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Como funciona uma campanha de desinformação na internet

Ingo Mannteufel / Naser Shrouf (av)9 de julho de 2016

"Merkel baixa imposto para muçulmanos", anuncia um site alemão. Além de ser uma história absurda, as fontes se perdem nos confins da grande rede. Que mecanismos tal campanha usa e a que interesses ela serve?

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Merkel posa para selfie com refugiado recém-chegado: política migratória do governo serviu de munição para oposição
Merkel posa para selfie com refugiado recém-chegado: política migratória do governo serviu de munição para oposiçãoFoto: Anas Modamani

Dizer que a internet é um foco de propaganda e desinformação é quase um lugar comum atualmente. Menos conhecida é a forma como tais campanhas de desinformação funcionam e como é fácil enganar um internauta.

Quem na Alemanha quiser saber, por exemplo, qual é a opinião da chanceler federal Angela Merkel sobre o Ramadã – ao fim do mês de jejum de importância tão central para os muçulmanos –, normalmente digitaria no Google uma busca do tipo "Angela Merkel, Ramadan".

Logo entre os primeiros resultados aparece o link para uma notícia em alemão intitulada "Isenção de imposto para o Ramadã?" Este leva ao site em alemão Politically Incorrect, o qual se apresenta como veículo jornalístico "contra o mainstream" – e, desse modo, atraente para os descontentes com a política de Berlim para os refugiados.

Não é possível identificar exatamente quem está por trás do site, mas é inegável sua proximidade às correntes anti-islâmicas, populistas e de extrema direita. Os banners confirmam que ele também apoia, pelo menos até certo ponto, as ações do movimento anti-imigração Pegida (sigla em alemão para "Patriotas europeus contra a islamização do Ocidente") e suas ramificações regionais.

O leitor fica então sabendo, nessa breve notícia, que em 4 de junho de 2016 Merkel teria liberado "proprietários de restaurante de um imposto, a fim de poderem oferecer refeições a preços mais baixos para os muçulmanos".

Essa "informação", em si totalmente abstrusa, aparentemente encontra solo fértil entre muitos usuários do site, em cujos comentários chovem crítica e insultos contra a chefe de governo. Aos olhos deles, essa é "mais uma" confirmação de uma política governamental para refugiados demasiadamente pródiga. Com isso, a campanha de desinformação alcançou sua meta.

Na realidade, não há um pingo de verdade na história da "isenção de imposto". Pois nunca houve um decreto nesse sentido antes, durante ou depois do Ramadã, nem pelo governo e muito menos por Merkel em pessoa.

Procurando a fonte

Nesse ponto se coloca a questão: como surgiu essa notícia e como foi propagada? Pois mesmo os autores anônimos do site devem suspeitar que há algo errado com a história, e por isso acrescentam, pseudoconscienciosamente: "De que impostos se trata, especificamente, não há informação, e também faltam outros detalhes. Na verdade, é difícil de imaginar que uma chanceler federal alemã autocraticamente conceda direitos especiais para um grupo particular."

Mas aí prosseguem, em tom de teoria de conspiração: "Porém, uma vez que Merkel passou com prepotência por cima da Constituição, ao colocar para dentro os seus novos e desejados cidadãos, deve-se acreditar que também seja capaz de uma medida destas. Por isso reproduzimos aqui a notícia com a necessária cautela e ressalva."

E, para dar credibilidade a sua mentira, o Politically Incorrect acrescenta um link para uma notícia no website em inglês MoroccoWorldNews, além se referir à página em árabe da emissora estatal russa Russia Today (RT).

Portanto, em vez de conferir a veracidade da informação antes de publicá-la, como exige a ética jornalística, ou admitir um erro, após a divulgação de uma notícia falsa, o Politically Incorrect se esconde por trás de uma suposta notícia em árabe de uma emissora da Rússia.

Dupla campanha

Para a maioria dos leitores alemães, tal fonte está fora de seus limites linguísticos. No entanto, mesmo quem use o tradutor automático para ter uma ideia do conteúdo da matéria indicada, constatará que a RT Arabic tampouco cita uma fonte primária para a informação, evocando, em vez disso, o jornal Al-Riyadh, ligado à casa real da Arábia Saudita.

Já seria motivo de ceticismo a noção de que um jornal saudita saiba mais sobre questões tributárias alemãs do que a mídia nacional. Quem, ainda assim, se der ao trabalho de vasculhar a internet, constatará que a mencionada notícia sobre isenção de imposto não existe em nenhum lugar na página do Al-Riyadh.

Consequentemente, deve-se considerar o site árabe da Russia Today como ponto de partida da invenção mentirosa. Afinal, as metas dessa campanha de desinformação são tanto os leitores de língua árabe quanto, indiretamente, os alemães.

Aos árabes dá-se a falsa impressão de que Berlim é excessivamente generoso em relação aos muçulmanos, assim aumentando a motivação para as tentativas de emigração para a Alemanha. Simultaneamente, os alemães islamófobos são instigados contra a chefe de governo, com a mesma história.

Sempre questionar as fontes

Provavelmente o cálculo último dessa campanha é que, caso Angela Merkel caia em consequência da crise dos refugiados, a Alemanha fique consideravelmente enfraquecida dentro da União Europeia. E, bem concretamente, aí a coesão do bloco pelas sanções contra o Kremlin apresentaria rachaduras profundas.

O exemplo demonstra perfeitamente como funcionam propaganda e desinformação na internet: uma informação – neste caso falsa, mas que pode também ser uma meia informação, gravemente distorcida – é passada entre sites de idiomas e naturezas diversas, e assim "lavada", até que se perca de vista a fonte original.

A notícia desinformativa chega, então, ao leitor final alemão com o pedigree de mídias "internacionais" supostamente fidedignas. Quem defende a certeza de que os principais meios de comunicação alemães de direito público não dizem a verdade, pode até ver como confirmação disso o fato de que só se encontre nesses veículos estrangeiros a absurda história de isenção pró-islâmica decretada por Merkel, em bom estilo autocrata.

No fim de contas, porém, ninguém deve se sentir a salvo de uma campanha de informação dessa ordem. Lembre-se que a notícia em questão estava apenas a um clique de distância dos dez resultados de busca do site mais utilizado para esse fim na Alemanha, o Google. Cabe, portanto, se orientar pelo preceito: é preciso sempre questionar as informações e suas fontes.