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Como quatro anos de Trump mudaram a política externa global

Cristina Burack
29 de outubro de 2020

Do "America first" à diplomacia pelo Twitter, o comportamento do presidente americano no palco internacional repercutiu em rivais e aliados, abalando consensos antigos e forçando parceiros a redefinirem suas prioridades.

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Costas de Donald Trump, diante de plateia
Foto: picture-alliance/AP/B. Camp

Desde os primeiros dias de sua campanha eleitoral, em 2016, Donald Trump deixou claro, em apenas duas palavras, a meta que sua política externa perseguiria: America first – os Estados Unidos em primeiro lugar. Agora, após quatro anos de presidência, essas palavras se concretizaram em fatos e eventos: unilateralismo e confrontação marcaram a política trumpista, da mesma forma que alta rotatividade de pessoal, surpresa e confusão.

Independente do resultado das próximas eleições americanas, as mudanças sob o bilionário republicano, tanto na substância das políticas quanto em sua comunicação, definiram a arena em que outros protagonistas globais praticam diplomacia, assim como suas próprias abordagens.

A seguir, algumas mudanças importantes:

Rechaço ao multilateralismo

Desde que assumiu, Trump tem minado a cooperação internacional. Estando apenas três dias no cargo, ele removeu os EUA da Parceria Transpacífica, um acordo comercial com nações asiáticas, mais o Chile e Austrália. Em seguida, retirou o país de numerosos acordos e organizações internacionais, como o Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas e o Acordo Climático de Paris.

Além disso, as ações políticas da Casa Branca têm muitas vezes sido unilaterais, ignorando o consenso internacional – como, por exemplo, a decisão de reconhecer Jerusalém formalmente como capital de Israel, e de transferir para a cidade a embaixada americana.

Segundo Margaret MacMillan, professora de História das Universidades de Toronto e Oxford, e historiadora visitante do Conselho de Relações Internacionais, o país "realmente danificou o que era uma rede útil de alianças e instituições internacionais para ele", o que possivelmente "tornou muito mais fraca a posição dos EUA no mundo".

De fato: em setembro, uma consulta do Centro de Pesquisas Pew mostrou que a aprovação dos EUA entre diversas nações apresenta o nível mais baixo em décadas.

Danos à relação transatlântica

"O antagonismo de Trump em relação ao multilateralismo representa uma diferença filosófica entre Washington e as capitais europeias", avaliou em fevereiro de 2020 o Carnegie Endowment for International Peace, referindo-se à relação transatlântica, a parceria euro-americana, decorrente da Segunda Guerra Mundial, que representa valores, metas e abordagens globais partilhadas.

Contudo, a fissura entre a União Europeia e os EUA de Trump é mais do que uma divisão ideológica. Ele ativamente desacatou e colocou de ponta cabeça a relação transatlântica, repetidamente questionando o valor de alianças como a Otan, anunciando uma retirada punitiva das tropas americanas estacionadas na Alemanha, decretando sobretarifas aduaneiras contra a UE, e ameaçando com sanções relativas ao gasoduto Nord Stream 2.

MacMillan acredita que essas tensões poderão implicar mudanças duradouras. "É como uma amizade: você tende a confiar em seus amigos, e uma vez que a confiança se rompe, é difícil restabelecer. A Europa estava habituada a se fiar no 'irmãozão' lá em Washington. E talvez agora os europeus estejam dizendo: 'A gente definitivamente não pode fazer isso, e vai ter que desenvolver, como vem conversando há décadas, desenvolver mais, a nossa própria política externa independente.'"

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China na berlinda

De uma guerra comercial desencadeada por tarifas retaliatórias, à pressão americana para outros países excluírem a companhia chinesa Huawei do desenvolvimento da rede de telefonia 5G, o curso de Trump de confrontação com Pequim colocou o país asiático no foco da atenção internacional.

Suas críticas ácidas foram saudadas por muitos para quem a China tem se beneficiado há tempo demais e injustamente dos critérios dos acordos comerciais globais, ao mesmo tempo que perpetra abusos de direitos humanos.

Um desses apoiadores é Richard Haass, presidente do Conselho de Relações Estrangeiras, segundo quem "o presidente esteve certo em peitar a China por suas ações no campo do comércio", como escreveu no prefácio a uma avaliação de meio de mandato da política externa trumpista.

MacMillian tem opinião semelhante: "Não quero dar crédito a Trump por muita coisa, mas acho que ele – ou sua administração – provavelmente esteve certo em denunciar os chineses na questão da propriedade intelectual." Por outro lado, embora as tensões sino-americanas sejam anteriores a Trump, elas "se tornaram muito mais agudas e articuladas".

Perigos da diplomacia de tuíte

No tocante à comunicação na política externa, Trump e sua administração têm transmitido mensagens ambivalentes em ocasiões diversas e por diferentes canais, em especial a conta pessoal do magnata no Twitter, muitas vezes se destacando pela retórica belicosa.

Alexi Drew, que pesquisa redes sociais e escalada de conflitos no Centro de Estudos de Ciência e Segurança no King's College de Londres, destaca as relações EUA-Irã como exemplo clássico de quão difícil e potencialmente perigosas a diplomacia de tuíte trumpista tornou as confrontações internacionais.

"É muito duro, colocando-se na posição do [ministro iraniano do Exterior Javad Mohammed] Zarif e dos iranianos, avaliar qual é exatamente a posição dos EUA, se você encontra contradições repetidas, vindas do Departamento de Estado e das várias contas de Donald Trump. Você tem o Departamento de Defesa, tem todas essas contas; eles não alinham as suas mensagens e o seu conteúdo."

Drew não acredita que o Twitter possa desencadear sozinho um conflito, porém seu uso "dentro de um quadro de tensões, ou cenário, ou situação de crise histórica entre protagonistas estatais ou outros, pode certamente levar a uma escalada involuntária, ou para além do que ocorreria se o Twitter não estivesse sendo usado".

Incentivo a autocratas

Uma outra consequência dos quatro anos de Trump foi o impulso aos governantes autocráticos no palco global. Embora muitos estivessem no poder antes de Trump, o tratamento que recebem dele, de acrítico a elogioso, sublinha uma aprovação latente a seu estilo de governo e revela pouca vontade de abordar as alegações de violações dos direitos humanos.

Um exemplo foi o posicionamento do republicano perante a Arábia Saudita em seguida ao assassinato de Jamal Khashoggi: em meio ao acúmulo de indicações de que os mais altos membros das família real estiveram envolvidos, Trump expressou apoio ao governo saudita.

Sob Trump, os líderes autoritários "não vão ter nenhuma reação negativa dos Estados Unidos, no momento", é a avalição de MacMillan.