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LiteraturaFrança

Houellebecq lança novo romance provocativo

Christine Lehnen
12 de janeiro de 2022

Em seu novo e possível derradeiro romance, célebre autor francês retrata o declínio de uma sociedade patriarcal em meio ao crescimento do populismo de direita.

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Escritor Michel Houellebecq fuma um cigarro em frente a uma estante de livros. Ele anunciou que este será seu último livro. "Chegou a hora de parar”
MIchel Houellebecq anunciou que este será seu último livro. "Chegou a hora de parar”Foto: Philippe Matsas/Flammarion

Aniquilar é o novo romance do escritor francês Michel Houellebecq. O título cai bem:  anéantir em francês significa "autodestruir” e também "desaparecer”.

Em seu último romance, o célebre autor narra o que enxerga como a decadência da sociedade europeia em uma década de crescimento do populismo de direita e dos partidos conservadores.

A história se passa na eleição presidencial de 2027, quando o ministro francês da Economia tenta concorrer à presidência em meio a ameaças de terroristas.

Paul Raison, o protagonista do livro, apoia ativamente os esforços eleitorais enquanto tenta reavivar um relacionamento problemático com sua esposa.

Ao dar sequência aos temas abordados em sua obra Submissão, de 2015, na qual um partido islâmico conquista a presidência da França, o autor se deixa levar mais uma vez por provocações políticas.

Lançado na Franca no dia 7 de janeiro, Aniquilar chega às livrarias a tempo para as eleições presidenciais francesas e em um momento de ascensão dos populistas de direita Marine Le Pen e Eric Zemmour.

Masculinidade tóxica

A obra também descreve o fim de uma era na qual a autoridade social e política masculina prevaleceu sem contestações.

Um dos personagens passa bem mais de uma página contemplando a decisão de sua cunhada de gerir uma criança negra através da inseminação artificial. Não surpreende, porém, que ele ache isso algo impossível.

Sua fantasia de que ela queira fazê-lo simplesmente para humilhar seu irmão, que também é branco, é um exemplo da forma como Houellebecq lida com a chamada masculinidade tóxica.

Trata-se de homens que enxergam as mulheres como inimigas, o casamento como uma prisão, as crianças como um fardo e os negros como inferiores.

Em resumo, são homens que ainda se queixam da emancipação feminina e das pessoas de cor de pele diferentes, além de serem rápidos ao recorrerem ao álcool quando um sentimento os deixa incomodados.

De maneira correspondente, suas existências são marcadas pela ausência de felicidade. Os personagens brancos e masculinos ao redor dos quais revolvem os livros de Houellebecq são sempre miseráveis. Ele não os permite ter ilusões ou personalidade.

Personagens que desaparecem

Eis o drama do personagem Paul: no mesmo instante em que finalmente redescobre o amor por sua esposa, ele é diagnosticado com câncer na língua. Ele morrerá se não tiver sua língua retirada.

Sem surpresa alguma, Paul decide que prefere perder a vida a sua língua. Ele, é claro, não conta à sua esposa que teria uma melhor chance de sobreviver se realizasse a cirurgia. O trabalho dela passa ser cuidar dele enquanto ele definha.

O escritor Michel Houellebecq. Ele retrata a masculinidade tóxica em vários de seus livros
Michel Houellebecq retrata a masculinidade tóxica em vários de seus livrosFoto: Philippe Matsas/Flammarion

De modo acidental, o escritor francês Edouard Louis descreve os homens de maneira semelhante à de Houellebecq, assim como a autora franco-marroquina Leila Slimani.

Mas, em contraste com Houellebecq, ambos reconhecem as estruturas sociais, como pobreza, colonialismo e desigualdade, como as origens do sofrimento dos homens.

Para Houellebecq, porém, a tristeza de seus personagens é arraigada na natureza dos homens que permeiam seus livros.

Eles são movidos pelo sexo e se sentem injustamente subjugados, apesar de possuírem os maiores poderes financeiros e políticos possíveis. Já as mulheres, preferem ficar em casa cuidando das crianças e dos doentes da família.

Escapismo de extrema direita

Os livros de são a fuga da realidade da qual os conservadores nacionalistas de direita tanto precisam.

Os candidatos populistas de direita Marine Le Pen e Eric Zemmour prometem, de modo característico, levar a França de volta à prosperidade branca da era do pós-guerra.

E são justamente os livros de Houellebecq que os alertam sobre uma nova realidade, na qual mulheres e pessoas de cor também almejam o poder político, e onde diferentes identidades sexuais podem se reunir como iguais.

Suas histórias permitem com que o leitor entre na mente de pessoas que temem a igualdade – alguém que prefere a solidão a ter que tratar o outro como seu semelhante.

Talvez este seja o motivo do sucesso de Houellebecq, apesar de suas provocações – incluindo ao afirmar que Donald Trump é "um dos melhores presidentes americanos que já vi”.

No prefácio de Aniquilar, Houellebecq anuncia que este será seu último livro. "Felizmente, eu cheguei a uma realização positiva”, escreve. "Chegou a hora de parar.”

A declaração deixou muitas pessoas entristecidas, como a biógrafa de Houellebecq Julia Encke. "Ele quer parar? Agora? Por quê?” questiona a escritora em artigo no jornal alemão Frankfurter Allgemeine Zeitung.

A resposta, contudo, pode ser óbvia. Michel Houellebecq sabe que chegou a hora de sair dos holofotes. Ele atingiu o que queria através de suas várias obras: imortalizar a solidão da existência masculina dentro do patriarcado. 

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