Sasha Waltz no Brasil
28 de outubro de 2011A cozinha é onde o mundo de Sasha Waltz revela suas surpresas. Entre um cenário que beira o insuportável de tão banal, seus heróis amam o cinema e procuram um apreço pela vida extraordinária dentro do cotidiano limítrofe da geladeira, de um anel, do espelho, da luz.
Acordar do extraordinário pode ser como acordar de um pesadelo, quando um café forte traz os pés de volta para o chão. Ir e voltar, sentir saudades, dó, ternura, tontura. São vinte para as oito.
Hora que marca e pontua Travelogue I – Twenty to eight, título do espetáculo que a companhia de dança baseada em Berlim apresenta no Brasil nesta semana. "É uma referência a tópicos do cotidiano. O título foi desenvolvido usando uma técnica que coloca palavras em grupo. Essas frases foram agrupadas como um poema sobre o dia-a-dia, viver com outras pessoas, ser você mesmo e ser o outro", declarou a coreógrafa Sasha Waltz à Deutsche Welle.
Sobre o tempo
A história de Travelogue se confunde com a história da companhia, que foi fundada em 1993 por Waltz e Joachen Sandig. "Depois de um projeto que eu desenvolvi aqui em Berlim, resolvi criar a minha primeira obra, que foi Twenty to eight. Para encenar e apresentá-la pelo mundo, criei a companhia", relata Waltz.
Mas não apenas uma simples companhia de dança. Sasha Waltz & Guests é como um retiro. Um espaço de estudo, reflexão e execução das artes do corpo em interação com outras disciplinas artísticas, como a arquitetura, o cinema e a música.
Outra característica marcante é a diversidade de artistas do mundo todo que vem para a Berlim para fazer parte da companhia. Segundo a coreógrafa, essa diversidade de línguas, culturas e conhecimentos é muito inspiradora. "Não foi um conceito que criamos, aconteceu naturalmente."
Multiculturalismo na forma e não no conteúdo é uma das forças da companhia, que através da visão e do talento de Waltz cria uma soberba unidade. Essa química está presente em Twenty to eight, especialmente quando dança e teatro encontram o seu ponto comum e os movimentos levam a uma outra dimensão da realidade.
Heróis da vida comum
Cinco heróis se encontram numa cozinha. Um lugar ordinário que funciona como espelho de rituais, hábitos e comportamento. "O espetáculo começa com o entusiasmo e a paixão pelos filmes. De certa maneira, [o espetáculo] é sobre ser um herói, imperfeito e comum, mas com certa beleza", conta Waltz. A influência do cinema pode ser vista com estranhamento e fascínio na coreografia inspirada em técnicas de edição e no ritmo do cinema mudo.
Atrás de uma beleza perdida que não podemos mais facilmente ver, os personagens se movimentam neurótica e obsessivamente. Eles correm solitários e perdidos, incapazes de fugir de sua própria existência. "A ousadia e franqueza do espetáculo, assim como o humor negro, ironia e senso do absurdo foram inspirados por Luis Buñuel e pela Nouvelle Vague francesa", diz Waltz.
Mas mesmo depois de quase 20 anos sendo encenado, o espetáculo mudou? Para Waltz, a ideia, a coreografia e a essência são as mesmas. "Não mudei nada. Há alguns anos, uma nova geração de bailarinos entrou para o espetáculo, o que trouxe uma personalidade um pouco diferente aos personagens."
A companhia já esteve no Brasil com Zweiland, em 2001. "Foi uma linda experiência", lembra Waltz. Para o ano que vem, ela está preparando um novo espetáculo, ao lado de Mark André. "Será feito de impulso e troca, perguntas e respostas, som e eco entre dança e música num nível muito intenso." O concerto coreografado, chamado Gefaltet, estreia em janeiro de 2012 em Salzburg, na Áustria.
Depois de ter passado pelo Festival Internacional de Artes Cênicas da Bahia, Travelogue I – Twenty to eight tem duas apresentações, no dia 29 e 30 de outubro, no Teatro Alfa, em São Paulo.
Texto: Marco Sanchez
Revisão: Alexandre Schossler