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No Chile, nem todos ganham com a moda global do abacate

Sophia Boddenberg ip
30 de junho de 2018

Demanda mundial pelo fruto está em crescimento. No país produtor Chile, cultivo em larga escala tem levado à escassez de água, com prejuízos para a população e os pequenos agricultores.

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Abacate do tipo Hass, recordista em exportações mundiaisFoto: Fotolia/fredredhat

Abacateiros de um verde exuberante brotam do chão, rodeados por colinas totalmente secas. Quase nunca chove na província de Petorca, cerca de 220 quilômetros ao norte da capital do Chile, Santiago. Os rios não fornecem água, o nível do lençol freático é extremamente baixo.

Devido ao clima quente, no entanto, Petorca é uma das regiões agrícolas mais importantes do país. Cerca de 8 mil hectares de terra são utilizados para a agricultura, mais da metade deles para o cultivo de abacates, e a superfície reservada para o cultivo do fruto triplicou desde 1990.

Em Petorca, devido a uma forte seca, essa área diminuiu ligeiramente na última década, mas ainda é lá que se encontra 16% de toda a produção de abacates do Chile. Apesar da seca, os abacates continuam a ser cultivados, pois, afinal, os negócios florescem.

"Ouro verde"

Chile Landnutzung und Wassermangel
Alfonso Ríos, chefe da Agropetorca: "O abacate é hoje uma marca chilena, e o mundo precisa de mais abacates"Foto: DW/Sophia Boddenberg

Segundo Alfonso Ríos, presidente da Agropetorca, maior associação agrícola da província, "o abacate é hoje uma marca chilena, e o mundo precisa de mais abacates". A demanda está aumentando, e alguns o chamam de ouro verde. Não se trata de qualquer abacate, mas sim do hass, o mais exportado.

O comitê chileno de abacate hass lançou uma bem-sucedida campanha publicitária para aumentar a popularidade do produto no mundo. Segundo dados do órgão, a demanda global cresce 12%, a produção de 4% a 5%. Cerca de 70% dos abacates hass são exportados, o restante permanece no Chile.

O país é o terceiro onde mais se consome abacates, ficando atrás apenas dos Estados Unidos e do México. O fruto está presente no café da manhã, no almoço e no jantar dos chilenos. Devido à demanda crescente do mercado mundial, porém, os preços dobraram nos últimos anos.

Se em 2011 um quilo de abacate ainda custava cerca de 2 mil pesos chilenos (12 reais), hoje está em mais de 4 mil pesos. Na Alemanha, o preço do quilo ultrapassa 10 euros (44 reais). Ríos não vê problema algum: "Em breve, o preço será igual em todos os lugares do mundo. O abacate vai se tornar uma commodity, em algum momento vai se falar dos preços do cobre, do ouro e do abacate".

Pequenos agricultores sofrem

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A agricultora Jimena Valdebenito: "Eu tive que sacrificar a produção de um ano inteiro para economizar água"Foto: DW/Sophia Boddenberg

Mas nem todos estão felizes com a clima de corrida do ouro em Petorca. Jimena Valdebenito é uma agricultora que vive na pequena aldeia de Cabildo. Nascida e crescida por lá, ela conseguiu um pedaço de terra graças à reforma agrária dos anos 70.

Ela também cultiva abacates, mas desde que a indústria agrícola se instalou na área, mal consegue se sustentar, pois não dispõe de água suficiente para regar as plantas. Todos os seus três poços secaram.

"As grandes empresas consomem toda a água subterrânea. Se eu cavasse um buraco aqui, não encontraria água porque não tem mais. As empresas dispõem de dinheiro para construir poços cada vez mais profundos e para exportar os abacates delas. Eu tive que sacrificar a produção de um ano inteiro para economizar água. Os abacates dos pequenos agricultores ficam aqui no Chile", queixa-se Valdebenito.

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Plantações verdes de abacate contrastam com a paisagem secaFoto: DW/Sophia Boddenberg

Abastecimento d'água particular

Não só os pequenos agricultores sofrem com o alto consumo d'água da indústria agrícola, mas também a própria população tem tido problemas com o abastecimento de água potável.

Toda a população de Cabildo é agora abastecida por caminhões-pipa. Os veículos pertencem à empresa privada Esval. No Chile, o abastecimento d'água é 100% privado. O Código das Águas, a legislação que torna isso possível, foi elaborado em 1981, ainda sob a ditadura militar de Augusto Pinochet. A lei define a água como um "bem nacional de uso público", mas permite que o Estado conceda direitos de uso gratuitos e ilimitados a terceiros.

A privatização definitiva do fornecimento de água potável foi selada pelos governos democraticamente eleitos de Eduardo Frei e Ricardo Lagos, no fim da década de 1990 e início da de 2000. Desde então, a água tem sido considerada um bem livremente comercializável, independente da propriedade da terra. Dessa forma, os direitos da água se concentram agora em mãos de algumas grandes empresas dos setores agrícola, mineiro e florestal.

Benefícios do boom para a indústria agrícola

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Luis Soto, do movimento Modatima: "Direito à água potável e ao saneamento não é garantido no Chile"Foto: DW/Sophia Boddenberg

Isso é o que o movimento chamado Modatima quer mudar. Trata-se de um acrônimo de Movimento de Defesa da Água, da Terra e da Proteção do Meio Ambiente da Província de Petorca, fundado em 2010 para defender os direitos dos moradores e pequenos agricultores perante o agronegócio.

"Queremos que a água seja novamente associada à terra", diz Luis Soto, membro da Modatima. "O Chile assinou a resolução das Nações Unidas, reconhecendo o direito à água potável e ao saneamento em 2010. Esse direito não é garantido no Chile de hoje." Só se a água voltar a ser um bem público no Chile, o desenvolvimento agrícola poderá beneficiar os pequenos agricultores, e não apenas a indústria.

"O abacate se tornou uma moda na Europa, e isso deveria ser bom para nós. Aqui, há gente que se beneficia disso, como a indústria agrícola. Mas a população das províncias não tem vez. Embora as empresas falem sempre de empregos, a indústria agrícola depende cada vez mais da tecnologia."

De acordo com uma análise do Centro Chileno de Jornalismo Investigativo e Informação (Ciper), a maioria dos direitos sobre a água em Petorca está nas mãos de quatro famílias que, além de serem proprietárias de empresas agrícolas, também estão em parte envolvidas na política.

Um desses empresários é Edmundo Pérez Yoma, ex-ministro do Interior e proprietário de várias empresas agrícolas. Outro é Ignacio Álamos, cunhado do parlamentar conservador Juan Antonio Coloma. Para ambos, os problemas da água em Petorca não vêm das empresas agrícolas, mas das mudanças climáticas.

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