Entre a guerra e a paz
20 de junho de 2008Num país cuja população mal tem acesso a água corrente e eletricidade, seria de imaginar que a construção de escolas ficasse em segundo lugar, quanto ao desenvolvimento da infra-estrutura. Afinal, educação parece um luxo, se a casa não tem calefação. Entretanto, no Afeganistão, onde apenas 28% dos 32 milhões de habitantes são alfabetizados, escolas são a chave para a paz duradoura.
"Um povo com formação pode ser responsável por uma reconstrução mais ampla de seu país", afirma uma representante da Associação Feminina Afegã (AFV), ONG alemã que apóia iniciativas para mulheres e crianças no Afeganistão. "Com nossas escolas, queremos possibilitar às crianças obter educação, que consideramos a base da paz, segurança e desenvolvimento no Afeganistão."
Entretanto, é mais fácil falar em "criar paz" do que fazê-lo. Sete anos após o início da guerra liderada pelos Estados Unidos, conflitos ainda afetam o Afeganistão. No explosivo sudoeste do país, a ousada invasão de uma prisão no fim de semana passado culminou com a libertação de cerca de 500 presumíveis membros do Talibã – militantes que agora estão espalhando minas e se preparando para enfrontar as forças da coalizão fora de Kandahar. Outras áreas ao sul de Cabul vivenciam batalhas quase diárias.
"Mandato afegão" na pauta
Esses conflitos causaram problemas para o governo alemão no ano passado. O mandato do país junto às tropas lideradas pela OTAN previa a ação dos soldados alemães como mantenedores da paz e apoio à reconstrução. Entretanto, os EUA pressionam a Europa a ajudar mais no combate à violência das forças rebeldes.
Até então, a Alemanha tem conseguido contornar o apelo e se ater à missão de paz prescrita. Desde 2003, cerca de 3 mil de seus 3.500 soldados permanecem nas relativamente estáveis províncias do norte, apoiando projetos humanitários em Kunduz, Mazar-e-Sharif e Faizabad. Na realidade, não mais de 400 a 500 desses militares abandonam o raio de oito quilômetros dos campos-base.
No entanto, o assunto não foi riscado da pauta. Mais uma vez, o chamado "mandato afegão" será tema de debate político na Alemanha, em outubro próximo.
Falta de visão comum
Atualmente, a Alemanha também está decidindo como repartir os 420 milhões de euros adicionais que se comprometeu a liberar, durante a conferência de doadores para o Afeganistão da semana passada, em Paris. Na quarta-feira (18/06), a ministra alemã do Desenvolvimento, Heidemarie Wieczorek-Zeul, anunciou uma verba de 70 milhões de euros para reconstrução. Outros 70 milhões estão prometidos para a polícia afegã.
Contudo, tomando-se como base a atual velocidade dos gastos, esses 420 milhões de euros deverão ser consumidos em apenas dois meses. Embora a quantia pareça mais do que suficiente, num país onde mais da metade da população vive na pobreza, certos especialistas estão preocupados com a melhor forma de aplicá-la.
"Cada um faz o que bem lhe apraz", comentou o ex-ministro do Interior afegão Ali Jalili, perante os participantes da conferência na semana passada. "Não há uma visão comum para o Afeganistão entre os países doadores."
Fronteiras difusas
De fato, a Alemanha concentra seus investimentos em projetos de desenvolvimento – ajudando a criar redes de comunicação e fundando escolas no Afeganistão. Os Estados Unidos, por sua vez, tendem a se voltar para questões de segurança. Esta disparidade de metas torna a situação extremamente delicada para o governo em Berlim.
"Temos que lembrar que se trata de um experimento para a Alemanha", ressalvou Conrad Schetter, especialista em temas afegães do Centro de Pesquisa de Desenvolvimento da Universidade de Bonn. "Trata-se da primeira grande mobilização militar desde a Segunda Guerra Mundial e o país ainda está tateando o caminho. Os EUA, a Holanda e o Reino Unido têm outro ponto de vista, já que suas ordens são diferentes, suas metas no país são diferentes."
"Um dos problemas na discussão do papel da Alemanha no Afeganistão é o fato de a fronteira entre trabalho de desenvolvimento e empenho militar ser tão difusa", prossegue Schetter. "Cerca de 85% das doações alemãs vão para recursos. Assim, sobra apenas algo entre 10% e 15% para os civis."
Para o especialista, os políticos alemães não deveriam estar discutindo se devem enviar ou não mais tropas para o Afeganistão. Em vez disso, caberia formar uma comissão independente encarregada de estudar as opiniões de especialistas sobre o que tem funcionado naquele país, o que não. Isso traria maior transparência para a opinião pública. "Os cidadãos alemães não são burros", lembra Schetter, "eles querem saber exatamente o que está acontecendo".