Eficiência alemã: as raízes de um estereótipo
31 de março de 2021Quando a consultora intercultural Christina Röttgers trabalha com seus alunos e clientes internacionais, ela gosta de quebrar o gelo com um jogo de associação e estereótipos. Questionados sobre como percebem a Alemanha, eles dizem que o país é eficiente e o descrevem como uma máquina, trabalhando sempre a todo vapor.
A eficiência alemã é um estereótipo internacional com poder de retenção. Ele está intimamente ligado a outros valores alemães, o que pode dificultar sua demarcação. No entanto, um olhar através da história revela as raízes concretas desta eficiência e mostra como ela – e a percepção da mesma – evoluiu ao longo do tempo.
Uma reputação centenária
Eficiência pode ser definida como o alcance dos resultados desejados com o mínimo desperdício de recursos possível. A reputação da Alemanha neste quesito remonta a séculos e suas raízes são duplas.
O historiador James Hawes, autor de The Shortest History of Germany ("A História Mais Curta da Alemanha", em tradução livre), remete aos tempos medievais, quando o oeste da Renânia se tornou conhecido no exterior pela eficiência comercial graças à sua produção de produtos altamente especializados. "Os relojoeiros de Mainz ou os fabricantes de armaduras de Solingen eram famosos durante a Idade Média", disse ele à DW.
A Prússia, Estado fortemente protestante do Leste da Alemanha, era considerada fonte de um tipo diferente de eficiência: administrativa e militar. Em 1750, sob o reinado de Frederico o Grande, a Prússia desenvolveu uma burocracia estatal eficiente e um forte poderio militar.
À medida que a Prússia expandia seu controle, por fim unificando o Império Alemão sob sua liderança em 1871, esses sistemas e práticas foram disseminados. Suas escolas públicas baseadas em pagamentos de impostos e seu exército profissionalizado também eram admirados no exterior por serem organizados e modernos, com algumas nações estrangeiras até mesmo buscando instituir modelos semelhantes em seus próprios territórios.
Ao longo do século 19, o Estado prussiano também cultivou, de forma estratégica, um catálogo de valores para funcionários públicos e militares que incluía pontualidade, frugalidade, senso de dever e diligência, entre outras coisas. Embora a eficiência não seja vista como um valor isolado, os valores adotados visavam apoiar o Estado de eficiência desejado.
Esses valores passaram a ser conhecidos como "preussische Tugenden" (virtudes prussianas), embora, de acordo com o historiador Julius Schoeps, diretor fundador do Centro Moses Mendelssohn para Estudos Judaico-Europeus em Berlim, tenha demorado para eles se estabelecerem coletivamente entre a vasta maioria da população. "Essa discussão sobre as virtudes prussianas só veio mais tarde, no século 19; foi quando começou a se falar sobre elas", disse ele à rádio pública alemã Deutschlandfunk em 2012.
Em meados do século 19, quando turistas britânicos passaram a visitar a Renânia, então controlada pela Prússia, eles levaram para casa uma imagem da riqueza e do pragmatismo prussianos. Segundo Hawes, os relatos dos viajantes costumavam ser sobre como tudo parecia funcionar: "Os trens – clássico – funcionam no horário. A alfandega é rápida. Os hotéis são limpos, a água é boa", disse o historiador, resumindo as descrições.
As duas vertentes de capacidade econômica e Estado organizado mantiveram viva a imagem da eficiência alemã até o século 20. Na década de 1930, a ideia de "Ordnung" – uma mistura de regras e uma abordagem objetiva que pode teoricamente contribuir para a eficiência – era o cartão de visitas internacional da Alemanha. Em 1934, a revista Time chegou a colocar o então presidente Paul von Hindenburg em sua capa com as palavras "Ordnung muss sein" (É preciso ordem), enquanto o jornal New York Times já havia chamado a frase de "mundialmente famosa" em 1930.
Uma eficiência terrível
Em 1982, o político social-democrata Oskar Lafontaine disse que, com os valores prussianos propagados também pelo então chanceler da Alemanha Ocidental, Helmut Schmidt – senso de dever, previsibilidade, viabilidade e constância – uma pessoa "também pode dirigir um campo de concentração".
De acordo com o historiador Schoeps, o partido nazista de fato cooptou certas virtudes ditas prussianas: "A confiança se tornou arrogância, a ordem se tornou pedantismo mesquinho e a execução de deveres se tornou pura desumanidade", disse ele. No final das contas, as chamadas virtudes prussianas podem ter ajudado a manter o Estado totalitário sob o domínio nazista, assim como suas matanças sistemáticas.
Franklin Mixon, professor de economia especializado em organizações trabalhistas e industriais na Columbus State University, é autor de A Terrible Efficiency: Entrepreneurial Bureaucrats and the Nazi Holocaust ("Uma Eficiência Terrível: Burocratas Empresariais e o Holocausto Nazista", em tradução livre). O livro mostra como o comportamento eficiente foi incentivado e recompensado dentro da grande burocracia nazista, muitas vezes de forma direta e informal – um contraste com a ideia passiva de "apenas cumprir ordens" que ainda domina fortemente as percepções de como foi conduzido o Holocausto.
"O que eles [os nazistas] estavam aproveitando era o incentivo, espremendo o esforço discricionário dos membros da burocracia, um esforço desmedido que não fazia parte da descrição do trabalho", explicou Mixon.
'Um valor muito alemão'
Imediatamente após o fim da Segunda Guerra Mundial, os alemães, como povo, foram vistos como possuidores de "uma espécie de desumanidade inacreditável", conta Hawes.
Ainda assim, quando a economia decolou nas décadas de 50 e 60, no que é conhecido como "Wirtschaftswunder" ou "milagre econômico", a Alemanha Ocidental se tornou admirada por sua indústria e seus produtos passaram a ser valorizados por sua qualidade. Esse boom de produção reforçou a reputação de eficiência alemã – indiscutivelmente ofuscando fatores como redução da dívida, reforma monetária e mão de obra barata que a sustentavam.
Hoje, depois de sobreviver à crise econômica dos anos pós-reunificação, a Alemanha continua sendo estimada por uma produção de ponta, e a eficiência continua sendo algo que é buscado e valorizado – na indústria, no governo, nos caixas dos supermercados e até mesmo na seleção de futebol.
"Há um valor muito alemão no centro disso tudo: eficiência", disse Sigmar Gabriel, proeminente ex-membro do Partido Social Democrata da Alemanha (SPD) em uma entrevista à Fundação Hans Böckler em 2009 sobre uma economia mais ecológica.
Eficiência: um valor e um estereótipo
No entanto, embora a eficiência possa ser valorizada, ela está longe de ser dada como certa na Alemanha de hoje. Os exemplos de ineficiência abundam, desde o árduo trabalho de nove anos para construir o novo aeroporto de Berlim a uma burocracia que é notoriamente dependente do papel e de máquinas de fax e às recentes dificuldades enfrentadas pelo país na condução de testes de covid-19 e num lento processo de vacinação.
Andreas von Schumann, consultor de política sênior da GIZ, agência de desenvolvimento da Alemanha, não se surpreende que o estereótipo de eficiência tenha conseguido persistir internacionalmente em face de tais contraexemplos. Nos últimos 10 anos, ele ajudou a conduzir três estudos sobre a percepção da Alemanha ao redor do mundo e, portanto, sabe que os estereótipos têm uma vida longa – mais longa do que imaginamos: "Eles mudam muito, muito lentamente", disse à DW.
Segundo ele, um estereótipo só desaparece quando os exemplos que o sustentam são tão poucos e distantes entre si que as pessoas já não conseguem mais ver em que ele se baseia: "Isso pode enfraquecer [um estereótipo] muito mais do que um contraexemplo."