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As demandas da oposição na Bolívia

Cristina Papaleo
8 de novembro de 2019

Bolívia está imersa em protestos desde a controversa reeleição de Evo Morales em 20 de outubro. Comandada por dois líderes notórios, oposição reúne conglomerado de organizações civis.

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Manifestantes oposicionistas com bandeiras da Bolívia em protesto em Santa Cruz de la Sierra
Manifestantes oposicionistas ao governo de Evo Morales levam bandeiras da Bolívia em protesto em Santa Cruz de la SierraFoto: AFP/D. Walker

O presidente do Comitê Cívico de Santa Cruz, Luis Fernando Camacho, deu em 2 de novembro um ultimato ao presidente da Bolívia, Evo Morales, no qual deu 48 horas para o governante deixar seu cargo. Uma mobilização maciça tem demonstrado apoio a Camacho, que se tornou o rosto mais visível e combativo de uma oposição que acusa Morales de fraude eleitoral.

No poder há 13 anos, Morales segue negando a existência de fraude e solicitou, após o ultimato de Camacho, uma reunião urgente com representantes sindicais. Segundo o presidente boliviano, não se trata mais de denúncias contra eleições fraudulentas, mas de formação de um golpe de Estado.

A Organização dos Estados Americanos (OEA) realiza uma auditoria do processo eleitoral, cujos trabalhos devem ser concluídos na próxima semana. Enquanto isso, aumentam as tensões sociais na Bolívia.

"Acho que haverá uma intensificação do conflito iniciado por certo grupos sociais", disse a cientista política Belén González, do Instituto GIGA em Hamburgo. "Tudo isso está se formando desde 2016, quando Morales perdeu, num referendo juridicamente vinculativo, o direito de ser reeleito para um quarto mandato, e mesmo assim conseguiu que os tribunais aprovassem essa extensão, o que fez a oposição colocar o tema em primeiro lugar em sua agenda política."

Camacho é presidente do Comitê Cívico de Santa Cruz desde 2017 e é o líder mais radical da oposição boliviana. Além de conservador e católico, Camacho é um advogado e empresário nascido em Santa Cruz de la Sierra em 1979. O objetivo de seu comitê cívico é que seja respeitado o direito ao voto e à democracia, segundo relatou à imprensa boliviana.

Para Gonzalo Rojas Ortuste, analista político da Universidade de San Andrés, em La Paz, Camacho "é um homem de valor civil inquestionável, mas não conhecemos dele um programa maior do que pedir a saída de Morales. Ele tem uma retórica muito básica em termos de uma proposta ou liderança política mais democrática. É de uma coragem que beira à imprudência".

Cartaz mostra o líder opositor Luis Fernando Camacho dando um chute no traseiro do presidente da Bolívia, Evo Morales.
Cartaz mostra o líder opositor Luis Fernando Camacho dando um chute no traseiro do presidente da Bolívia, Evo MoralesFoto: AFP/D. Walker

Camacho pertence também à organização Coordenação de Defesa da Democracia, criada recentemente por Carlos Mesa, ex-presidente da Bolívia e político de centro-esquerda da Frente Revolucionária de Esquerda (FRI), que concorreu como candidato da coalizão Comunidade Cidadã (CC).

A Coordenação de Defesa da Democracia reúne grande parte da oposição. "Mesa é um intelectual bem treinado e tem reunido pessoas muitos interessantes ao seu redor", afirmou Ortuste. "Pessoas com uma postura forte que têm como objetivo reinstitucionalizar o país", acrescentou.

"O nível de corrupção na Bolívia é muito alto, incluindo líderes sociais. A opinião pública exige, e a oposição reflete, a necessidade de restaurar uma institucionalidade democrática e republicana, que foi desmantelada com o atual governo", destacou o analista.

Mas, além dos dois rostos mais notórios da oposição, Camacho e Mesa, a Bolívia tem também como protagonista do conflito social o Conselho Nacional de Defesa da Democracia (Conade), um conglomerado de organizações civis que inclui o próprio Comitê Cívico de Santa Cruz.

Em contrapartida, a Coordenação Nacional de Mudança (Conalcam) reúne grupos civis que são solidários ao governo e organizam as manifestações em apoio a Morales. As desavenças entre os dois agrupamentos provocaram confrontos violentos em protestos, como os que ocorreram em La Paz nesta semana.

"Tanto o Conade, como o partido de Mesa e de Camacho, denunciam que há uma influência bastante importante do MAS [Movimento para o Socialismo, partido de Morales] no Poder Legislativo, o que obviamente obscurece o panorama das instituições democráticas", disse González.

Quais são as propostas da oposição?

Durante seus mandatos, Morales conseguiu que a economia boliviana crescesse 4,9% em média por ano, segundo dados da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). A consultoria Oxford Economics indicou que a Bolívia é um dos países que mais conseguiu reduzir a pobreza e a extrema pobreza na década anterior, em 25 e 23 pontos percentuais em 2006 e 2018, respectivamente.

Embora essas realizações não possam ser ignoradas, Morales é o presidente latino-americano que está no cargo há mais tempo e uma parte da população o acusa de querer se perpetuar no poder e de exercer o personalismo.

Policiais bolivianos desmantelam barricadas incendiadas em Laz Paz, durante protestos entre manifestantes contra e pró-Morales
Clima de guerra em La Paz: policiais bolivianos desmantelam barricadas incendiadas durante confrontos violentosFoto: picture-alliance/AP Photo/J. Karita

"O Conade reúne organizações como a Central Operária Boliviana e a Assembleia Permanente de Direitos Humanos, além der ser a primeira a convocar uma mobilização permanente após 24 de outubro, junto com Mesa", explicou González. "Eles pedem que a Constituição de 2009 seja respeitada e, como houve um desvio institucional no referendo de 2016, eles querem que a sociedade civil se mobilize contra isso."

Para a especialista, o principal objetivo da oposição boliviana é denunciar a fraude eleitoral e impedir que Morales vença novamente. Além desse ponto, "ainda não há propostas políticas concretas", afirmou. González enfatizou ainda que as demandas da população não são de natureza econômica.

"Muitos dos grupos e das comunidades que apoiam Morales dizem que sua qualidade de vida melhorou muito, e é por isso que os protestos não se concentram na economia, mas no perigo da concentração de poder, que começa a afetar o Tribunal Eleitoral e o de Justiça, com consequências imprevisíveis a médio e longo prazo", explicou González.

"Não está claro em que termos os partidos da oposição formariam uma coalizão", disse a especialista do GIGA. "Como a oposição foca apenas em que não haja um quarto mandato de Morales, parece que o único partido que tem um projeto para médio prazo é o MAS, e isso ganhará mais votos."

Ortuste, por outro lado, afirmou que existe um projeto comum que une a oposição, que vai além de pedir a renúncia de Morales. "A oposição quer restaurar uma certa ordem institucional, onde haja limites para o poder do Estado, onde o Executivo não seja dono do país e o presidente não seja seu chefe."

O analista acrescenta que as demandas da oposição se concentram em conter a enorme corrupção, que afeta sim a economia. "Por exemplo, na distribuição de benefícios, como se fossem um bem privado, entre os seguidores de Morales", afirmou Ortuste. Ele pontuou ainda que "a oposição quer que a Bolívia seja para os bolivianos e não apenas para os masistas [membros do partido MAS]."

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