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EconomiaGlobal

Documentos secretos dos EUA expõem grandes bancos

Pelin Ünker
21 de setembro de 2020

Arquivos do Departamento do Tesouro americano revelam que algumas das maiores instituições financeiras do mundo facilitaram por anos lavagem de dinheiro. Valor suspeito movimentado chega a 2 trilhões de dólares.

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Prédio do Deutsche Bank visto de cima para baixo. Céu nublado. Logotipo do banco em primeiro plano, à esquerda.
Deutsche Bank é responsável por 62% das transações suspeitas analisadasFoto: picture alliance/dpa/A. Dedert

Milhares de documentos secretos do governo dos Estados Unidos vazados e analisados por um consórcio internacional de jornalistas indicam que grandes bancos multinacionais de todo mundo teriam permitido que dinheiro sujo fosse movimentado.

Ao analisar mais de 2 mil documentos, os jornalistas descobriram cerca de 2 trilhões de dólares em transações assinaladas como suspeitas. A maioria das atividades estava concentrada em seis bancos: Deutsche Bank, Bank of New York Mellon, Standard Chartered Bank, JPMorgan Chase, Barclays e HSBC. Os dados começaram a ser divulgados no domingo (20/09) por jornais de todo mundo.

Os chamados arquivos FinCEN são baseados em relatórios de atividades suspeitas (os SARs, na sigla em inglês). São registros de movimentos de dinheiro que os próprios bancos compilam e submetem ao Departamento do Tesouro dos Estados Unidos (USDT), quando suspeitam de uma atividade possivelmente suspeita.

Uma análise nesses arquivos revela uma complexa trilha deixada por fundos suspeitos sendo manobrados em todo o mundo e o papel dos bancos nessas transações. Segundo os arquivos vazados, o maior banco alemão, o Deutsche Bank, estaria ciente de facilitar transações suspeitas no valor de mais de 1 trilhão de dólares. O banco é responsável por 62% de todos os SARs nos documentos vazados.

Análise dos dados

Em 2019, o BuzzFeed News nos Estados Unidos obteve um grande arquivo de registros financeiros secretos do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos  e os compartilhou com o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ). São arquivos do órgão regulador do USDT para a salvaguarda do sistema financeiro, o Financial Crimes Enforcement Network.

Nos últimos 16 meses, 400 jornalistas de 88 países analisaram a fundo os registros vazados, conduziram entrevistas com investigadores e vítimas, vasculharam registros judiciais e de arquivos e revisaram dados sobre milhões de transações ocorridas entre 1999 e 2017. O que torna esse vazamento diferente de outros anteriores, como o Panama Papers, em 2016, é que o FinCEN Files, como foi batizado, não reúne apenas documentos de uma ou duas empresas, mas de vários bancos.

A lavagem de dinheiro possibilita que narcotraficantes, contrabandistas e golpistas de esquemas Ponzi transfiram lucros ilícitos para longe do alcance das autoridades. Além disso, déspotas e donos corruptos de indústrias aumentam suas próprias fortunas ilícitas e consolidam o poder.

"Não são os próprios criminosos que lavam o dinheiro. Portanto, os bancos têm um papel realmente importante, porque são o sistema pelo qual o dinheiro está sendo transferido de seu país para um lugar seguro", explica Graham Barrow, especialista em lavagem de dinheiro. "Todos nós, no final, pagamos o preço por isso. Porque esse dinheiro vem de nossos impostos e de nossas contribuições para a sociedade", completa Barrow.

SARs não são necessariamente evidências de irregularidades. Os bancos são obrigados a relatar transações que possam estar relacionadas a crimes financeiros, como lavagem de dinheiro ou evasão fiscal, ou atividades que envolvam clientes com perfis de alto risco ou que tenham tido problemas com a lei.

O USDT exige que as instituições financeiras que operam nos Estados Unidos registrem SARs na Financial Crimes Enforcement Network, quando tiverem motivos para suspeitar que uma transação possa estar violando os regulamentos. O FinCEN tem a tarefa de proteger o sistema financeiro do uso ilícito e lavagem de dinheiro. A não apresentação de SARs pode render aos bancos multas ou penalidades.

A investigação do ICIJ descobriu que os grandes bancos deram sinal verde a mais de 2 trilhões dólares em transações que posteriormente sinalizaram como suspeitas. Em outras palavras, os bancos protocolaram seu relatório de atividade suspeita após a realização da transação.

A maioria dos SARs nos arquivos FinCEN veio de poucos bancos: Deutsche Bank (982), Bank of New York Mellon (325), Standard Chartered Bank (232), JPMorgan Chase (107), Barclays (104) e HSBC (73). Juntos, esses bancos registraram mais de 85% dos SARs contidos no vazamento.

De acordo com o BuzzFeed News e o ICIJ, o FinCEN recebeu mais de 2 milhões de SARs somente em 2019. Entre 2011 e 2017, a unidade de crimes financeiros coletou mais de 12 milhões de SARs. Portanto, os dados vazados representam apenas uma pequena parcela do total dos documentos.

Entre as dezenas de figuras proeminentes que aparecem nos documentos está Paul Manafort, o ex-chefe de campanha de Donald Trump, que foi condenado por fraude e evasão fiscal. O JP Morgan informou que movimentou dinheiro entre Manafort e suas empresas de fachada em setembro de 2017, muito depois de terem sido divulgados seus laços com autoridades ucranianas conectadas à Rússia e a suspeita de lavagem de dinheiro terem sido amplamente divulgados.

Governo dos EUA condena vazamentos

Ao ser questionado sobre o conteúdo dos relatórios de atividades suspeitas, o FinCEN se recusou a comentar o caso e condenou o vazamento de documentos.

O Conselheiro Chefe do FinCEN, Jimmy Kirby, respondeu ao BuzzFeed News que "a divulgação não autorizada de SARs pode interromper investigações de aplicação da lei em andamento ou futuras que envolvam informações contidas em SARs."

Segundo ele, o vazamento de documentos "permite que os atores criminosos descubram evidências relevantes ao saber da existência de uma investigação ou investigação potencial e colocam testemunhas e vítimas em risco de danos físicos".

Na resposta por escrito, Kirby também apontou que "tais divulgações não autorizadas têm um efeito inibidor nas instituições de depósito que podem estar menos dispostas a relatar informações acionáveis ​​ao FinCEN por medo de que sejam tornadas públicas ilegalmente."

O porta-voz da Divisão Criminal do Departamento de Justiça, Matt Lloyd, disse ao ICIJ que "o Departamento de Justiça mantém seu trabalho e continua comprometido em investigar e processar crimes financeiros - incluindo lavagem de dinheiro - onde quer que eles sejam encontrados".