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Itália lança campanha para desencorajar migrantes econômicos

Megan Williams, de Roma (jps)10 de agosto de 2016

Governo italiano divulga relatos de violência e agressões que jovens africanos enfrentaram na sua jornada para chegar à Europa. Críticos afirmam que a União Europeia deveria fazer mais além de assustar.

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Migrantes esperam para ser atendidos no centro de refugiados de Tiburtina, em RomaFoto: DW/M. Williams

É meio-dia de um verão escaldante. Numa viela estreita perto da estação ferroviária de Tiburtina, em Roma, dezenas de pessoas estão reunidas ao longo de um muro, na sombra. Elas estão sentadas em pedaços de papelão ou em cadeiras de plástico, comendo massa ou salada de frutas em pratos de papel. Perto dali, sob uma pequena tenda aberta, voluntários distribuem a comida que foi doada por moradores da vizinhança.

A maioria das pessoas acampadas enfrentou violência, agressão sexual e trabalho escravo, além de arriscar a vida para escapar da pobreza extrema ou da opressão política na terra natal. Elas pagaram coiotes na Líbia, depois de cruzarem desertos traiçoeiros, e foram resgatadas no sul da Itália quando estavam em barcos de borracha precários. Elas vêm da África Ocidental, do Iraque, da Etiópia ou do Sudão.

"É muito perigoso para as mulheres", diz uma jovem de 19 anos que foi resgatada em julho no sul da Itália e espera se reunir com o marido em Zurique e "conseguir uma educação." Assim que termina de comer um prato de massa, ela explica que passou um mês na base de um traficante de pessoas na Líbia, à espera de um barco. "Não há nenhuma comida ou água. E também há pessoas que te roubam e homens que te atacam sexualmente." Ela conta que a viagem de barco, que durou cinco dias, foi horrenda. "Eles colocaram 125 pessoas num barco muito pequeno. Cinco morreram [de exaustão e sede], e eles simplesmente jogaram os corpos ao mar."

Abioa, natural da Etiópia, que está sentando ao lado e ajuda na tradução, diz que também sobreviveu a uma provação angustiante. "Eles te batem da manhã até a noite, te dão comida apenas uma vez por dia. Vi muitos amigos morrerem, uns 15, 20. Muitos por apanharem ou por ficarem doentes. Não há comida", diz ele. Desde que chegou à Itália, no início de junho, ele tentou cruzar a fronteira com a Suíça em seis oportunidades, mas foi mandado de volta em todas elas. "Se eu soubesse, não teria vindo", afirma.

Italien versucht Flüchtlinge abzuschrecken
Migrantes africanos acampados em Roma: muitos não obtêm refúgioFoto: DW/M. Williams

Você não é bem-vindo

São pessoas como essas que uma contundente campanha informativa lançada recentemente pelo Ministério do Interior da Itália e pela Organização Internacional para as Migrações (OIM) está tentando alcançar. Batizada de "Imigrantes, fiquem atentos", a campanha é voltada para homens e mulheres jovens que abandonaram seus países devido à pobreza extrema e que dificilmente receberão o status de refugiado na Europa. A mensagem? Não se arrisque vindo até aqui.

Por meio de anúncios de rádio e televisão transmitidos em 15 países africanos – e também pelo Facebook e outras mídias sociais – imigrantes que fizeram a travessia para a Itália partilham suas histórias de horror em francês, inglês e árabe. Eles encaram a câmera com uma franqueza surpreendente. Um homem conta ser incapaz de parar de chorar depois que coiotes na costa da Líbia o obrigaram a se separar do seu filho antes do embarque. Uma jovem descreve a sede agonizante que enfrentou nas mãos de traficantes no deserto. Outra diz que foi mantida refém por vários meses e teve que fugir para salvar sua vida, depois de ter escapado por pouco de um estupro anal.

O ministro do Interior da Itália, Angelino Alfano, que ajudou a lançar a campanha, orçada em 1,5 milhão de euros e que tem como slogan "Esteja ciente, irmã!"! ou "Esteja ciente, irmão!", comparou a iniciativa a "atirar uma garrafa com uma mensagem" para os candidatos a imigrantes. Ele diz que violência sofrida na Líbia aumentou consideravelmente. Assim como as mortes no mar – mais de 3 mil pessoas pereceram este ano na travessia da Líbia para a Itália (um aumento de 25% em relação ao mesmo período de 2015).

Prioridades erradas

Mas a campanha despertou algumas críticas entre aqueles que trabalham com os imigrantes. "Eu acho essencial que todas as coisas terríveis que acontecem com essas pessoas sejam devidamente divulgadas", diz Andrea Costa, que trabalha como coordenador voluntário no centro de refugiados de Tiburtina. No entanto, ele questiona não só a eficácia da campanha, como também as prioridades da Itália.

"Junto com essa mensagem, a Europa também deveria fazer tudo o que puder para eliminar esses riscos terríveis e para criar um corredor humanitário seguro para as pessoas que escapam de ditaduras ou da fome", diz. Outros ativistas têm feito críticas mais duras e passaram a denunciar a campanha com a hashtag #shameonEU ("que vergonha, União Europeia"). A Europa "não se importa se você é uma mulher ou uma criança ou se você está fugindo da guerra", escreveu uma italiana.

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Muitos migrantes passaram por situações arriscadas até chegarem à EuropaFoto: DW/M. Williams

Divulgar a mensagem

Os responsáveis pela campanha, porém, deixam claro que o alvo são os migrantes econômicos, que muito provavelmente serão enviados de volta ao seu país de origem – e não aqueles que fogem de conflitos e que se enquadram na definição de refugiados. Desde o início de 2014, mais de 400 mil migrantes chegaram de barco à Itália. Em 2016, o país recebeu cerca de 90 mil. Muitos vêm da África, e a maioria – 60% em 2015 – não se qualifica como refugiado.

Federico Soda, que comanda o escritório da OIM em Roma, diz que os migrantes costumam trocar informações. No entanto, ele ressalta que esses relatos sobre o perigo e a violência ao longo da rota migratória nem sempre alcançam seus locais de origem. Muitas vezes, aqueles que sobreviveram sentem uma profunda vergonha, algo que não é fácil de compartilhar.

"Existe uma grande pressão social para que esses projetos de migração sejam bem-sucedidos, especialmente quando as famílias fazem grandes sacrifícios econômicos para enviar alguém", explica Soda, "Se você tiver sido abusada, espancada e estuprada, isso é encarado como um fracasso terrível. Além disso, vivenciar essas experiências, ou até mesmo testemunhá-las, é algo tão traumático que eles simplesmente desejam bloquear tudo", acrescenta.

Tina Ammendola, porta-voz do Departamento de Liberdade Civil e de Imigração do Ministério do Interior da Itália, diz que, além de informar sobre o que acontece com essas pessoas, a campanha também quer combater as falsas narrativas divulgadas por traficantes de pessoas.

"Grande parte das informações é divulgada pelos próprios traficantes e é incorreta", diz. "É uma ferramenta que os traficantes dispõem para convencer as pessoas, dessa forma eles podem ganhar dinheiro com os migrantes, maltratá-los e enriquecer ainda mais. Sabemos que a maioria deles juntou fortunas às custas de pessoas que só estão tentando encontrar uma vida melhor."