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Na orla de Copacabana, Supremo é alvo preferencial

Bruno Lupion Rio de Janeiro
8 de setembro de 2022

Entre os bolsonaristas que compareceram era possível identificar mais cartazes e referências críticas ao STF do que as dirigidas a Lula. Manifestantes endossam ataques do presidente e pedem dissolução da Corte.

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Caixão com os rostos dos ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin
Ato em Copacabana estava repleto de cartazes e manifestações contrárias ao Supremo, como este caixão com os rostos dos ministros Alexandre de Moraes, Luís Roberto Barroso e Edson FachinFoto: Bruno Lupion/DW

O público bolsonarista que compareceu nesta quarta-feira (07/09) ao ato político em Copacabana, no Rio de Janeiro, que fundiu um evento da campanha à reeleição do presidente às comemorações pelo bicentenário da Independência, tinha o Supremo Tribunal Federal (STF) como um dos principais alvos de suas críticas.

Além do antipetismo, tradicional polo mobilizador da política nacional, havia na orla um forte sentimento anti-Supremo – fenômeno já estabelecido há alguns anos no campo bolsonarista, insuflado pelo presidente e por seus círculo próximo. A partir de uma observação sem critério científico, era possível identificar mais cartazes, faixas e referências críticas à Corte do que às dirigidas ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 

Promover ataques às Cortes constitucionais integra o roteiro político de líderes de extrema direita em todo o mundo, posto que elas são responsáveis por limitar os atos do Executivo em desacordo com a Constituição – papel que se torna ainda mais preponderante quando o Congresso adota um comportamento dócil com o presidente.

A DW conversou com alguns brasileiros presentes em Copacabana sobre os motivos que os haviam levado a comparecer ao ato. A servidora aposentada do Judiciário Regina Holanda, de 62 anos, por exemplo, disse que os ministros do Supremo estão extrapolando suas competências e defendeu a "dissolução da Corte". Já o advogado Marcelo Câmara, de 49 anos, previu que uma possível "fraude" eleitoral contra Bolsonaro teria o apoio dos ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso.

Foram mencionados ainda críticas à urna eletrônica, a defesa de valores conservadores ligados à "família" e a atuação do governo Bolsonaro na economia. 

Ex-servidora do TJ quer dissolução do Supremo

Regina Holanda, 62 anos, aposentada do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, é uma das eleitoras de longa data de Bolsonaro que compareceram a Copacabana. Ela vota nele desde seu primeiro mandato como deputado, iniciado em 1991, e é saudosa do regime militar. "Até eu entrar na faculdade não tinha violência, a vida não era tão difícil, não tinha essa corrupção absurda. Dos anos 80 para frente foi uma lástima, infelizmente", diz.

Ela avalia o governo Bolsonaro como "excelente". Referindo-se à transposição do rio São Francisco, diz que foi o presidente que "conseguiu levar água para o Nordeste, quebrando aquela máfia dos carros pipas, Renan Calheiros, Ciro Gomes, que ganhavam dinheiro com a miséria dos outros". 

Regina Holanda acompanhada de outra mulher com camisestas de apoio a Bolsonaro
Regina Holanda (à esquerda) é nostálgica da ditadura militar e avalia o governo Bolsonaro como "excelente"Foto: Bruno Lupion/DW

A "paternidade" sobre a transposição é um dos temas da campanha eleitoral deste ano, e foi mencionada pelo próprio Bolsonaro no seu discurso em Copacabana. A transposição foi iniciada no governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que diz que seu governo e o de sua sucessora, Dilma Rousseff, realizaram 88% das obras.

Holanda também menciona o crescimento do PIB no governo Bolsonaro, segundo ela, "assustador", e faz duras críticas ao Supremo, que para ela deveria ser "dissolvido". "Eles legislam, eles julgam, eles são tudo."

A servidora aposentada diz ainda que a maioria dos "lugares que são formadores de cultura" estão "aparelhados" pela esquerda e que "é muito difícil destruir trinta anos de aparelhamento". Mas, se Bolsonaro foi reeleito, ela acredita que ele poderá "quebrar essa hegemonia política por muito tempo". "Depois não tem mais jeito, ele vai indicar outro [sucessor]. Seria o Sergio Moro, que fez aquela bandalheira e agora está pedindo perdão, mas ninguém acredita mais nele", diz.

Advogado diz ver risco de guerra civil se Bolsonaro perder

O advogado Marcelo Câmara, 49 anos, é outro eleitor de longa data de Bolsonaro que participou do ato político em Copacabana, pois já o apoiava quando ele era deputado. Ele considera que seu governo fez "muito mais do que era possível", considerando os desafios impostos pela pandemia de covid-19 e a guerra na Ucrânia

Marcelo Câmara com camiseta com rosto de Bolsonaro na orla e ao lado de mulher
Marcelo Câmara (à esquerda) desconfia das urnas eletrônicas e diz que uma possível "fraude" teria apoio dos ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso.Foto: Bruno Lupion/DW

Câmara afirma desconfiar das urnas eletrônicas "porque não são auditáveis", e diz que se Bolsonaro ficar atrás de Lula no resultado oficial "muito provavelmente haverá uma guerra civil". 

"É só ver o que está acontecendo aqui [multidão em Copacabana]. Numericamente, não tem como o Lula ganhar, a não ser que tenha fraude, uma possível fraude que teria o apoio do Supremo, em especial do [ministro] Alexandre de Moraes e do [Luís Roberto] Barroso. O povo iria se revoltar, com certeza", diz.

Casal de professores afirma temer represálias

Rafael, de 42 anos, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e Fernanda, de 42 anos, professora de ensino básico da rede municipal, estavam na orla de Copacabana vestidos de verde e amarelo e levando seu bebê. Eles preferiram não informar o sobrenome nem tirar foto pois temem retaliação em seus ambientes de trabalho.

"A visão progressista de mundo não aceita diferença. O ambiente acadêmico e as escolas estão permeadas por essa formação mais ideológica. Quando você fala que é contra isso, sofre represália", diz Rafael. Ele afirma ser cristão e conservador e procura votar em políticos que reflitam esses valores, mesmo que sejam aqueles que não prometem aumentos de salários para sua categoria. "Meu voto não está à venda", diz. 

Rafael afirma que a eleição de Bolsonaro em 2018 propiciou uma "explosão de gente [conservadora] que apareceu, que saiu do armário, porque o brasileiro não tinha uma representação conservadora expressiva. Não tinha um político de direita".

Indagado sobre a quais valores conservadores se refere, ele menciona a posição contrária ao aborto, a promoção de "valores familiares" e a defesa de que os pais tenham "autonomia" na educação dos filhos. "A gente sabe que na Alemanha pais foram presos porque queriam ensinar determinados valores para os filhos e não queriam que os filho fosse para aquela escola. A gente não quer que isso aconteça no Brasil", afirmou.

Na Alemanha, a responsabilidade de ensinar as crianças sobre a vida sexual não é um papel exclusivo da família, mas um dever do Estado. Em 2013, um pai de nove crianças foi preso por proibir uma das filhas de frequentar as aulas de educação sexual numa escola primária do estado da Renânia do Norte-Vestfália.

Rafael também afirma que Bolsonaro representa um projeto de corte de gastos públicos e redução do Estado. "A gente apoia a livre iniciativa, quanto menos Estado, melhor. O Estado deve cuidar da defesa, da educação básica e da saúde pública, mas está muito inchado", afirma. 

"São esses valores que a gente tem, e a gente procura alguém assim. Não importa se ele fale bonito, se fala feio, se é grosseiro, se é mal-educado. É o perfil dele, mas até o momento ele se mostra muito honesto", conclui. 

Empresário diz que Brasil está "bombando" na economia

O empresário Eduardo José Francicani, de 39 anos, votou em Bolsonaro pela primeira vez em 2018 "para ter uma mudança" e acredita que esse objetivo foi cumprido. Ele diz que seu governo fez "bastante coisa", apesar de "vários empecilhos que não o ajudaram". 

"A economia estava numa crescente grande [antes da pandemia]. E neste ano o Brasil está bombando na questão econômica", afirma. "O Brasil tem um potencial muito grande e ele quer levar o Brasil para a frente, a gente não vê isso nos outros partidos." 

Eduardo José Francicani com a bandeira do Brasil
Eduardo José Francicani afirma que governo Bolsonaro fez "bastante coisa" e que presidente "quer levar o Brasil para a frente"Foto: Bruno Lupion/DW

Como muitos bolsonaristas, ele desconfia das urnas eletrônicas e afirma que elas deveriam ter novas formas de auditagem. "Se fossem tão seguras, por que não ter outra forma de auditá-las? Parece que o pessoal não quer auditá-las. Temos esse medo porque o próprio pessoal do STF não quer auditar e ficamos nesse impasse", diz.

Avaliador afirma que Supremo é "o câncer do Brasil"

José Rinaldi, avaliador, de 44 anos, estava em Copacabana acompanhado de sua companheira Daniele Bastos, de 42 anos, também avaliadora. Ambos votaram em Bolsonaro em 2018 – ele já havia votado nele antes, para deputado, e ela ressaltou que "nunca votou no PT".

Rinaldi avalia que o governo Bolsonaro foi "positivo", se considerado o "problemaço" da pandemia, e agora está "colhendo os frutos, com menor índice de desemprego e a economia equilibrada". "Se fosse como no governo do PT, estaríamos numa situação muito complicada. O presidente soube escolher uma equipe boa e isso faz muita diferença." Além da questão econômica, ele afirma ter identidade com Bolsonaro no campo dos valores: "família, país cristão, sem ideologia de gênero nas escolas". 

José Rinaldi e Daniele Bastos na orla, com a filha
José Rinaldi diz não confiar "nem um pouco" nas urnas eletrônicas, e Daniele Bastos enfatiza que "nunca votou no PT"Foto: Bruno Lupion/DW

Rinaldi diz não confiar "nem um pouco" nas urnas eletrônicas, e defende que os votos deveriam ser impressos para uma posterior conferência em caso de necessidade – uma proposta antiga de Bolsonaro que já foi rejeitada pelo Congresso

Sua crítica mais contundente é ao Supremo, que ele considera ser "o câncer do Brasil, o que faz o Brasil andar para trás. Eles acham que o poder deles é maior do que o do Congresso e o do presidente". 

Ele cita como exemplo a revogação do piso salarial da enfermagem, determinada pelo ministro Luís Roberto Barroso no último domingo, em decisão monocrática. "[O piso] foi aprovado pelo Congresso, o presidente assinou, e um ministro foi lá e tira. Ele é maior que todo mundo?"