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EducaçãoBrasil

Jovens precisam voltar a ler para opinarem com bom senso

Vinícius de Andrade
Vinícius De Andrade
15 de fevereiro de 2024

No ativismo das redes sociais, há necessidade de se emitir opinião sobre tudo. Mas o potencial de discussão sadia pode ser minado quando quem opina simplesmente não leu, não se informou sobre o que está criticando.

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Jovem olhando celular na mão
"Pessoas comentam sobre absolutamente tudo, com um tom de certeza invejável e sobre assuntos sobre o qual não têm a menor ideia"Foto: Weronika Peneshko/dpa/picture alliance

Atuo há cerca de três anos como colunista e para mim já está claro como a água: muitas pessoas leem apenas as manchetes e não os textos na íntegra.

Os mais ingênuos e otimistas diriam que é apenas por falta de tempo, mas, curiosamente, aqueles que não leem encontram tempo o bastante para deixar seus comentários.

Já li frases com os mais terríveis absurdos e em alguns notemi claramente um tom de maldade. Não me entristece a divergência de opiniões, pois é algo natural e que pode enriquecer muito as discussões propostas. Entristece-me quando as pessoas simplesmente emitem afirmações sobre minha realidade, bagagem, experiência e intenções que simplesmente não estão coesas com a realidade.

Li uma vez um comentário que dizia: "Colunista da Faria Lima”. A intenção da pessoa era dizer que eu não sabia sobre a realidade que eu estava escrevendo. Mal ele sabia que sou nascido e criado no bairro com mais favelas da minha cidade. O comentário dele, intencional ou não, foi desrespeitoso com toda a minha trajetória.

Bom, contexto inicial a parte, já digo: esta coluna não tem como foco expor os absurdos que já li ou falar sobre o quanto isso já me magoou. Até porque, honestamente, esse sentimento de tristeza é rapidamente substituído por outros: decepção, frustração e desapontamento.

Potencial de discussão perdido

Vou explicar a razão: a cada coluna escrita, seja ela por mim ou por um autor colaborador, há um real esforço em ser fiel com a realidade da educação brasileira, em trazer assuntos pertinentes para a discussão e, sobretudo, em ampliar as vozes dos mais diversos agentes. Já tivemos textos escritos por professores, por estudantes, por universitários e pelos mais diversos personagens da educação brasileira.

Acho uma grande pena quanto todo o potencial de discussão sadia, de reflexão, de mudança de cada texto é minado simplesmente por ele não ter sido lido. Chega a ser um desperdício, e é uma grande pena.

É muito frustrante quando a coluna é publicada, e leio comentários de pessoas que claramente não leram o texto. É mais frustrante ainda o tom de certeza que pauta os comentários, e tudo fica ainda mais frustrante quando esses comentários abrem o precedente para outros. Logo em seguida, rápido o bastante, torna-se uma coluna repleta de opiniões de pessoas que nem a leram.

Não é difícil de entender. Coloco a culpa em dois fatores e são até mesmo culturais, muito maiores do que um indivíduo apenas.

O primeiro deles é um fato: as pessoas estão parando de ler. Estou à frente de uma ação social de educação há anos, e isso me possibilita ter contatos com jovens e universitários de todo o país. Noto, diante de meus olhos, a perda de atenção das pessoas em uma velocidade assustadora.

Falta de atenção entre alunos

Sempre foi comum uma certa falta de atenção entre os alunos. Hoje, está absurdamente difícil conseguir a atenção e a compreensão deles para os mais simples direcionamentos e comunicados. Além disso, de uns dois anos para cá, noto que essa falta de atenção também atingiu os nossos voluntários. Estes, já universitários e das melhores instituições do país.

Imagino o quanto é difícil para os professores que atuam em salas de aula. Conseguir a atenção dos estudantes já é um grande desafio. Conseguir a compreensão se tornou uma das mais difíceis tarefas.

O outro fator tem relação direta com as redes sociais e é impulsionado pelo primeiro. As redes sociais nos possibilitam ter contato com as mais diversas pautas e assuntos. Alinhado a isso, há em nós um certo senso de militância. Com as redes, podemos militar pelos negros, pela educação, pelo meio ambiente, pela causa LGBTQIA*, pela natureza, pela saúde. Isso tudo em apenas uma manhã. Eficiente, né? É incrível o senso de ativismo. Há uma necessidade de se opinar sobre absolutamente tudo.

Embora eu ache legal as pessoas se importarem com assuntos como os que descrevi, algo me preocupa: são assuntos muito complexos, com muitas camadas e em que eu, embora possa estar munido de boas intenções, posso atrapalhar mais do que ajudar ao comentar sobre temas que não tenho nenhuma expertise.

Agora acrescente nesse cenário a falta de leitura da população. O resultado: comentam sobre absolutamente tudo, com um tom de certeza invejável e sobre assuntos sobre o qual não têm a menor ideia. Ainda pior: fazem isso, quase sempre, apenas com as informações das legendas.

Juízes da internet

Sinto pelos meus colegas jornalistas e colunistas. Sei, sobretudo agora, o quanto colocamos energia em fazer um bom trabalho e o quanto dói ver o potencial de nosso material minado, simplesmente por não ter sido lido. Sei também o quanto dói quando nos julgam enquanto pessoas físicas ou as nossas intenções.

A solução? Me perdoem o pessimismo, mas grande parte das pessoas que atuam assim, os juízes da internet, eu acredito fortemente que não irão mudar. Não todos, é claro, mas sinto que eles sempre existirão.

Penso que a solução esteja na nossa juventude. É urgente e necessário que a construção do senso crítico seja uma prioridade. Alinhado a isso, nossos jovens precisam voltar a ler. Antes que me julguem: sei que não é fácil. É uma missão hercúlea e que deverá envolver as escolas, o governo, o apoio das gigantes empresas por trás das redes sociais e da população em si.

Não é fácil, mas precisa ser feito. Como mudaremos o mundo em um contexto em que nem entendemos os problemas e o que precisa ser mudado?

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Vozes da Educação é uma coluna quinzenal escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade. Revezam-se na autoria dos textos o fundador do programa, Vinícius De Andrade, e alunos auxiliados pelo Salvaguarda em todos os estados da federação. Siga o perfil do Salvaguarda no Instagram em @salvaguarda1

Este texto foi escrito por Vinícius De Andrade e reflete a opinião do autor, não necessariamente a da DW.

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A coluna quinzenal é escrita por jovens do Salvaguarda, programa social de voluntários que auxiliam alunos da rede pública do Brasil a entrar na universidade.