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Artistas do Kosovo protestam contra isolamento do país

19 de novembro de 2012

Há quase cinco anos independentes da Sérvia, kosovares ainda se sentem fora da Europa e fora do mundo. Artistas do Kosovo usam arte para protestar contra obstáculos que encontram ao tentarem viajar ao exterior.

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Foto: DW/R. Breuer

O escritório, numa rua transversal não muito longe do centro da cidade, é uma pequena sala no subsolo, cuja janelinha ao nível da rua mal deixa entrar luz. O ventilador apenas move a massa de ar quente de um lado para o outro. Por toda a parte estão empilhados grandes cartazes, fotos e revistas.

Rrezeart Galica, é um designer gráfico de 31 anos que vive e trabalha em Pristina, a capital do Kosovo. Em sua terra, ganhou fama por seus cartazes com slogans simples, porém eloquentes e contundentes. Seus protagonistas são as organizações internacionais no país, e a mensagem é o fracasso político destas.

"Basta!"

Galica mostra um prospecto elaborado especialmente para sua exposição em Berlim, no início de 2012. "É um pôster com as palavras No more ["Acabou" ou "Basta", em inglês]. Fiz a escrita com 39 cartões Visa. Para isso, pedi a meus amigos que escaneassem e enviassem para mim os seus cartões de crédito."

Artista Rrezerat Galica diz "basta", "acabou"
Artista Rrezerat Galica diz "basta"Foto: Rrezeart Galica

Em alguns locais, ele expôs a palavra Rejected (rejeitado), em nome de todos aqueles que não têm sorte. "Com esta obra, quero mostrar como estamos isolados do mundo. Queremos poder viajar livremente para a Europa."

No more é uma obra nascida da ira e da própria experiência de Galica. Um ano atrás, uma galeria da França quis expor algumas de suas obras. Tudo já estava organizado: passagem de avião, hotel, os cartazes estavam impressos, ele já tinha escrito seu discurso de apresentação. Porém, seu pedido de visto foi rejeitado.

Monumento "Newborn" (Recém-nascido), em Prsitina, é símbolo da jovem república
Monumento "Newborn" (Recém-nascido), em Pristina, é símbolo da jovem repúblicaFoto: DW/R. Breuer

Fora da Europa

"Os jovens europeus", diz o slogan publicitário oficial para o Kosovo. Jovem, o país é, pois há menos de cinco anos declarou sua independência em relação à Sérvia. Porém, os cidadãos não se sentem parte da "Europa".

Cinco dos 27 membros da União Europeia ainda não reconheceram oficialmente a República do Kosovo. E no âmbito internacional, até mesmo o Sudão do Sul, cuja independência só foi declarada em 2011, é reconhecido por mais Estados do que o Kosovo.

Para todas as outras nações do Sudeste Europeu já foram relaxadas as condições para concessão de vistos para a UE. As negociações sobre o tema entre Bruxelas e Pristina se iniciaram neste ano: em junho, a comissária europeia responsável apresentou um "roteiro" a respeito.

Segundo o documento, o governo local precisará trabalhar duro e rápido. Reformas contra o crime organizado e a corrupção, fortalecimento dos direitos fundamentais, proteção de dados: estas são apenas algumas das exigências para que seja facilitada a obtenção de vistos para os kosovares.

Política cultural independente

Cineasta Blerta Zeqiri, nascida em 1979
Visto de Bierta Zeqiri para o Canadá saiu quando festival de cinema já tinha acabadoFoto: Fadil Berisha

"É realmente frustrante quando se é do Kosovo e se quer pertencer ao mundo. Você está isolado e não se sente parte do todo, e o mundo lhe deixa bem claro que você está de fora, toda vez que expressa o desejo de se tornar um cidadão do mundo", desabafa Blerta Zeqiri.

Com seus filmes, a jovem diretora alcançou projeção para além das fronteiras kosovares. Sua produção mais recente, Kthimi ("Retorno", em albanês), conta a história de um homem dado como desaparecido durante a guerra do Kosovo e que retorna a sua família após quatro anos preso na Sérvia.

O curta representou enorme sucesso para Zeqiri, também em nível internacional. Além de exibi-lo no norte-americano Sundance Film Festival, ela teve até a chance de anunciá-lo pessoalmente em Londres. Privilégios nada óbvios para ela e seus compatriotas.

"Recentemente, eu deveria ter voado para o Canadá, para um festival de cinema, mas não pude. A concessão do visto foi protelada, quando o consegui, o festival já tinha acabado há muito tempo."

Cena do filme "Kthimi", de Zeqiri
Cena do filme "Kthimi", de ZeqiriFoto: Blerta Zeqiri

Kthimi está sendo exibido em várias partes do mundo. Mas não faria sentido pedir um visto para cada país, explica a cineasta, nascida em 1979. Além do mais, há governos que nem mesmo registram o Kosovo como uma república independente.

"Eu deveria ter ido visitar um festival na Rússia, mas não foi possível, pois sou do Kosovo, e Moscou não reconhece o Kosovo. É pena", comenta Zeqiri.

Culpas internas e externas

Ao contrário do designer Galica, Blerta Zeqiri não atribui apenas às organizações internacionais a culpa dessa sensação de gueto.

"Tenho plena consciência de que não preenchemos os padrões de exigência e os pré-requisitos. Temos um monte de problemas aqui a serem resolvidos. Temos leis, é verdade, mas elas não são aplicadas." Desse modo, ela entende por que os "europeus" não veem os kosovares como parte de sua comunidade. "Ainda não", arremata.

Em contrapartida, Rrezeart Galica não se cansa de criticar a comunidade internacional pelos problemas no Kosovo. Um de seus pôsteres traz os dizeres "EUSEX – European Rule of Sex Mission", sobre fundo cor-de-rosa e cercada de preservativos.

Em "EUSEX", Galica tematiza fracasso de organizações internacionais no Kosovo
Em "EUSEX", Galica tematiza fracasso de organizações internacionais no KosovoFoto: DW/R. Breuer

"É uma paródia da abreviatura da missão da UE para o Kosovo, a Eulex, cujo trabalho no país foi sempre um fracasso, em minha opinião. A única coisa que os 'internacionais' impulsionaram, desde que estão aqui, foi a prostituição no país", explica o artista.

Dois anos atrás, ele já queria se despedir da Organização das Nações Unidas: um cartaz na parede traz a palavra T-UN-G, que significa "tchau" em albanês.

Há algumas semanas, o governo em Pristina apresentou à Comissão Europeia um relatório sobre o andamento da implementação das medidas necessárias à liberalização dos vistos. O documento não é publicamente acessível, mas os observadores estimam que as negociações ainda se estenderão por alguns anos.

Entrevista: Rayna Breuer (av)
Revisão: Marcio Damasceno