Quem foi Shakespeare?
11 de novembro de 2011O aclamado diretor alemão Roland Emmerich, atuante em Hollywood, é um dos que duvidam da identidade do dramaturgo inglês William Shakespeare. Anonymous (Anônimo) é o título da película que ele rodou sobre o "verdadeiro" Shakespeare, e que acaba de chegar aos cinemas da Alemanha.
Emmerich abraça a tese segundo a qual as obras do divino "Bardo" seriam, na realidade, da autoria de Edward de Vere, o 17º conde de Oxford. E assim reabre o velho debate sobre a verdadeira identidade do autor elisabetano.
Gênio incômodo
Trata-se de uma questão que demorou séculos para despontar: os contemporâneos de Shakespeare jamais puseram em dúvida a autoria de suas populares peças teatrais, e tampouco várias gerações posteriores. Somente uns 250 anos após sua morte, em meados do século 19, a norte-americana Delia Bacon apresentou a tese segundo a qual o filósofo Francis Bacon seria o verdadeiro criador por trás do nome Shakespeare.
Não é mero acaso tal incerteza ter surgido justamente no século 19, observa Tobias Döring, professor de Literatura Inglesa na Universidade de Munique e presidente da Sociedade Shakespeare da Alemanha. "O estopim dessas dúvidas é a existência burguesa e bem pouco espetacular desse homem de Stratford, o qual parecia incapaz de uma produção literária tão genial."
Trata-se de um momento histórico bem específico, aquele em que nasce a teoria romântica do gênio, segundo a qual grandes poetas seriam personalidades que pairavam acima de tudo. E Shakespeare, com sua origem modesta, não se encaixava nisso.
"Então, era preciso encontrar uma identidade para esse ser genial. E aí recorreu-se, justamente, ao filósofo Francis Bacon, que sem dúvida foi um autor importantíssimo do Renascimento. Mas essas peças teatrais ele, com toda certeza, não escreveu."
Para William Shakespeare, a poesia era o ganha-pão, ele era sócio de uma companhia de teatro, através da qual se mantinha financeiramente. Para os adeptos da teoria do gênio, isso era simplesmente prosaico demais.
A cada um, o seu Shakespeare
No fundo, prossegue Döring, cada época e cada geração montou seu próprio Shakespeare, exatamente como lhe pudesse servir e de acordo com a moda intelectual vigente: o poeta como superfície de projeção para cada sociedade e suas necessidades de identificação.
"De início, vigorava a imagem de Shakespeare, o talentoso filho da natureza. Ela marcou muito a recepção shakespeariana na Alemanha do século 18." Depois veio a noção do poeta erudito, que foi delegada ao filósofo Bacon. Mas o jogo não parou aí.
"Bem na época da Primeira Guerra Mundial, é lançado o livro que põe em cena esse conde de Oxford chamado Edward de Vere. Essa tese partiu de um pregador laico, que vivenciara a Primeira Guerra como destruição, onde toda a ordem e certezas são abaladas."
Cerca de 5 mil publicações questionam se Shakespeare foi o verdadeiro autor das obras sob seu nome: ao longo dos séculos mais de cem candidatos concorreram à "verdadeira identidade". Porém todas essas teorias apresentam lacunas, aponta Christopher Schmidt, articulista do jornal Süddeutsche Zeitung e especialista shakespeariano.
Hollywood elisabetana
William Shakespeare, de Stratford-upon-Avon, continua sendo o candidato mais certo à autoria das célebres tragédias e comédias, ainda que não ostentasse formação acadêmica. "Ele não era imensuravelmente erudito, mas sim dotado de uma imaginação incomensurável. Um problema da tese de Oxford é que em 1604 Edward de Vere já havia morrido, mais de dez anos antes que Shakespeare cessasse de escrever peças. Esse conde teria que tê-las produzido antecipadamente." E isso é pouco provável, conclui Schmidt.
Não é possível determinar com certeza absoluta a identidade do "Grande Bardo de Avon" por falta de material histórico confiável. Que outras pessoas contribuíram na redação de suas obras, e que ele adotou ideias de atores e colegas dramaturgos é dado como certo, já que era perfeitamente normal na época em que ele viveu.
A melhor forma de entender esse fenômeno, segundo o professor de Literatura Döring, é pensar numa indústria de entretenimento, semelhante a Hollywood. "Não havia direito autoral nem a noção de propriedade intelectual. Os textos pertenciam aos grupos teatrais que, ao encená-los, tomavam posse deles."
"Alguém com o mesmo nome..."
Permanece a questão: o que mudaria, se ficasse constatado que as obras shakespearianas não são do próprio Shakespeare? No máximo, o fato seria de interesse dos estudiosos da literatura, os quais seriam forçados a reavaliar certas conexões e interpretações. Mas isso é tudo.
Uma deposição do trono dos poetas ingleses teria, certamente, um breve efeito espetacular e, portanto, de diversão. E esta é, talvez, a razão real de toda a busca pelo único e verdadeiro William Shakespeare. Pelo menos o cineasta Roland Emmerich admite: "Antes de tudo, eu queria contar uma história emocionante". E aí, tanto faz se o que está contido em excitantes imagens é fato ou ficção.
Talvez ninguém tenha resumido tão bem a relevância de toda a polêmica sobre a verdadeira identidade do Bardo quanto o pensador e especialista em inteligência artificial nova-iorquino Douglas R. Hofstadter, já no título de seu livro Shakespeare's plays weren't written by him, but by someone else of the same name – an essay on intentionality and frame-based knowledge representation systems: "As peças de Shakespeare não foram escritas por ele, mas sim por uma outra pessoa, do mesmo nome."
Autor: Günther Birkenstock / Augusto Valente
Revisão: Alexandre Schossler