Onde o aborto é permitido e proibido na América Latina
28 de novembro de 2024Cerca de 73 milhões de abortos são realizados em todo o mundo a cada ano. De acordo com os números mais recentes da Organização Mundial da Saúde (OMS), 61% das gestações indesejadas (e 29% de todas as gestações em geral) são interrompidas voluntariamente.
Ainda de acordo com os dados oficiais da OMS, 97% dos abortos inseguros são realizados em países em desenvolvimento. A maioria dos abortos realizados na América Latina (aproximadamente três em cada quatro) é classificada como insegura.
Isso se deve ao fato de que "quando uma mulher que está grávida indesejadamente encontra barreiras para uma assistência ao aborto oportuna, segura, acessível, de qualidade, respeitosa, não discriminatória e a um custo acessível a uma distância razoável, ela se expõe a riscos se optar por fazer um aborto", explica a OMS.
Entretanto, a situação no continente é desigual. "Em nível regional, temos um mosaico de regulamentações e proibições sobre o aborto", diz Rebeca Ramos, do GIRE (Grupo de Informação em Reprodução Escolhida), em entrevista à DW.
"Desde casos como El Salvador, onde é absolutamente proibido, até países como a Colômbia, onde é legalizado até 24 semanas", explica.
No Brasil, o aborto é garantido por lei em três casos: estupro, risco de morte da gestante e feto anencéfalo (com má formação cerebral). Uma proposta de emenda à Constituição (PEC) foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara nesta semana para, na prática, proibir qualquer caso de aborto no país, uma ameaça aos direitos reprodutivos no Brasil.
O caso da América Central
"A região latino-americana, especificamente a América Central, tem o maior número de países que criminalizam de forma absoluta o aborto: Nicarágua, Honduras, El Salvador, Haiti e República Dominicana", diz Fernanda Díaz de León, vice-diretora jurídica do Ipas LAC, uma organização que trabalha para promover "o acesso a serviços de aborto e contracepção para meninas, mulheres e pessoas com capacidade de gerar filhos" na América Latina, em entrevista à DW.
A não legalização do aborto, entretanto, não significa que a prática não ocorra. Pelo contrário: "Leis fortemente restritivas não eliminam o aborto", afirma o Instituto Guttmacher. "Em vez disso, elas tornam mais provável que os abortos que ocorrem sejam inseguros", diz a organização, referência em pesquisa e política sobre saúde e direitos sexuais e reprodutivos.
Isso fica claro nos seguintes números: "Em países onde o aborto é totalmente proibido ou permitido apenas para salvar a vida da mulher, ocorrem 37 abortos a cada 1.000 mulheres de 15 a 44 anos. Enquanto nos países onde o aborto está disponível sem restrições, há 34 abortos a cada 1.000 mulheres" nessa faixa etária, exemplifica a instituição.
"A alta proporção de gestações indesejadas que terminam em aborto (mesmo em países que proibiram totalmente o aborto) ilustra a clara determinação de milhões de mulheres e adolescentes de não aceitar uma gravidez quando não a desejam", analisa o pesquisador do Instituto Guttmacher, Jonathan Bearak.
Onda verde no México
No entanto, há também outras tendências no continente: "No México, fizemos muito progresso, com mais da metade dos estados permitindo agora o aborto dentro de 12 semanas", diz Ramos. Esse movimento tem recebido o nome de "onda verde", em referência à cor dos lenços usados por ativistas pelo direito ao aborto legal, que se tornaram emblemáticos na Argentina e em outros países da América Latina.
Com a adesão de dois novos estados nesta semana, o Estado do México e Chiapas, agora são 19 de um total de 32 estados em que o aborto é descriminalizado no país.
"No México, há alguns anos tem havido uma tendência em direção a um modelo misto, ou seja, temos um modelo no qual o aborto é descriminalizado nas primeiras 12 semanas a pedido da mulher e, após essas 12 semanas, temos bases sob as quais as mulheres podem acessar serviços de aborto autorizados por lei", explica Díaz de León.
"Eu me arriscaria a dizer que muito em breve veremos o país inteiro descriminalizando o aborto", prevê a advogada mexicana de direitos reprodutivos Melissa Ayala. "Mas esse é apenas o primeiro passo, porque o próximo passo é garantir o serviço", disse ela à DW. "Temos que começar a visualizá-lo como um serviço de saúde e eliminar o estigma de considerá-lo um crime.
Equilíbrio continental
Assim, em nível continental, o balanço é misto: "Parece-me que estamos progredindo, mas é claro que os obstáculos ao avanço dessa questão não são poucos", diz a diretora do GIRE, "especialmente em um continente como o nosso, onde há uma presença muito significativa de grupos antidireitos, alguns sem relação com religião e outros associados a certas crenças religiosas", diz ela.
"É um cenário de progresso e resistência para sustentar o que foi conquistado, com algumas tentativas de retrocesso", resume Diana Cariboni, editora do openDemocracy, consultada pela DW.
"Os movimentos de extrema direita, que formam um ecossistema junto com os atores religiosos conservadores habituais, são muito ativos na estigmatização e na disseminação de desinformação sobre o aborto", analisa Cariboni.
"Os atores mais moderados estão ignorando a questão", diz ela. "A luta pelo direito ao aborto continua nas mãos de feministas, movimentos de mulheres, jovens e profissionais de saúde sensibilizados, juntamente com alguns outros aliados", diz ela.
E os riscos são ainda maiores: "Não há democracia ou direitos fundamentais em uma sociedade em que metade da população não pode decidir sobre seu próprio corpo e a outra metade pode", conclui.