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Alemanha vivencia aumento no consumo de crack

16 de agosto de 2023

Droga que surgiu nos anos 1980 vem se popularizando no país europeu, e com ela pequenas "Cracolândias" aparecem em diversas cidades alemãs. Experiência passada pode ajudar a enfrentar o problema.

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Homem usa crack próximo à estação central de trens em Frankfurt
Região próximo à estação central de trens é ponto de consumo de crack em FrankfurtFoto: Frank Rumpenhorst/dpa/picture alliance

Embora tenha surgido na década de 1980, a popularização do crack é um fenômeno relativamente recente na Alemanha. Desde 2018, o consumo desta substância aumenta significativamente, de acordo com um levantamento do Instituto de Pesquisa Terapêutica (IFT), e a droga já é encontrada em diversas cidades do país europeu.

Em Dortmund, onde fica a maior sala de consumo de drogas da Alemanha, por exemplo, o consumo de crack nesse local passou de quatro a seis casos por mês em 2015 para 450 em 2019. Em Hamburgo, o crack corresponde a mais de 50% das substâncias utilizadas nessas salas públicas. Já em Frankfurt, o crack já é a droga mais consumida no bairro da estação ferroviária central da cidade.

De acordo com a diretora do Observatório Alemão de Drogas e Toxicodependência (DBDD), Esther Neumeier, a disseminação do crack — fabricado a partir da mistura de cocaína com bicarbonato de sódio ou amônia — se deve a uma grande disponibilidade de cocaína com uma alta concentração química e ao preço baixo da substância. "Vemos isso no mundo todo, não apenas na Alemanha: há quase um excedente de oferta", pontua.

A oferta da droga é vasta e acessível, e até cachimbos prontos para um único uso são encontrados por poucos euros. "Quando se tem muito pouco dinheiro, ainda se pode comprar um único cachimbo", observa Neumeier.

Pelo alto grau de dependência, a venda de crack seria duplamente mais lucrativa para traficantes do que cocaína, destaca a pesquisa do IFT. Mas as diferenças sociais entre os usuários das duas substâncias são abismais. Aqueles que se tornaram dependentes de crack no país nos últimos anos são, na maior parte, o que o estudo define como grupo de risco: usuários de drogas pesadas e que possuem uma série de fragilidades sociais.

Pequenas "Cracolândias" nas cidades alemãs

Cachimbos de crack sendo acesos à luz do dia nas zonas centrais das grandes cidades não são uma cena rara na Alemanha. Os usuários reúnem-se ao redor de estações de trem ou em parques e formam a chamada "cena aberta" da droga.

"O que nós vemos é que a queda é rápida e que as pessoas ficam desestabilizadas em diversos âmbitos sociais. Os moradores de rua e o crack são problemas que se entrelaçam", diz Neumeier. O Centro de Pesquisas de Drogas da Universidade Goethe de Frankfurt identificou que, no ano de 2022, 51% dos dependentes de drogas que circulam na cena aberta de Frankfurt dormem nas ruas ou em abrigos oferecidos à população.

Em Hannover, a cena aberta das drogas atrás da principal estação ferroviária da cidade engloba cerca de 150 dependentes de crack. O local chegou a ganhar o título de 2º estação ferroviária mais perigosa da Alemanha. A situação pode ser comparada com a Cracolândia de São Paulo, onde vivem cerca de 1.350 pessoas em situação de rua e dependentes de crack. Considerando que a população de Hannover é de 500 mil habitantes, e a de São Paulo de 12,3 milhões de habitantes, os dois grupos da "cena aberta" possuem dimensões semelhantes.

Na Alemanha, conflitos entre usuários, ocasionais casos de violência, lixo e odor de urina são aspectos que perturbam quem passa por essas zonas. "A percepção pública de tolerância e compaixão com dependentes químicos caiu. Nosso objetivo é mudar isso, deixar claro que essas pessoas fazem parte e têm um lugar na nossa sociedade", afirma o diretor do departamento de drogas de Frankfurt, Arthur Schroers.

Como a Alemanha lida com o problema

Diversas cidades alemãs investiram em salas de consumo como parte da estratégia para lidar com as drogas. Nesses locais, dependentes podem fazer uso de substâncias ilegais com higiene adequada e sob supervisão médica. Equipamentos como agulhas, seringas são oferecidos gratuitamente.

Assistentes sociais também estão presentes nesses espaços e podem apresentar a dependentes opções de tratamento para o vício. Algumas delas também possuem espaços de convivência, de higiene, aconselhamento médico e psicossocial, além de serviços como alimentação e distribuição de roupas.

Existem na Alemanha 29 salas de consumo, distribuídas em 17 cidades. Os primeiros locais do tipo surgiram em 1994 em Frankfurt e Hamburgo. Em 2000, o governo alemão regulamentou oficialmente os espaços.

Nos últimos anos, esses locais vêm sendo adaptados para oferecer espaços de fumo e fornecer ou vender a preço de custo cachimbos para os usuários de crack. Neumeier destaca que é necessário ampliar e adaptar ainda mais o espaço destinado a usuários desse tipo de droga. "É uma grande mudança, um desafio para esses espaços nos últimos anos", afirma. A pesquisadora aponta ainda que o consumo de crack tem suas particularidades: "O consumo é geralmente em grupo, o que não pode ser feito nesses locais, onde nada pode ser compartilhar "

Mulher usa crack na rua em Frankfurt
Também na Alemanha usuários de crack muitas vezes costumam viver na ruaFoto: Boris Roessler/dpa/picture alliance

Schroers destaca ainda que o tempo de espera em filas para entrar nas salas de consumo, que podem se formar devido a necessidade legal de um registro, pode ser quase insuportável para os usuários de crack. "Essa dinâmica extrema de consumo é a principal razão pela qual nossos serviços de ajuda às drogas, que funcionam muito bem para viciados em heroína, são apenas parcialmente adequados para usuários de crack", explica.

Outro recurso amplamente utilizado na Alemanha para tratar dependentes químicos são as terapias de substituição, nas quais as aplicações controladas e reduzidas de outras drogas ou da substância original permitem que muitos dependentes levem uma vida relativamente normal e integrada à sociedade. Esse tipo de tratamento começou a ser aplicado a usuários de heroína no país no final dos anos 1980.

No entanto, as terapias de substituição ainda não se aplicam ao crack. "Não temos absolutamente nenhuma possibilidade de substituição como ocorre com a heroína. Existem estudos clínicos, mas nenhum tratamento foi aprovado. Os usuários do crack também são muito diferentes da heroína, ainda não sabemos se algo semelhante será possível", aponta Neumeier.

O diretor do departamento de drogas da cidade de Frankfurt acompanha o desenvolvimento de pesquisas na área e está empenhado na elaboração de um projeto-piloto de ajuda aos dependentes. "Com base nas evidências até o momento, uma combinação de diferentes anfetaminas parece fornecer a maior eficácia de tratamento de substituição. Além disso, observamos estudos com abordagem da psiquiatria. Estamos trabalhando com outras cidades para preparar um possível projeto-modelo para testar um tratamento farmacológico para a dependência de crack ou cocaína", conta Schroers.

 A adaptação do modelo de Frankfurt

Frankfurt já conseguiu no passado acabar com sua antiga "Cracolândia". Nos anos 1980 e 1990, 1,5 mil pessoas viviam perto da estação ferroviária de Frankfurt, no maior ponto de uso de drogas a céu aberto do país.

Para lidar com o problema, a cidade adotou uma resposta inovadora: as ações policiais passaram a ser direcionadas a combater o tráfico e não mais o usuário. Em vez de expulsar os dependentes das ruas ou prendê-los, passaram a ser oferecidas alternativas: moradia, salas de consumo, e tratamentos de substituição. A iniciativa ficou conhecida como o "Caminho de Frankfurt" e inspirou diversos países a modificarem sua política de drogas.

"Estamos trabalhando intensamente para desenvolver e aprimorar ainda mais o nosso ‘Caminho de Frankfurt'. Estou seguro de que a abordagem de aceitação aliada à oferta de cuidados paliativos e de redução de danos é o caminho certo. Mas precisamos adaptar essas ofertas à dinâmica de consumo do crack", diz Schroers.