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Alemanha impõe novos obstáculos à naturalização

28 de junho de 2019

Naturalizar-se alemão vai ficar mais difícil: nova legislação exclui cidadania para polígamos e condiciona concessão a um "alinhamento às condições de vida alemãs". Nacionais que se aliarem ao EI podem perder passaporte.

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Deutscher Reisepass
Reforma da lei de cidadania recebe críticas e elogiosFoto: Imago/STPP

Futuramente vai ser mais difícil obter e manter a cidadania alemã. O Bundestag (câmara baixa do Parlamento alemão) aprovou nesta quinta-feira (27/06) um projeto de lei da coligação governista que prevê um endurecimento da legislação de cidadania.

Até então, quem fornecesse informações falsas para obter sua cidadania poderia perder o novo passaporte em até cinco anos. Agora, esse prazo foi ampliado para dez anos. Jihadistas maiores de idade com dupla nacionalidade também poderão perder sua cidadania alemã.

Além disso, a nova lei estipula que a concessão de cidadania a estrangeiros deve, no futuro, ser condicionada a um "alinhamento às condições de vida alemãs". Entenda alguns pontos da reforma.

Razões para perda de cidadania: alemães que estiverem envolvidos em operações de combate no exterior ao lado de um grupo terrorista devem, futuramente, perder o passaporte alemão se possuírem outra cidadania.

Segundo o governo alemão, alguém que, por exemplo, se alia ao "Estado Islâmico" (EI) mostra "que se afastou da Alemanha e de seus valores fundamentais". Com a reforma, Berlim quer dissuadir aqueles que pretendem viajar para territórios do EI, bem como apoiadores do "Estado Islâmico" com dupla cidadania.

A chamada "diretriz de perda" já estava prevista no acordo da grande coalizão de governo entre conservadores e sociais-democratas. Ela se refere explicitamente a operações de combate no futuro, não podendo ser aplicada retroativamente nem a menores. Alarmado com o alto número de cidadãos alemães que se juntou à organização terrorista no passado, inicialmente, o governo em Berlim queria mudar apenas essa passagem na lei de cidadania.

Serviram de modelo o Reino Unido e a Austrália, onde os jihadistas já podem perder seus passaportes. Stephan Thomae, vice-presidente da bancada parlamentar do Partido Liberal Democrático (FDP), advertiu, no entanto, contra "uma corrida de Estados que retira a própria cidadania, esquivando-se assim da responsabilidade."

Filiz Polat, porta-voz de política migratória e de inclusão do Partido Verde, disse temer problemas em processos judiciais: "Crimes internacionais e violações sérias dos direitos humanos por combatentes alemães do EI podem permanecer impunes". Segundo Polat, a lei da cidadania também não seria o contexto certo para tais ações, mas "o direito penal internacional ou o direito penal alemão".

Estrangeiros casados com mais de uma pessoa estão excluídos da aquisição da cidadania alemã.

A poligamia – o casamento com vários cônjuges – é proibida na Alemanha. A nova lei quer evitar a naturalização de pessoas que se casaram várias vezes no exterior.

Para o vice-presidente da bancada dos conservadores no Bundestag, Thorsten Frei, essa nova passagem é "a coisa mais normal do mundo". "Se, no caso de poligamia, houver um indício muito concreto de que não há um alinhamento às condições de vida alemãs, então não pode haver passaporte alemão."

Linda Teuteberg, secretária-geral do FDP, também disse considerar o casamento plural incompatível com os valores da sociedade alemã: "A abertura não deve ser confundida com a aleatoriedade."

Daniel Thym, professor de direito e especialista em direito migratório na Universidade de Constança, criticou o fato de o legislador considerar problemas como o casamento plural, dos quais há poucos casos, como "algo que divide a sociedade".

As autoridades podem retirar a cidadania por um período de dez anos, em vez de atuais cinco anos, se forem fornecidas informações falsas ou incompletas.

Segundo estimativas da polícia, menos de um terço dos requerentes de refúgio no contexto da crise dos refugiados pôde apresentar um passaporte em 2015. No ano seguinte, uma amostragem aleatória em alguns estados constatou vários passaportes falsos. Nos últimos anos, alguns migrantes fingiram ser sírios para ter mais chances de permanecer na Alemanha.

"Essa extensão de prazo não é pensada", reclamou o político do FDP Stephan Thomae, explicando que quem se candidata à cidadania alemã já vive há pelo menos oito anos na Alemanha. Além disso, o vice-presidente da bancada parlamentar liberal criticou: "É desproporcional retirar de alguém que tenha se integrado bem algo tão fundamental quanto a cidadania."

Filiz Polat, do Partido Verde, foi ainda mais longe: "Além das objeções constitucionais contra a duplicação do prazo, é um sinal intolerável e desintegrativo para os naturalizados. Durante dez anos, todos são apenas alemães até segunda ordem."

Naturalização também depende do "alinhamento às condições de vida alemãs".

Até agora, estrangeiros e estrangeiras recebiam um passaporte alemão se pudessem provar que residiam legalmente há pelo menos oito anos no país, possuíam suficientes habilidades linguísticas e um sustento seguro. O novo requisito adicional – "alinhamento às condições de vida alemãs" – foi formulado em relação ao casamento plural, mas deixa muito espaço para especulações.

"Essa formulação sinaliza um claro passo para trás", criticou Tarik Tabbara, professor de direito público na Universidade de Economia e Direito de Berlim. Segundo Tabbara, ela lembra "os regulamentos dos anos 1950, nos quais a naturalização deveria ocorrer apenas em casos excepcionais, se fosse do interesse do Estado e não uma reivindicação dos afetados".

O especialista disse ver agora "uma margem relativamente grande de manobra para as autoridades em questões de imigração". De acordo com ele, a formulação do alinhamento às condições de vida alemãs é "simplesmente um sinal claro, e os órgãos responsáveis entenderão dessa forma".

Para Tabbara, a reforma é "mais do que apenas uma pequena pincelada na lei de cidadania". Ela mostra até "certo espírito de política restritiva", apontou.

Também Aziz Bozkurt, presidente nacional do grupo de trabalho Migração e Diversidade no Partido Social-Democrata (SPD), disse não poder compreender a inclusão dessa passagem e se referiu a ela como um "parágrafo de cultura dominante que se encaixa no clima atual, impulsionado por populistas de direita".

Segundo Bozkurt, em vez disso, a Alemanha deveria reduzir os altos obstáculos à imigração, e mencionou o exemplo do Canadá: "É um país de imigração, no qual você pode obter a cidadania depois de apenas três anos."

Bozkurt também afirmou considerar problemático o momento da mudança de lei, pouco antes do recesso de verão: "Há alguns políticos que fogem da discussão e se apressam em aprovar a lei dessa forma." Esse já foi o caso da Lei de Retorno Ordenado pelo ministro alemão do Interior, Horst Seehofer, segundo explicou o político do SPD, afirmando que "isso é muito perceptível e não faz bem à cultura democrática".

Daniel Thym, por outro lado, mostrou-se surpreso com o intenso debate sobre a lei. "Aqui não se trata de uma reorientação fundamental da política migratória", analisou o jurista, "ali há demônios que não encontram nenhuma fundamentação na prática atual". Ou seja, as autoridades não tinham nenhum critério: "O 'alinhamento às condições vida alemãs' é totalmente verificável judicialmente."

O especialista em direito migratório instou que as novas regulamentações sejam categorizadas corretamente e elogiou explicitamente o trabalho "sensível" da grande coalizão nessa área: "O governo aborda este tópico de forma muito objetiva, concentrada e calma, para que ele não sofra, por exemplo, abuso no discurso público por parte da AfD."

A conclusão de Thym sobre a discussão em torno da reforma da lei de cidadania: "Tempestade em copo d'água!"

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