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Assassinato sugere instabilidade em Pyongyang

Julian Ryall de Tóquio
16 de fevereiro de 2017

Ditador norte-coreano teria mandado matar o meio-irmão, que, segundo rumores, negociava fuga para Coreia do Sul. Deserção poderia ser usada como propaganda pelo inimigo e gerar dúvidas sobre legitimidade do regime.

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Mutmaßlich Kim Jong Nam, Bruder von Nordkoreas Diktator Kim Jong Un
Kim Jong-nam (e), meio-irmão do ditador Kim Jong-un, foi assassinado na MalásiaFoto: picture alliance/AP Photo/S. Kambayashi/W. Maye

A misteriosa morte de Kim Jong-nam, assassinado na segunda-feira (13/02) no aeroporto internacional de Kuala Lampur, na Malásia, pode sugerir o aumento da instabilidade em Pyongyang, já presente desde que seu meio-irmão Kim Jong-un chegou ao poder.

Kim Jong-nam, de 45 anos e primeiro filho do ex-líder norte-coreano Kim Jong-il, caiu em desgraça com seu pai após ser detido por autoridades japonesas no aeroporto internacional de Tóquio, em abril de 2001, ao viajar com um passaporte dominicano falso.

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Ele disse aos interrogadores que visitaria os parques da Disney em Tóquio com a família. Enquanto a política familiar prosseguia normalmente na Coreia, seu exílio em Macau e Pequim foi discreto, alimentando seu apetite por amantes, jogos de azar e restaurantes com o dinheiro dado por seu tio, Jang Song-thaek.

Porém, Jang, que já foi considerado a segunda pessoa mais poderosa do país, parou de bancá-lo repentinamente em dezembro de 2013, quando foi preso de forma espetacular por Kim Jong-un e julgado por uma série de acusações, incluindo a tentativa de subverter o regime. Como sentença, Jang foi executado.

Fuga para o país inimigo

A execução sumária de Jang deve ter servido de advertência para Kim Jong-nam e certamente lhe fez reconsiderar suas opções.

Ele poderia, por exemplo, ter continuado a viver sob proteção chinesa, com Pequim o considerando uma possibilidade de liderança caso Kim Jong-un fosse vítima de um golpe ou assassinato.

Kim Jong-nam poderia também correr o risco e desertar para a Coreia do Sul. Há relatos, desde a semana passada, de que ele teria se encontrado com representantes do governo sul-coreano para discutir sua mudança para Seul.

E exatamente isso pode ter sido o estopim para ordenarem seu assassinato: ter um membro da dinastia Kim desertando publicamente para a Coreia do Sul pode ter sido demais para o regime em Pyongyang.  

Isso suscitaria dúvidas sobre a legitimidade do regime. E a última coisa que Kim Jong-un precisa, dizem analistas, é de novos distúrbios e dúvidas sobre sua legitimidade para governar.

"De todas as razões para que Kim ordenasse a morte de seu meio-irmão, essa é, para mim, a mais atraente", afirma Rah Jong-yil, ex-chefe da inteligência sul-coreana. "Teria sido um enorme golpe de propaganda para a Coreia do Sul, e houve rumores que sua deserção foi discutida."

País está menos isolado

Segundo Rah Jong-yil diz, a Coreia do Norte já não é mais tão hermeticamente isolada do resto do mundo, porque cada vez mais celulares, cartões de memória e discos estão sendo contrabandeados para ali.

"As pessoas estão começando a ver por si mesmas como é a vida em outros lugares e, especialmente, na Coreia do Sul", ressalta. "Kim Jong-un não tem nada do que se orgulhar desde que se tornou líder, exceto das mais armas nucleares, o que não melhora em nada a vida do cidadão comum. E isso gera insatisfação."

O ex-chefe da inteligência sul-coreana diz que aumentou o número de pessoas comuns arriscando tudo para deixar o país, e os membros da elite, do partido de alto escalão e funcionários do governo fazendo o mesmo.

Toshimitsu Shigemura, professor da Universidade Waseda, em Tóquio, e especialista em assuntos norte-coreanos, concorda que as deserções, particularmente a de Thae Yong-ho, prejudicaram a posição de Kim na Coreia do Norte. Thae fugiu em julho da embaixada da Coreia do Norte em Londres com sua família com a intenção de seguir para Seul.

"Todas essas deserções estão causando uma grande instabilidade nos corredores do poder na Coreia do Norte, porque se vê que Thae só foi capaz de fugir com toda sua família depois de subornar o chefe da polícia secreta em Pyongyang, além dos oficiais da polícia secreta encarregados de monitorá-lo em Londres", declara Shigemura.

Poucos amigos no regime

Quando Kim Jong-un descobriu a verdade, ele demitiu Kim Wong-hong, o chefe da polícia secreta, e expulsou dezenas de oficiais de patente mais baixa da organização, acrescenta Shigemura.

O lado negativo desta ação é que Kim Jong-un está fomentando mais ressentimento em relação à sua liderança entre alguns dos funcionários mais experientes e veteranos do país. O especialista sugere que esse rancor poderia muito facilmente se transformar em hostilidade contra a pessoa de Kim Jong-un e, finalmente, num golpe.

"Kim tem poucos amigos agora", aponta Shigemura. "Ele governa por meio do poder e medo, mas já não tem mais boas relações com a China ou a Rússia, e afastou subordinados e organizações-chave", diz.

Para o especialista, Jong-un pode ter pensado que seu meio-irmão pudesse ser visto por alguns desses setores como um potencial substituto, ao mesmo tempo em que um representante da dinastia Kim permaneceria no poder.

"Ele pode ter se livrado dessa dor de cabeça particular ao ordenar o assassinato do meio-irmão, mas ele agora não está mais estável como antes", opina Shigemura.