Análise: Um prêmio a um trovador moderno
13 de outubro de 2016A Academia Sueca anunciou nesta quinta-feira (13/10) em Estocolmo, com felicidade audível dos jornalistas presentes, que o prêmio Nobel de Literatura em 2016 vai para o cantor, poeta e escritor americano Bob Dylan.
Cotado para o prêmio desde a década de 1990, o anúncio não é uma grande surpresa, ainda que se trate de um artista conhecido por sua música e, portanto, um azarão diante de nomes como Haruki Murakami, Philip Roth, Adonis e outros eternos candidatos.
Bob Dylan é autor, além de um volume de memórias, de um livro que poderia enquadrá-lo entre os escritores propriamente ditos: a coletânea Tarantula, publicada em 1971.
Poemas em prosa, contos surreais, literatura do absurdo, Tarantula é um livro inclassificável. Críticos veem nele a influência de autores das décadas de 1950 e 1960, especialmente prosadores como Jack Kerouac e poetas como Allen Ginsberg, da Geração Beat.
Certamente, porém, não é por Tarantula que Bob Dylan vence este prêmio, mas por poemas como Desolation Row, Masters of War e Hurricane, sua invejável coleção de poemas cantados, ligando-o à tradição milenar da poesia oral que informou toda a tradição trovadoresca do Ocidente, desde a Idade Média até chegar aos dias de hoje.
Como disse a secretária permanente da Academia Sueca, Sara Danius, o astro da música folk e do rock foi escolhido por criar "novas expressões poéticas dentro da grande tradição musical americana".
"Se olhar para trás, você descobre Homero e Safo: ele escreveram textos poéticos para serem representados. E com Bob Dylan é a mesma coisa", afirmou Danius. "Ele pode e deve ser lido. É um grande poeta da língua inglesa."
Influência
Dylan fez parte do chamado American Folk Music Revival, ao lado de nomes como Odetta Holmes, Joan Baez, Dave van Ronk e Buffy Sainte-Marie, assim como Phil Ochs, entre outros cantores conhecidos como poetas de protesto.
As raízes do movimento eram mais antigas, contudo, e poetas cantores como Woodie Guthrie, Lead Belly e Pete Seeger exerceram influência decisiva sobre Bob Dylan.
Vale lembrar ainda que outros poetas cantores transitaram pela literatura fazendo contribuições ainda estimadas, como John Lennon e seu A Spaniard in the Works (1965) ou Leonard Cohen e seu Beautiful Loser (1966). Cohen era já um poeta famoso quando voltou-se para a canção.
O poeta e tradutor Patrick Quillier, ele próprio um escritor que transita pela música, declarou que não o surpreende nem o incomoda que o prêmio tenha ido a alguém como Bob Dylan, vendo vários aspectos positivos.
Mas acrescentou que, apesar de todos os jogos da Academia Sueca, entristece-o ver uma vez mais o prêmio ir a um homem do Noroeste do globo, esnobando uma vez mais a literatura da América Latina, da África e da Ásia.
Neste século, com a exceção de autores como o chinês Mo Yan ou o peruano Mario Vargas Llosa, a grande maioria dos ganhadores veio da Europa. No Brasil, onde a tradição da poesia cantada ainda é muito forte, é certo que o prêmio reanimará os velhos debates sobre poesia e letra de música.
Contracultura
Bob Dylan nasceu Robert Zimmerman em Duluth, no estado americano de Minnesota, em 1941. Inspirado por figuras como Little Richard, Woodie Guthrie, Robert Johnson e Hank Williams, começou sua carreira em Nova York e no circuito de songwriters.
Álbuns seus como Highway 61 Revisited (1965) e Blonde on Blonde (1966) são considerados clássicos da música popular americana e mundial. Articulado, erudito, tornou-se uma das figuras políticas mais marcantes e presentes da contracultura americana no final dos anos 60.
Sua perenidade na mente de artistas mais jovens pode ser atestada pelo filme I'm Not There (2007), de Todd Haynes, no qual diferentes facetas de Bob Dylan são interpretadas por atores como Christian Bale,Cate Blanchett, Marcus Carl Franklin, Richard Gere, Heath Ledger e Ben Whishaw. Bob Dylan vive hoje em Malibu, na Califórnia.