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A disputa entre direita e esquerda na bancada feminina

Karina Gomes
11 de outubro de 2022

A partir de 2023, 60% das mulheres na Câmara serão de direita. Já entre as quatro senadoras eleitas neste ano, três são da base do governo. Especialistas preveem embates ideológicos entre progressistas e conservadoras.

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Damares Alves
O Brasil elegeu mulheres que ganharam destaque durante o governo Bolsonaro, inclusive com a defesa de pautas antifeministas, como a ex-ministra Damares AlvesFoto: Eraldo Peres/AP/picture alliance

A nova bancada feminina na Câmara dos Deputados é majoritariamente de direita: 60% das deputadas são de partidos direitistas, e 40%, de siglas de esquerda. A constatação é da cientista política Karolina Roeder, doutora e professora de Ciência Política na Uninter, com base em dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e numa classificação ideológica de partidos feita recentemente.

Ainda assim, a legenda que mais elegeu deputadas federais em 2022 foi o PT, com 18 parlamentares. Logo atrás aparece o PL, do presidente Jair Bolsonaro, de extrema direita, com 17.

Considerando o total de 513 deputados, a composição ideológica da Câmara tem uma maioria ainda mais ampla de direitistas, 76%, enquanto a esquerda é representada em 24% dos assentos.

Progressistas vs. conservadoras

No campo progressista, foram eleitas as duas primeiras mulheres trans da história do Congresso, Duda Salabert (PDT-MG) e Erika Hilton (Psol-SP), além de duas ativistas indígenas, Sônia Guajajara (Psol-SP) e Célia Xakriabá (Psol-MG).

O Paraná elegeu a primeira mulher negra para o cargo de deputada federal pelo estado: Carol Dartora (PT-PR). Deputadas federais progressistas que já cumpriam mandatos foram reeleitas, como Luiza Erundina (Psol-SP), Sâmia Bomfim (Psol-SP), Talíria Petrone (Psol-RJ) e Benedita da Silva (PT-RJ).

Já no campo ideológico da direita e extrema direita foram eleitas mulheres que "ganharam destaque durante o governo Bolsonaro, inclusive com a defesa de pautas antifeministas", afirma Beatriz Rodrigues Sanchez, doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo (USP) e pós-doutoranda pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).

Expoentes do bolsonarismo foram reeleitas, como Bia Kicis (PL-DF), Carla Zambelli (PL-SP) e Caroline de Toni (PL-SC). A armamentista Julia Zanatta (PL-SC) terá seu primeiro mandato.

"Não teremos uma bancada feminina predominantemente de extrema direita a partir do ano que vem, com pautas conservadoras sendo o mote da bancada. Mas, sim, haverá um tensionamento entre progressistas e conservadoras, tal como temos hoje na sociedade", projeta Karolina Roeder. "Entre esses dois campos ideológicos, teremos as deputadas menos ideológicas e mais voláteis, que mudarão de posicionamento a depender do momento e da opinião pública."

 Sônia Guajajara
Representante da bancada progressista, a ativista indígena Sônia Guajajara foi eleita para a CâmaraFoto: Felipe Beltrame

Pautas prioritárias

Roeder prevê embates ideológicos, mas pondera que o campo da direita não é homogêneo. "Nem todas as mulheres eleitas de direita terão posicionamento alinhado com o bolsonarismo. Pode haver pautas, como a da pobreza menstrual colocada na atual legislatura, em que há a união de mulheres da esquerda e da direita", opina.

Já Beatriz Sanchez acredita que divergências ideológicas "provavelmente dificultarão alianças entre a bancada feminina".

Segundo a cientista política, as pautas prioritárias deverão ser as que historicamente têm "maior convergência entre a bancada feminina como, por exemplo, o combate à violência doméstica e políticas públicas relacionadas ao empoderamento econômico das mulheres".

"No entanto, em pautas como os direitos sexuais e reprodutivos, as divergências serão maiores", pondera. "Por isso, é importante que não somente votemos em mulheres, mas que nos preocupemos com as pautas defendidas por elas. É preciso que as pautas defendidas pelas parlamentares promovam a igualdade de gênero para todas as mulheres, e não somente para poucas, considerando clivagens de raça, classe, orientação sexual, idade, território, entre outras."

Roeder prevê ainda a inclusão de pautas até então ignoradas, como os direitos LGBTQ+, mas "haverá reação das deputadas bolsonaristas". "Haverá tensionamentos dentro da bancada feminina, assim como no parlamento, e o presidente eleito no segundo turno deverá influenciar a dinâmica ideológica dentro da Câmara, influenciando as deputadas menos ideológicas", complementa.

Machismo partidário

O Brasil é o pior país da América Latina no ranking mundial de participação de mulheres no Legislativo. Segundo a União Interparlamentar (UIP), o país está na 145ª posição entre 193 países e, com as eleições deste ano, deverá subir para a 132ª. 

Apesar de as mulheres serem a maioria da população (52%), a representatividade feminina no Congresso Nacional segue abaixo da média mundial, de 26,4%. Na Câmara, foram eleitas 91 mulheres em 2022, aumentando de 15% para 17,7% a representatividade feminina na Casa.

Já no Senado, entre as 27 vagas que estavam em disputa nestas eleições, apenas quatro mulheres foram eleitas. Três são da base aliada do governo: as ex-ministras Damares Alves (Republicanos-DF) e Tereza Cristina (PP-MS), e Professora Dorinha (União-TO). Já Teresa Leitão (PT-PE) representará a oposição.

Somadas às eleitas anteriormente, serão ao todo dez senadoras a partir de 2023 (12,3% do total de parlamentares), duas a menos que no início da legislatura anterior, em 2019, quando eram 12.

"Isso demonstra a persistência das barreiras estruturais para uma maior inclusão de mulheres na política, e especialmente o machismo institucional dos partidos", destaca Sanchez. "As expectativas foram frustradas. Estamos avançando, mas a passos muito lentos."

"Para chegar perto da paridade, precisaríamos de mais cinco eleições. Então, só em 2042. A culpa é dos partidos que não investem de forma adequada em criar novos quadros e apoiar candidaturas de mulheres que sejam viáveis", diz Débora Thomé, pesquisadora do Centro de Política e Economia do Setor Público (Cepep) da Fundação Getulio Vargas (FGV).

Definições nos estados 

A situação é semelhante entre deputadas estaduais. Segundo apuração do instituto Datafolha com base em dados do TSE, o número de mulheres nas assembleias legislativas dos estados cresceu 16%, mas a alta ficou abaixo da registrada em 2018. Nas eleições daquele ano, quando ainda não valia a regra de distribuição do fundo eleitoral e tempo de propaganda proporcional a candidaturas femininas e negras, houve um salto de 38% em comparação com 2014.

Agora, das 1.059 vagas de deputados estaduais em todo o país, mulheres irão ocupar 190 delas (18% do total). 

PT e PL foram os partidos que mais elegeram deputadas estaduais. Em números absolutos, a candidatura feminina mais votada do país para as assembleias legislativas foi um mandato coletivo formado por cinco mulheres negras, a Bancada Feminista (Psol-SP), com quase 260 mil votos.

São Paulo é o estado que terá a maior ampliação da bancada feminina, de 18 para 25 parlamentares. Os estados que terão maior representação feminina são Amapá e Maranhão, ambos com 29% de mulheres. Já Minas Gerais registrou eleição expressiva de candidaturas negras e de esquerda.

As leis e resoluções do TSE para aumentar a participação de mulheres em cargos legislativos ainda têm efeito tímido.

"Uma regra de candidaturas não é uma reserva de vagas, não cria uma cota de eleitas. Quando foi criada a cota, aumentou também o número de candidaturas por partido. Isso dilui a força da cota, que se torna praticamente irrelevante", critica Larissa Peixoto Gomes, doutora em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pesquisadora do Wales Governance Centre, da Universidade de Cardiff.