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Órgãos patronais criticam ordem de Moraes contra empresários

26 de agosto de 2022

Ação apreendeu celulares, quebrou sigilos e bloqueou perfis de empresários que discutiam golpe de Estado. Federações industriais e comerciais apontam "perplexidade" e publicam notas criticando medida do ministro do STF

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Alexandre de Moraes
Ministro afirmou no início da semana que não iria "ficar na defensiva" para proteger a democracia, mas sua decisão foi considerada controversa no meio jurídicoFoto: Adriano Machado/REUTERS

Setores do empresariado brasileiro reagiram na quinta-feira (25/08) à autorização dada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), para que a Polícia Federal (PF) realizasse, dois dias antes, uma operação contra oito empresários bolsonaristas que defenderam, em conversas em grupo de aplicativo de mensagens, um golpe de Estado caso o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, candidato do PT à Presidência, vença as eleições de outubro.

A operação envolveu busca e apreensão de celulares, bloqueio de contas bancárias e perfis em redes sociais e quebra de sigilo bancário. O objetivo seria tentar identificar se as conversas dos empresários sobre um eventual golpe de Estado estariam articuladas ao financiamento e organização de iniciativas nesse sentido.

No alvo estavam Luciano Hang (Havan) José Isaac Peres (rede de shoppings Multiplan), Ivan Wrobel (Construtora W3), José Koury (Barra World Shopping), André Tissot (Grupo Serra), Meyer Nigri (Tecnisa), Marco Aurélio Raimundo (Mormaii) e Afrânio Barreira (Grupo Coco Bambu). Todos negaram irregularidades.

Decisão sigilosa

A operação foi deflagrada a pedido da PF após o portal Metrópoles ter revelado as conversas dos empresários. O processo tramita sob segredo de Justiça, e não é possível ter acesso aos fundamentos da decisão de Moraes. Segundo veículos da imprensa brasileira, o aval do ministro teria tido como base somente a referida reportagem.

Na segunda-feira, quando as conversas foram divulgadas, o presidente Jair Bolsonaro disse que a reportagem seria uma fake news. No dia seguinte, após a operação da PF, Bolsonaro mudou o discursou e questionou: "Cadê a turma da cartinha pela democracia?", sugerindo que a as ações contra os empresários teria sido antidemocrática.

Moraes, que atualmente também preside o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), é relator de inquéritos no STF que miram Bolsonaro e aliados seus engajados no financiamento e disseminação de fake news e na organização de atos contrários a instituições democráticas.

No início desta semana, o ministro afirmou em reunião com entidades da sociedade civil que não iria "ficar na defensiva" para proteger a democracia, mas sua decisão que autorizou a operação da PF contra os empresários foi considerada controversa no meio jurídico.

Liberdade de expressão e crimes contra a democracia

No cerne da controvérsia, está o debate sobre os limites da liberdade de expressão e a abrangência do crime de abolição violenta do Estado democrático de direito. Trata-se de um novo crime na legislação brasileira, criado em 2021 durante uma reforma do Código Penal que inseriu um capítulo sobre os crimes contra as instituições democráticas e revogou a Lei de Segurança Nacional, um resquício da ditadura militar.

Em função de sua atuação nos inquéritos sobre fake news, atos democráticos e milícias digitais, Moraes vem se posicionando seguidas vezes sobre os limites da liberdade de expressão. Em uma palestra em abril, ele afirmou ser contra a censura prévia, mas disse que a liberdade de expressão não deveria ser um "escudo protetivo para prática de atividades ilícitas".

Sua perspectiva é próxima da concepção alemã de liberdade de expressão, que adota um maior rigor quanto à manifestação de ideias que proponham a subversão da ordem constitucional do país.

Liberdade de expressão é poder dizer o que eu quero?

Críticos da iniciativa de Moraes afirmam que a liberdade de expressão é um direito fundamental que não deve ser reprimido caso o fato em questão restrinja-se à veiculação de discurso. Nessa perspectiva, próxima da concepção americana de liberdade de expressão, todos são livres para manifestarem qualquer ideia, e a repressão só se justifica caso haja perigo iminente ou ação efetiva contra algum direito.

O Código Penal brasileiro define o crime de abolição violenta do Estado democrático de direito como "tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado democrático de direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais". No caso da ação contra os empresários bolsonaristas, a dúvida é se a conversa deles pelo WhatsApp e se outras eventuais ações configurariam uma tentativa de abolição do Estado democrático de direito.

O que as associações empresariais afirmaram

A Federação das Indústrias do Estado do Rio Grande do Sul (Fiergs) manifestou "grave preocupação" com a decisão de Moraes e disse que a operação contra os empresários "não encontra abrigo no princípio da razoabilidade". A entidade disse ainda ter convicção de que "os exageros serão corrigidos e cessados".

A Federação de Entidades Empresariais do Rio Grande do Sul afirmou que as medidas determinadas por Moraes eram "extremas" e que não havia provas de que as mensagens trocadas pelos empresários visariam a abolição do Estado democrático de direito "com emprego de violência ou grava ameaça", como tipificado no crime contra as instituições democráticas. A entidade pede também que os fundamentos da decisão de Moraes sejam publicados "urgentemente".

O Fórum Empresarial da Bahia afirmou que a operação da PF demanda uma reflexão crítica e argumentou que o "posicionamento crítico ao sistema de apuração de votos e ao próprio STF não configura crime", que as conversas eram privadas, que os empresários atingidos não têm foro privilegiado para serem alvos de um inquérito no Supremo e que havia "patente desproporcionalidade" no bloqueio de bens dos empresários.

A Associação Comercial da Bahia também divulgou nota manifestando sua "indignação em relação às últimas ações da Corte Suprema contra empresários".

A Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) de Florianópolis, em Santa Catarina, estado de Luciano Hang, das lojas Havan, e onde mora Marco Aurelio Raimundo, da Mormaii, divulgou o manifesto mais duro, assinado por 117 entidades catarinenses e intitulado "Opinião ainda não é crime", que ecoa algumas narrativas bolsonaristas – o presidente teve 75% dos votos válidos no estado no segundo turno de 2018.

O texto afirma que a operação da PF é "apenas o mais novo episódio de violência estatal a que estão acometidos os empreendedores brasileiros, alijados do direito de participar do debate político e de externar suas opiniões, quaisquer que sejam". O manifesto fala ainda que "certos integrantes do STF" estão "inebriados por um febril ativismo que transcende os limites de atuação" da Corte. "O tecido democrático chegou ao ponto da ruptura e quem deveria atuar para impedir tamanho prejuízo é, hoje, seu maior incentivador", afirma o texto.

A Confederação das Associações Comerciais e Empresariais do Brasil (CACB) manifestou sua "perplexidade e preocupação" com a operação da PF sob a justificativa de combater ameaças à ruptura institucional, "sem que se apresente qualquer demonstração de que tais manifestações possam, concretamente, colocar em risco o Estado Democrático de Direito, com "emprego de violência e ou grave ameaça".

A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), que assinou um manifesto em defesa da democracia no dia 11 de agosto, divulgou uma nota sem mencionar expressamente Moraes ou o STF. "Na defesa do Estado Democrático de Direito feita pela Fiesp e outras entidades, está implícita, obviamente, a defesa de todos os seus pilares, o que inclui a liberdade de expressão e de opinião e imprensa livre (...) Esses são valores inegociáveis”, afirma a entidade.

bl (ots)