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Crise na Ucrânia não abala Brics

Dirk Kaufmann (md)2 de maio de 2014

Enquanto EUA e Europa se posicionam claramente e condenam a política de Moscou para a ex-república soviética, países emergentes, que têm a Rússia como parceira no grupo, preferem se manter imparciais.

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Foto: imago stock&people

Em 2001, pela primeira vez o economista-chefe do banco americano Goldman Sachs usava o termo Bric, acrônimo para se referir às economias emergentes mais fortes no mundo: Brasil, Rússia, Índia e China. Desde que, em 2004, a África do Sul, maior economia do continente africano, se juntou ao clube, o grupo passou a ter cinco membros e a ser conhecido como Brics.

A associação é mais do que uma aliança solta de países distintos baseada somente em similaridades econômicas. E mesmo a crise na Ucrânia parece não ter abalado a parceria de seus países-membros.

"Os Estados do Brics formam um grupo político. Eles partilham a opinião de que podem formar um contrapeso à política ditada pelo Ocidente", opina Mônica Herz, pesquisadora do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio.

Segundo a especialista, os países compartilham o desejo de que o conflito "seja contido e limitado". "No entanto, se observarmos mais atentamente a política russa, vemos que os países do Brics têm pontos de vista bastante diferentes", ressalta.

História e interesses comuns

Os países do Brics têm, bilateralmente, relações muito diferentes entre si – especialmente quando se trata da Rússia. A China, por exemplo, foi durante muitos anos apoiada pela União Soviética, incluindo na Guerra da Coreia, contra uma aliança ocidental liderada pelos EUA. Mas a relação entre os dois países esfriou mais tarde, e eles começaram a disputar sobre a marcação exata da fronteira comum. O conflito atingiu seu ápice em 1969, quando, durante a disputa por uma ilha na fronteira do rio Ussuri, houve até mesmo confronto armado.

Ostukraine Offensive in Slowjansk 02.05.2014
Soldados da Ucrânia em ação no leste do país: crise não deve desunir BricsFoto: Reuters

Hoje, ambos os países são membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU, como duas das cinco potências com poder de veto, ao lado de EUA, Reino Unido e França. Moscou e Pequim muitas vezes tendem a se unir contra essa dominação ocidental.

Na situação atual, Pequim não apoiou sanções à Rússia e prefere manter uma posição discreta, o que ficou claro durante a crise da Crimeia. Em março, o governo divulgou um comunicado afirmando que "a questão da Crimeia deve ser resolvida no nível político" e que "todas as partes devem se conter para evitar uma piora na situação". O texto não traz apoio à política da Rússia e muito menos críticas à posição de Moscou – a China tem, ela própria, problemas separatistas internos.

Estreitos laços econômicos

De Nova Délhi, Vladimir Putin também não vai ouvir críticas. Os laços econômicos e militares entre os dois países são próximos demais. A Índia também se sente como tendo uma obrigação em relação à Rússia, porque a União Soviética mais de uma vez agiu no Conselho de Segurança das Nações Unidas durante a Guerra Fria como uma defensora dos interesses indianos.

Além dos estreitos laços econômicos, hoje também uma cooperação militar une as duas potências nucleares. A Índia, por exemplo, adquiriu da Rússia 75% das armas que comprou entre 2009 e 2013. Moscou aparentemente quer aprofundar ainda mais essas relações. Um indício são as declarações de Igor Sechin. O diretor executivo da Rosneft, companhia petrolífera de que o Estado russo é o maior acionista, foi citado por uma agência de notícias indiana em março passado com as seguintes palavras: "A Índia é muito importante para a Rússia. Queremos expandir ainda mais nossas cooperações."

BRIC BRICS Gipfel Südafrika
Líderes dos Brics: premiê indiano Singh; presidente chinês, Xi Jinping; presidente sul-africano, Zuma; presidente brasileira, Dilma Rousseff e presidente russo, PutinFoto: picture-alliance/dpa

Brasil e África do Sul silenciam

Dos outros dois países do Brics, Moscou também não deve ter medo de receber críticas. Embora nem o Brasil nem a África do Sul tenham relações tão estreitas com a Rússia como a Índia e a China, eles preferem a cautela. O Ministério das Relações Exteriores da África do Sul tem repetidamente manifestado sua preocupação com o conflito, mas evitou tomar partido.

O discurso do chanceler brasileiro, Luiz Alberto Figueiredo, vem sendo o mesmo da eclosão da crise: o ministro rejeitou tomar partido e simplesmente se limitou a pedir que todas as partes se empenhem pela "moderação" e pelo "diálogo" na maior crise entre Moscou e Ocidente desde o fim da guerra fria.

"É necessário que a Rússia e a Ucrânia negociem para encontrar uma forma de convivência na nova situação", diz Mônica Herz. Para a especialista da PUC-Rio, o Brasil poderia contribuir, mas o governo não tem muito espaço de manobra. "É difícil, porque as relações do Brasil com os Estados Unidos estão tensas. Os Estados europeus, sobretudo França e Alemanha, é que podem contribuir mais."

Até o momento, Brasil, Índia, China e África do Sul têm se mantido discretos e não há sinais de que isso possa mudar no futuro próximo. Todos os quatro países parecem querer esperar até a poeira baixar. "Esta crise não vai tirar os membros do Brics de seu caminho comum", aposta Herz.