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Religião

"A Igreja sempre defendeu os direitos dos povos indígenas"

Nádia Pontes do Vaticano
28 de outubro de 2019

Em entrevista, Dom Erwin Kräutler, bispo emérito do Xingu, afirma que Sínodo para a Amazônia colocou indígenas no centro da atenção e que Igreja Católica vai exigir, como sempre fez, que o governo brasileiro os proteja.

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Indígenas brasileiros no Vaticano durante o Sínodo para a Amazônia
Indígenas brasileiros no Vaticano durante o Sínodo para a AmazôniaFoto: DW/N. Pontes

Aos 80 anos, Dom Erwin Kräutler não se limita a temas referentes à Igreja Católica. Bispo emérito do Xingu, ele é conhecido como grande defensor dos direitos indígenas e da Floresta Amazônica. Em 2010, recebeu o prêmio Right Livelihood Award, conhecido como Nobel Alternativo, por seu trabalho.

Um dos participantes do Sínodo para a Amazônia, convocado pelo papa Francisco e que se encerrou no último domingo (27/10) no Vaticano, Dom Erwin avalia que a situação da disputa de terra na região se agravou muito desde que ele chegou ao Brasil, em 1965.

Questionado sobre declarações do presidente Jair Bolsonaro, o religioso classifica de "absurdo total" as críticas feitas pelo governo ao Sínodo e critica seu posicionamento em relação à Amazônia.

"A ideia é aumentar a exportação em detrimento da própria sobrevivência dos povos que estão na Amazônia. E, desse jeito, os indígenas não vão sobreviver culturalmente, e talvez nem fisicamente", afirma.

Nascido na Áustria, Dom Erwin se naturalizou brasileiro em 1978 e escolheu permanecer no país sul-americano. "Nós [a Igreja Católica] defendemos, diríamos até com unhas e dentes, o direito dos povos de viver num meio ambiente respeitado", disse em entrevista à DW Brasil em Roma.

Dom Erwin Kräutler
"Defendemos, diríamos até com unhas e dentes, o direito dos povos a viverem num meio ambiente respeitado", diz Dom Erwin KräutlerFoto: DW/N. Pontes

DW Brasil: O Sínodo para a Amazônia foi bastante criticado pelo governo brasileiro. Como o senhor avalia essas críticas?

Dom Erwin Kräutler: Disseram que o Sínodo comprometia a soberania nacional. É um absurdo total. Imagine esses bispos da Amazônia vindo para Roma para discutir se a Amazônia vai ser internacionalizada ou não. É um absurdo. Quem pensa um negócio desses, eu não sei onde foi buscar.

Não se trata da soberania nacional. Nós [a Igreja Católica] defendemos, diríamos até com unhas e dentes, o direito dos povos de viver num meio ambiente respeitado. A gente defende os povos indígenas. Eles não podem viver numa área de deserto. Tem ainda os povos isolados, que procuram ficar longe dessa chamada "civilização" e que precisam da natureza para sua sobrevivência.

E como o senhor vê esse movimento de maior aproximação entre a instituição Igreja Católica e os povos da Amazônia?

A Igreja, na verdade, sempre defendeu o direito dos povos indígenas e o meio ambiente. O Cimi [Conselho Indigenista Missionário] foi criado em 1973. Agora os povos indígenas se tornam o centro da atenção da Igreja Católica com um papa convocando um Sínodo em Roma, e não em Belém, por exemplo. É mesmo para chamar a atenção do mundo inteiro. E por isso o governo ficou com medo do que estão falando da Amazônia brasileira aqui em Roma.

Mas não se trata de falar por falar. E sim de atuar sempre na busca da defesa desses povos. Agora o Brasil tem a obrigação, e isso a Igreja vai exigir, como sempre fez, que o governo olhe para esses povos e os defenda. O Cimi fez isso todos esses anos.

Levamos muita pancada ao longo desses anos ouvindo que isso não era assunto da Igreja Católica, que teria apenas que batizar, converter, "civilizá-los", "amansá-los", e tudo isso. Um absurdo.

O senhor foi reconhecido com o chamado Nobel Alternativo pelo trabalho em defesa dos direitos dos povos indígenas na Amazônia. Como o senhor avalia a situação atual dessas populações no Brasil?

A situação anti-indígena e desfavorável à Amazônia é gravíssima. E isso não é por causa do senhor que está acima no governo. Dentro do Congresso, há muita gente que está rezando pela mesma coisa. Isso é gravíssimo. Na década de 1980 nós lutamos tanto pela inserção dos direitos indígenas na Constituição Federal junto com os povos. O Cimi se aliou a essas populações naquela época, e lutamos muito.

Agora, parece, tem gente que se entende acima da Constituição. Os artigos 231 e 232 são claríssimos, além das disposições transitórias, que falam que as áreas indígenas deveriam ser demarcadas dentro de cinco anos após a promulgação da Constituição de 1988. E hoje não estamos na metade.

Eles não sobrevivem sem a terra. A gente fala hoje em índios urbanos, mas não é a mesma coisa. Na cidade eles estão fadados a perder a língua e cultura. Na cidade, os indígenas que eu conheço, têm dificuldade em se achar. Na cidade, parece que se perde o cordão umbilical.

Desde que chegou à Amazônia, em 1965, o senhor percebe o agravamento pela disputa da terra?

Cheguei um ano depois do começo da Ditadura Militar. Mas eu tenho a impressão de que hoje é mais aguda a luta pela terra. A Transamazônica cortou a região de leste a oeste, e isso aumentou a disputa. Depois veio o desmatamento total, inescrupuloso, criminoso até. Entre os quilômetros 120 e 140 da Transamazônica havia reservas florestais dos dois lados – um lado era aldeia indígena. De repente, derrubaram tudo.

Quando se tem uma lei, mas não existe fiscalização, não adianta. A fiscalização do Ibama na Amazônia é para lá de precária. O novo governo assumiu no dia 1º de janeiro, e as invasões já começaram porque esses invasores pensavam que tinham o presidente guardando a retaguarda.

Roubo de madeira já existia, mas agora eles se sentem com a força de alguém que está "abençoando" tudo o que fazem.

O senhor viu na prática a implementação do governo militar a partir de 1964, que tinha a política de ocupação da Amazônia baseada no lema "integrar para não entregar". O senhor enxerga paralelos com o governo atual?

Naquela época o projeto era geopolítico. A Amazônia, para os militares, era o calcanhar de Aquiles do Brasil, pois tinha pouca gente. O interessante é que, logo depois que começou a construção da Transamazônica, começou também a dos quartéis, e vários ficaram.

Hoje, eu não sei, eu não entendi ainda. Para mim, a razão desse desrespeito à Amazônia e seus povos é financeira. O presidente coloca na cabeça que temos que abrir a Amazônia para a exportação. E o que são as exportações? Soja e carne. Então se derruba a selva para conseguir pasto para o gado, e a soja vai entrando pelos fundos.

A ideia é aumentar a exportação em detrimento da própria sobrevivência dos povos que estão na Amazônia. E, desse jeito, os indígenas não vão sobreviver culturalmente, e talvez nem fisicamente.

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