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Como o governo Bolsonaro se saiu na economia

30 de dezembro de 2022

Economia brasileira passou por três fases nos últimos quatro anos: estagnação, crise da covid e recuperação na reta final. Mas ainda é incerto se a pobreza voltou ao nível pré-pandemia.

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Jair Bolsonaro olhando para o lado
Último ano de Bolsonaro no Planalto teve recuperação da economia, mas é incerto se pobreza caiu ao patamar pré-pandemiaFoto: Adriano Machado/REUTERS

Jair Bolsonaro deixa o comando do Palácio do Planalto neste domingo (01/01), sem passar a faixa presidencial ao seu sucessor Luiz Inácio Lula da Silva, após um governo turbulento marcado pela pandemia de covid-19 e a erosão de fundamentos da democracia liberal.

Na economia, seu governo teve três fases distintas. Na primeira, que compreende o primeiro ano da gestão, o Brasil andou de lado, com crescimento econômico fraco, inflação sob controle e desemprego relativamente estável. O novo presidente tentava governar sem o apoio do Congresso, e não conseguiu definir e implementar prioridades da sua gestão.

A segunda fase começa com a pandemia, no início de 2020. O país caiu em recessão, o desemprego subiu e muitos perderam sua fonte de renda, e o impacto na pobreza só não foi ainda maior por causa do auxílio emergencial. No ano seguinte, quando a economia começava a melhorar, a inflação disparou devido à desorganização das cadeias produtivas globais e à guerra na Ucrânia, que encareceu o preço dos combustíveis no mercado internacional, flutuação acompanhada pela Petrobras.

A terceira fase é de recuperação, com crescimento econômico, queda do desemprego e aumento da renda, ocorrida de forma mais evidente neste último ano do governo. Esse movimento acompanha a retomada da economia de outros países, e foi acelerado em nível nacional por um grande pacote de gastos públicos e redução de tributos anunciado às vésperas da campanha eleitoral.

Na área social, o retrato completo da gestão Bolsonaro ainda não está disponível devido à falta de indicadores de pobreza e de desigualdade de renda de 2022, que só serão divulgados no próximo ano. Mas eles refletem uma dinâmica parecida.

A pobreza ficou relativamente estável nos dois primeiros anos do governo, e registrou alta significativa em 2021. A insegurança alimentar também cresceu, e atingiu 33 milhões de pessoas no final de 2021. A tendência é último ano do governo registrar queda da pobreza e da fome, mas ainda é incerto se eles voltarão aos patamares anteriores aos da pandemia.

Veja como esses indicadores variaram ao longo dos anos Bolsonaro:

Crescimento econômico

O Produto Interno Bruto (PIB), medida das riquezas produzidas por um país, teve um desempenho fraco no primeiro ano do governo Bolsonaro, e já estava em tendência de queda antes do início da pandemia de covid-19.

O economista André Luiz Marques, coordenador do Centro de Gestão e Políticas Públicas do Insper, avalia que esse primeiro ano foi perdido porque, entre outros pontos, Bolsonaro gastou tempo demais tentando organizar seu governo de forma a "romper" com o modelo anterior, com muita instabilidade em sua equipe e choques com outras instituições.

"A definição de linhas gerais e do planejamento acabou não acontecendo", diz Marques. "E, para ter investimento privado, precisa de estabilidade, regras claras. Credibilidade não vira de uma vez, precisa mais do que palavras, precisa de atos concretos."

Com a chegada da pandemia, o espaço para planejamento reduziu-se e o governo precisou focar em "mais apagar o incêndio do que construir algo mais adiante", diz Marques.

E, na reta final do mandato, a gestão colhe o reflexo da recuperação da pandemia no mundo todo e de "medidas populistas" tomadas no período eleitoral e que já cobram seu preço, com "subida do juros e da dívida pública".

Inflação

Os dois primeiros anos do governo Bolsonaro registraram inflação sob controle, próxima da meta do Banco Central, que em 2019 era de 4,25% e em 2020, de 4% – com margem de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo.

Em 2021, os preços começaram a sair do controle. A vacinação contra a covid-19 avançava e os países voltavam gradativamente à atividade, mas a desorganização das cadeias logísticas e de produção e os lockdowns rigorosos na China pressionaram os preços em todo o mundo.

Naquele ano, a inflação anual no Brasil foi de 10,06%, muito acima da meta do BC, que era de 4%, com margem de 1,5 ponto percentual.

A alta dos preços continuou se agravando em 2022, devido também à guerra na Ucrânia. O conflito fez o preço dos combustíveis disparar, com reflexos pela economia como um todo e na popularidade do presidente.

Pressionado pela proximidade da campanha eleitoral, Bolsonaro articulou e aprovou no Congresso um limite de 17% para a alíquota do ICMS sobre os combustíveis, um imposto estadual. Antes essa alíquota variava de estado para estado, e chegava a 34% no Rio de Janeiro.

O presidente também isentou os combustíveis de PIS e Cofins, dois tributos federais, e promoveu seguidas trocas no comando da Petrobras para pressionar a estatal a adotar parâmetros mais favoráveis ao consumidor na redefinição dos preços.

As medidas surtiram efeito, o preço dos combustíveis caiu significativamente, e a inflação começou a recuar no segundo trimestre de 2022. O país registrou deflação em julho (-0,68%), agosto (-0,36%) e setembro (-0,29), a estimativa atual é que o ano feche com inflação acumulada de 5,8%, segundo o Boletim Focus do Banco Central.

A isenção do PIS e do Cofins deve acabar no próximo ano. O futuro ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou nesta terça-feira que Lula não deseja manter a isenção e pediu ao atual ministro da Economia, Paulo Guedes, que não a prorrogue.

O futuro governo Lula ainda analisa como lidar com o limite à alíquota do ICMS, que afeta a arrecadação de estados e suas transferências obrigatórias aos municípios.

Desemprego

O desempenho do emprego durante o primeiro ano do governo Bolsonaro foi de relativa estabilidade, na faixa de 12%, com variações sazonais. A chegada da pandemia, com as restrições sanitárias e o fechamento do comércio, impactou o mercado de trabalho a partir do início de 2020, e levou o desemprego às alturas. Em setembro de 2020 e março de 2021, a taxa bateu em 14,9%.

Depois o mercado de trabalho começou a se recuperar. O dado mais recente, do trimestre encerrado em outubro deste ano, coloca a taxa de desemprego em 8,3%, nível que havia sido alcançado pela última vez no trimestre encerrado em maio de 2015, antes do afastamento de Dilma Rousseff em seu processo de impeachment.

A retomada do emprego deveu-se principalmente ao setor de serviços, que é intensivo em mão de obra, mas em geral oferece vagas de pior qualidade e remuneração mais baixa do que as da indústria.

Nesse cenário, o número de trabalhadores informais bateu recorde neste ano. No trimestre encerrado em agosto, o número de empregados sem carteira assinada no setor privado chegou a 13,2 milhões de pessoas, o maior número desde o começo da série histórica, há 10 anos.

Marques pontua que o espaço para o desemprego seguir caindo nos próximos meses é pequeno devido à falta de reformas que fundamentem uma alta sustentada do PIB. "Há risco de ser um voo curto, na falta de fôlego para um crescimento mais estruturado", diz.

Rendimento

Outro parâmetro que mostra como a economia impacta as condições de vida das pessoas é o de rendimento médio real de todas as fontes, que mede quanto as pessoas com renda receberam mensalmente, seja do seu trabalho ou de transferências do governo.

Ao longo dos três primeiros anos do governo Bolsonaro, esse rendimento registrou queda em termos reais. Em 2019, foi de R$ 2.471, um real a menos do que o do ano anterior. Em 2020, de R$ 2.386, e no ano seguinte de R$ 2.265, sempre a preços de 2021. Foi o menor valor da série histórica, iniciada em 2012.

A piora sensível do rendimento em 2021 deveu-se, entre outros fatores, a mudanças na concessão do auxílio emergencial, que não foi pago no primeiro trimestre daquele ano, e depois retornou com valores mais baixos do que no primeiro ano da pandemia. Além disso, a alta da inflação corroeu o valor real recebido pelas pessoas.

Em 2022, o rendimento médio real de todas as fontes voltou a subir, mas o dado consolidado, que reúne todas as fontes, só será conhecido no próximo ano.

Outra forma de medir a renda da população é a renda média dos trabalhadores. Nesse cálculo, porém, só é considerada a população ocupada e a renda obtida do trabalho, sem os benefícios sociais.

Essa série também registra a relativa estabilidade do primeiro ano do governo Bolsonaro. No ano seguinte, porém, há uma alta da renda, que pode ser resultado do impacto desigual da pandemia no mercado do trabalho, diz Marques.

Como pessoas em funções menos remuneradas – garçons, pedreiros e empregadas domésticas, por exemplo – foram mais afetadas por demissões no início da pandemia do que as pessoas com funções mais bem remuneradas, que conseguiram manter seus trabalhos em home office, a renda média de quem tinha emprego inicialmente subiu.

Em seguida, porém, com a gradual retomada da economia, a renda média começou a cair e chegou a R$ 2.574 em dezembro de 2021, o menor valor da série histórica iniciada em 2012.

A partir desse momento tem havido recuperação. A renda média dos trabalhadores em outubro deste ano foi de R$ 2.754, mas ainda abaixo da do início do governo Bolsonaro, quando era de R$ 2.821 – os valores estão corrigidos pela inflação.

Pobreza

A evolução da pobreza no governo Bolsonaro registrou leve melhora no primeiro ano, leve piora no segundo e uma grande piora no terceiro. Os dados sobre o quarto ano ainda não estão disponíveis

O presidente assumiu o Planalto com 19,5% dos moradores de regiões metropolitanas em situação de pobreza (com renda diária de até 5,50 dólares em paridade do poder de compra) e 4,4% deles em pobreza extrema (com renda diária de até 1,90 dólar em paridade do poder de compra).

Depois dos dois primeiros anos de relativa estabilidade, em 2021 o percentual de pessoas em situação de pobreza nas regiões metropolitanas subiu para 23,7% (7,2 milhões de pessoas a mais do que em 2014). Já o percentual de pessoas em extrema pobreza chegou a 6,3%, ou 3,1 milhões a mais do que 2014 – dos quais 1,6 milhão entraram nessa faixa apenas em 2021.

A recuperação da renda do trabalho neste ano, combinada à redução da inflação e à queda do desemprego, deve resultar em redução da pobreza. A medição precisa do impacto na pobreza, no entanto, só poderá ser feita em 2023, quando saem os dados da renda de todas as fontes, incluindo a de benefícios sociais. Há dúvidas entre especialistas se a pobreza retrocederá ao patamar anterior ao do início da pandemia.

Fome

O governo atual também foi marcado por seguidos alertas sobre o aumento da fome no país, que já vinha crescendo antes de Bolsonaro assumir o Planalto.

O segundo Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil (Vigisan), realizado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), apontou que 58,7% da população brasileira vivia com algum grau de insegurança alimentar no final de 2021 e início de 2022.

Classifica-se como insegurança alimentar leve quando há indisponibilidade de algum alimento básico; moderada quando a pouca disponibilidade ou variedade afeta o indivíduo do ponto de vista nutricional; e grave quando não é possível fazer nenhuma refeição durante um dia ou mais.

O levantamento identificou que 15,5% da população brasileira estava em insegurança alimentar grave naquele período, ou seja, passando fome. Isso equivale a 33,1 milhões de pessoas. No final de 2022, eram 19,1 milhões de pessoas nessa situação.

A Rede Penssan afirma que a piora da fome reflete "opções de políticas econômicas e sociais dos governos", e que a pandemia agravou um quadro que já vinha em deterioração desde a crise econômica e política deflagrada em 2015, que afetou negativamente o emprego e a renda.

Além disso, houve o desmonte de políticas públicas voltadas à segurança alimentar, com a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário em 2016, no governo Michel Temer, com reflexos na agricultura familiar, e a extinção, por Bolsonaro, do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional.