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Com derrota de Trump, populistas europeus perdem padrinho

Barbara Wesel
10 de novembro de 2020

Presidente mais interessado em dividir do que em fortalecer a UE dará lugar a um amigo da Europa. Para Orbán, na Hungria, e o PiS, na Polônia, resultado da eleição nos EUA é um duro golpe.

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Donald Trump recebeu Viktor Orban na Casa Branca
Premiê húngaro foi recebido na Casa Branca em 2019 Foto: Imago Images/UPI Photo/K. Dietsch

Durante a campanha eleitoral, o democrata Joe Biden deixou bem claro como se sente em relação aos governos populistas do Leste da Europa. "Podemos ver o que está acontecendo de Belarus a Polônia e Hungria, e a ascensão dos regimes totalitários. Nosso presidente apoia todos os vilões do mundo", disse Biden em sessão de perguntas e respostas na emissora ABC.

O fato de o candidato democrata ter colocado Alexander Lukashenko, Andrzej Duda e Viktor Orbán juntos na mesma panela é um tapa na cara de certos populistas de direita na Europa e um alerta às nações envolvidas.

Negação dos fatos

Com seus parabéns prematuros ao republicano Donald Trump, o primeiro-ministro esloveno, Janez Jansa, errou totalmente o resultado da eleição presidencial nos EUA. Mas ele teimosamente manteve sua linha, citando "atrasos e a negação de fatos", de modo que até seu ministro da Defesa o avisou que sua posição "não é do interesse da Eslovênia".

Em Varsóvia, Duda permaneceu diplomaticamente mais ambivalente e parabenizou "uma campanha presidencial de sucesso". "A Polônia quer manter e fortalecer a parceria estratégica de alto nível com os EUA", escreveu o presidente no fim de semana. A derrota de Trump também é um golpe pessoal para Duda, que se beneficiou de uma visita à Casa Branca durante sua campanha e se gabou de ter um relacionamento pessoal com o presidente dos Estados Unidos.

Os parabéns de Budapeste soaram igualmente ambíguos. O chefe de gabinete de Orbán manifestou-se "pessimista" durante a contagem dos votos nos Estados Unidos. Gergely Gulyas disse esperar que a política externa de um novo governo democrata fosse "melhor do que a anterior", referindo-se à administração Obama. Ele também observou negativamente que a campanha de Biden havia recebido doações de George Soros, a quem o governo húngaro culpa por todos os supostos males do liberalismo ocidental.

"A presidência de Trump significou apoio sem reservas de Washington", escreve Peter Kreko, do instituto Political Capital, um think tank liberal de Budapeste. "Um governo Biden reagirá com mais firmeza contra a Hungria, contra retrocessos democráticos e corrupção nos investimentos chineses e russos, ignorados por Trump."

Ninguém amou tanto Trump quanto os poloneses

A Polônia era o único país da Europa onde a maioria dos eleitores via Trump de forma positiva, de acordo com uma pesquisa feita em setembro. E havia motivos para essa admiração: Trump apoiou a Polônia no confronto militar com a Rússia e colheu os frutos, embora o reforço das tropas americanas já tivesse sido decidido no governo Obama.

Além disso, Trump foi um crítico ferrenho do gasoduto Nord Stream 2, apoiou a integração do Leste Europeu prevista pela Iniciativa dos Três Mares e era considerado alguém com parentesco ideológico. Trump foi ainda o único amigo da política externa dos poloneses, bastante isolados na União Europeia (UE).

Donald Trump e Andrjei Duda de paletó escuro e camisas brancas no jardim da Casa Branca
Presidentes Duda, da Polônia, e Trump na Casa Branca Foto: AFP/S. Loeb

"O resultado da eleição é um golpe para Jaroslaw Kaczynski e Orbán, porque ambos apostaram em Trump", disse Piotr Buras, do Conselho Europeu de Relações Exteriores. Isso se aplica menos à Hungria, que é estrategicamente desinteressante. No entanto, os interesses de segurança da Polônia estão intimamente ligados aos EUA. "A relação especial entre Washington e Varsóvia chegará ao fim sob o governo Biden."

Relações Varsóvia-Berlim

Varsóvia julgou mal o interesse de Trump pela Polônia: ele estava principalmente interessado no potencial de interferência da política polonesa na UE e no relacionamento tenso com a Alemanha, país este que Trump escolhera como seu principal inimigo na Europa. Com Biden será exatamente o oposto: a Polônia é um parceiro interessante se tiver boas relações com Berlim. E Biden quer fortalecer a UE, não enfraquecê-la e, de forma alguma, aliená-la da Alemanha, avalia Buras.

Para a Polônia, a vitória eleitoral de Biden significa uma mudança de perspectiva: o partido PiS está passando por sua maior crise devido aos protestos em andamento contra as leis de aborto, a sua má gestão da pandemia de covid-19, a disputa com a UE sobre o Estado de Direito e disputas partidárias internas. No entanto, Buras não espera uma mudança de orientação, mas apenas uma correção de rumo na política polonesa.

O analista Marcin Zaborowski, da revista Res Publica Nowa, afirma que a Polônia perdeu o seu parceiro ideológico mais próximo. As relações com os EUA deverão permanecer fortes, mas serão ofuscadas por disputas sobre os direitos LGBT e o Estado de Direito. Trump, por seu lado, nunca criticou a política da Polônia, e a relação foi "extremamente amigável", diz Zaborowski.

Para ele, o PiS vê a mudança em Washington com preocupação, se não rejeição. E seu principal ideólogo, Ryszard Legutko, já declarou que o resultado das eleições nos Estados Unidos foi "uma má notícia para o mundo ocidental" porque tornaria os Estados Unidos semelhantes à "Europa liberal de esquerda".

A UE e o adversário em Washington

O eurodeputado Sergey Lagodinsky, que representa os verdes alemães no Parlamento Europeu, afirma que será bom para a UE se Trump não colocar mais sua mão protetora sobre os populistas no Leste Europeu. Ele teria servido de "álibi" para o curso político deles.

Com Biden retornariam também os políticos amigos da União Europeia, que apostam na cooperação com Bruxelas em vez de cortejar as capitais individualmente. Além disso, eles conhecem os perigos de tendências não liberais e populistas. "Agora que o padrinho em Washington se foi, há melhores condições em muitas áreas", avalia o eurodeputado verde.

Lagodinskiy considera a eleição de Trump um "golpe contra a Internacional populista", mas ao mesmo tempo adverte contra o entusiasmo exagerado. "A eleição nos dá fôlego, mas não dispensa a Europa de fazer seu dever de casa." Para ele, isso vale para mais independência estratégica, mais coordenação em política externa e desegurança, o relacionamento com a China e muito mais.

No entanto, ele não espera efeitos imediatos da eleição, pois persiste a ameaça de veto ao orçamento da União Europeia, pela Polônia, Hungria ou mesmo Eslovênia, por causa da cláusula de Estado de Direito.

Da mesma forma como outros observadores, o político verde também avalia que, sem um presidente dos EUA mais interessado em dividir do que em fortalecer a Europa, a vida na UE como um todo pode ficar um pouco mais fácil.