Coronavírus estimula bomba da dívida pública mundial
26 de junho de 2020O analista Christian Esters, da agência de rating Standard&Poor's (S&P), está em constante contato com ministérios de vários países. Ele e sua equipe se debruçam sobre relatórios e notícias para definir, com base no maior número possível de informações, a nota de crédito de um país.
As agências de rating não estão mais tão em evidência quanto há alguns anos, quando elas, com suas notas, decidiam sob que condições países como Grécia, Itália e Espanha conseguiriam obter recursos nos mercados financeiros.
Mas elas continuam acompanhando com a lupa a situação desses e de outros países, afinal quantias antes impensáveis estão sendo oferecidas pelos Estados para combater os efeitos econômicos da crise do novo coronavírus.
Nada menos que 15 trilhões de dólares já foram disponibilizados por governos e bancos centrais. Isso faz a já enorme montanha de dívidas que existe no mundo crescer ainda mais.
Se forem incluídas na conta as dívidas da empresas, chega-se a inacreditáveis 250 trilhões de dólares, calculou o Instituto Internacional de Finanças (IIF), a associação dos grandes bancos e instituições financeiras mundiais.
Esters não se mostra preocupado com a situação e não vê motivos para alarmismo. Ele argumenta que os juros estão baixos, o que diminui a pressão da dívida sobre os orçamentos dos Estados.
"Isso já pôde ser observado nos anos anteriores. Apesar do aumento da dívida, os gastos com juros afetaram menos os orçamentos", comenta Esters, que é diretor para avaliação de países na S&P.
O economista NiklasPotrafke, do instituto econômico alemão Ifo, mostra-se bem mais preocupado e critica o atual comportamento dos Estados. Potrafke faz uma analogia entre a dívida pública e um balão. "Se você continuar a enchê-lo, uma hora ele vai explodir."
Ele concorda que, diante do desafio criado pela pandemia, os pacotes de resgate são justificáveis, mas ressalva que é importante retirar o mais rapidamente possível a pressão de dentro do balão.
Para Potrafke, é importante reduzir a contração de novas dívidas, pois apostar apenas em juros baixos é "uma aposta arriscada".
O economista AlexanderKriwoluzky, do instituto econômico alemão DIW, afirma que, no caso da Alemanha, ainda há espaço dentro do balão. "Ninguém precisa se preocupar."
Ele argumenta que, depois da crise financeira de 2008, a dívida pública alemã chegou a 80% do PIB e foi, ao longo dos anos seguintes, subsequentemente reduzida para se aproximar dos 60% previstos nos critérios de Maastricht.
Mas essa determinação alemã de não fazer novas dívidas não teve apenas efeitos positivos nos últimos dez anos: faltaram investimentos públicos em órgãos do governo, patrimônio público, como moradias, foi vendido a investidores privados, e investimentos foram postergados.
Isso não precisa ser repetido. "As dívidas que estamos fazendo agora não precisarão ser pagas às pressas, como foi feito nos últimos anos", diz Kriwoluzky.
Mas o que ocorre na Alemanha não é nada perto do que se passa em outros países. Nos Estados Unidos, na China e também em alguns países da zona do euro, a dívida pública cresce há anos e, com a crise do coronavírus, a tendência se acelerou.
Para 2020, o IFF prevê que a dívida pública em relação ao PIB aumente 342%. "Há uma forte tendência de elevação das dívidas nos últimos dez anos", comenta Kriwoluzky. Mesmo assim, ele diz não acreditar que Estados Unidos e China não consigam arcar com seus compromissos.
Esters também vê poucos riscos para as nações industrializadas. Segundo ele, os efeitos da crise do coronavírus sobre a capacidade de pagar dos países emergentes serão mais fortes.
A pandemia do coronavírus costuma ser apresentada como o maior desafio econômico desde a Segunda Guerra Mundial. Mas o economista Albrecht Ritschl, da London School of Economics, afirma que a situação atual e a dívida de 1945 não são comparáveis.
"Logo depois do fim da guerra, a taxa de endividamento da Alemanha estava em 400%",diz Ritschl. O número varia, e alguns historiadores falam em quase 700% do PIB. "Havia, então, dívidas do Estado que não apareciam, e não sabemos exatamente o valor do PIB",explica.
Reino Unido, França e Itália também acumularam dívidas que chegavam a duas ou três vezes o tamanho do PIB. Mas lá, ao contrário da Alemanha, tentou-se diminuir o endividamento por meio da inflação", comenta o historiador.
"Na Alemanha, ao contrário, optou-se depois da Segunda Guerra pelo corte na dívida." Assim, as reformas monetárias de 1948 e 1953 reduziram em grande parte, respectivamente, as dívidas interna e externa da Alemanha. "Isso tornou tudo muito mais fácil para a política do Banco Central."
Se Estados Unidos e China podem diminuir o peso de suas dívidas gerando inflação, esse não é o caso de países da zona do euro, como a Alemanha e a Itália, pois eles não dispõem de um banco central que determine suas políticas monetárias - a tarefa cabe ao Banco Central Europeu (BCE).
E não é fácil obter o controle sobre a inflação na zona do euro, como demonstram os esforços do BCE, que há anos tenta alcançar uma inflação de 2%.
Um ponto, porém, une todos os economistas. Todos concordam que o crescimento econômico é importante para diminuir a dívida pública, pois, quando o PIB sobe, o endividamento em relação ao PIB cai.
Potrafke concorda com a importância do crescimento econômico, mas afirma que também é necessário retornar a uma política orçamental rígida. Ele afirma que regras ancoradas na Constituição são importantes.
"Nossos estudos mostram que países que têm regras fiscais na Constituição crescem de forma mais rápida", afirma. A Alemanha, porém, seguiu o caminho oposto, suspendendo temporariamente, por causa da crise do coronavírus, o freio contra o endividamento que consta da Lei Fundamental.
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