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Berlim adere à moda dos "museus de selfies"

9 de março de 2020

Galeria que se vende como "playground das redes sociais" e oferece "a experiência fotográfica perfeita" tem ingresso salgado e pouco espaço para originalidade. Local reflete transformações da fotografia e da sociedade.

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Pessoas tirar fotos com bolas cor de laranja na galeria The Wow, em Berlim
Na galeria The Wow, os visitantes têm acesso a 25 cenários coloridos Foto: Imago Images/B. Friedel

Berlim aderiu à moda dos "museus de selfies", ou seja, espaços com diferentes cenários onde os visitantes podem tirar fotos para "bombar" nas redes sociais. Locais como este existem em grandes cidades americanas, como Los Angeles e Nova York, e em algumas capitais europeias, entre elas Viena e Budapeste.

Inaugurada no final de fevereiro em Berlim, a galeria The Wow se autointitula um "playground das redes sociais". Por um ingresso com o salgado preço de a partir de 29 euros – como comparação, a entrada para todos os museus da Ilha dos Museus de Berlim sai por 18 euros –, os visitantes têm acesso a 25 cenários coloridos desenvolvidos especialmente para a "a experiência fotográfica perfeita".

Esse não é o primeiro "museu" do tipo da Alemanha. Colônia foi a cidade pioneira no país a promover a ideia, em 2018. Recentemente, Michelstadt, um município de 16 mil habitantes no sul de Hessen, abriu um espaço semelhante voltado aos instagrammers.

O espaço em Berlim é temporário e funcionará por seis meses. Caso se revele lucrativo, os idealizadores do projeto pretendem mantê-lo aberto, no entanto, sempre modificando os cenários para atrair visitantes. Eu não saberia dizer se o negócio está indo bem, porém, fato é que sempre há quem pague para conhecer esse tipo de lugar, seja por curiosidade ou para fotografar.

Para mim, os "museus de selfies" são a expressão mais gritante das transformações pelas quais a fotografia vem passando desde o início da revolução digital e também dizem muito sobre mudanças de valores na sociedade impulsionadas por redes sociais.

Primeiramente, chama atenção a necessidade de se referir a um espaço que é, na verdade, um mero estúdio fotográfico de "museu de selfies", termo que soa bem mais sexy do que a denominação real. Dizer que visitou um "museu de selfies" parece muito mais culto e interessante do que uma ida a um estúdio fotográfico. Vivemos um momento no qual o conteúdo vem perdendo importância em detrimento do saber vender. Parecer é muito mais valorizado nas redes sociais do que ser.

O segundo aspecto é referente aos motivos que levam alguém, ainda mais um turista, a pagar 29 euros para tirar fotografias nestes espaços onde centenas de outros farão praticamente as mesmas imagens. Seria muito mais barato e original caminhar pela cidade descobrindo espaços para ilustrar o Instagram. Em tempos de redes sociais, a fascinação e o valor da individualidade vão sendo superados pela coletividade e a padronização.

Galeria The Wow em Berlim
Galeria The Wow foi inaugurada em Berlim em fevereiro e ficará aberta por seis mesesFoto: Imago Images/B. Friedel

O boom das redes sociais e dos "museus de selfies" também só foi possível com o avanço tecnológico. A era dos smartphones promoveu ainda mais a fotografia, que começou a se popularizar no início do século 20 com o surgimento da Kodak e posteriores lançamentos de máquinas portáteis e filmes baratos, além de processos de revelação mais acessíveis.

Apesar deste barateamento, foi o surgimento dos smartphones que realmente ampliou o acesso à fotografia a quase todas as camadas da população em todo o mundo. Há tempos, já não é mais preciso possuir uma câmera para registrar momentos e paisagens, isso sem falar no dinheiro que era necessário para revelar essas imagens.

Embora a tecnologia tenha popularizado ainda mais a fotografia, alguns rituais e práticas ligados ao tempo analógico estão sendo perdidos. Antigamente, com um rolo de filme tendo 12, 24 ou 36 imagens, antes do clique, cada fotografia era pensada para evitar desperdícios. Como turista, ao ver uma paisagem desconhecida, o primeiro momento era voltado à observação. Olhos e memória iam descobrindo e registrando o ambiente novo, e, depois, era a vez de a máquina fotográfica entrar em ação para gravar o enquadramento previamente estudado.

Ao voltar para casa, o filme era levado para revelação. A viagem era vivida novamente ao ver o resultado das fotografias, que nem sempre era o esperado – com imagens perdidas, o fator surpresa estava incluído neste pacote –, e organizar álbuns, mostrados então a amigos e familiares.

Hoje, muitas vezes a fotografia vem antes da observação. Lente apontada para o alvo, e dezenas de cliques são disparados. E assim vai durante a viagem toda. As melhores imagens vão imediatamente para redes sociais e geram cliques. Na volta para casa, as fotografias são baixadas e arquivadas no computador, onde estão fadadas, provavelmente, ao esquecimento. Já quase não há mais o ritual do encontro com amigos para juntos verem as imagens que vinham cheias de anedotas sobre a viagem.

Se por um lado a fotografia está mais acessível, a magia presente no pedaço de papel que guarda um momento vem se perdendo, assim como vem ficando no passado a interação do ato de mostrá-lo.

Ao mesmo tempo, é perceptível uma mudança também na estética fotográfica. Quem nunca notou, por exemplo, semelhanças nas fotografias de casamento do início do século passado? No futuro, o que será que as pessoas pensarão ao ver as atuais fotografias postadas nas redes sociais, onde grande parte das imagens é feita em frente ao espelho, e o celular é um objeto destacado no enquadramento?

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Clarissa Neher é jornalista da DW Brasil e mora desde 2008 na capital alemã. Na coluna Checkpoint Berlim, escreve sobre a cidade que já não é mais tão pobre, mas continua sexy. Siga-a no Twitter @clarissaneher

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