação” e do sucesso político absoluto, existia um escândalo de doações não declaradas para o seu partido, a CDU, e uma tragédia familiar. O "sistema” Kohl se baseou na lealdade irrestrita dos partidários e deixou pouco ou nenhum espaço para possíveis concorrentes ou sucessores.

Parece que no governo da atual chanceler alemã, Angela Merkel, ainda se fazem sentir as repercussões desse legado político. Desde que ela assumiu a posição de chefe de governo, em 2005, já conseguiu atravessar a crise financeira global, a crise da Comunidade Europeia e, mais recentemente, a crise política causada pela entrada de cerca de um milhão de refugiados na Alemanha.

Mas, nas últimas eleições, em setembro de 2017, ficou evidente que não existia nenhum outro candidato ou outra candidata na CDU que teria tido a chance de vencer nas urnas. A situação ficou tão evidente que até a própria Merkel se conscientizou. A aposta dela é a nova secretária-geral do partido, Annegret Kramp-Karrenbauer. Se a aposta vai dar certo, ninguém sabe.

Os exemplos fazem surgir uma pergunta: será que a grandeza política corresponde à falta de grandeza humana? Será que Evo Morales, na Bolívia, Paul Kagame, em Ruanda, e Cristina Kirchner, na Argentina, não conseguem ou não conseguiram imaginar um governo sem eles mesmos?

O que parece valer para Helmut Kohl não parece ser o caso de Lula. Pois ele "investiu” politicamente em Dilma e conseguiu fazer dela a primeira presidente mulher do Brasil. Mas a bênção para Dilma acabou se tornando uma maldição. Dilma desabou sob a sombra do mito de Lula e sob o escândalo de corrupção do PT, deixado por ele mesmo – um paralelo à herança política de Helmut Kohl.

Na segunda tentativa de eleger um sucessor político, Lula de novo parece não estar sendo feliz. Pois como é possível transformar um ex-prefeito de São Paulo em um símbolo de esperança para um país inteiro em apenas três semanas? Mesmo com a bênção de Lula, isso seria um milagre. Só Deus sabe. Pois Deus é brasileiro.

Astrid Prange de Oliveira foi para o Rio de Janeiro solteira. De lá, escreveu por oito anos para o diário taz de Berlim e outros jornais e rádios. Voltou à Alemanha com uma família carioca e, por isso, considera o Rio sua segunda casa. Hoje ela escreve sobre o Brasil e a América Latina para a Deutsche Welle. Siga a jornalista no Twitter @aposylt e no astridprange.de.

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