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Potência econômica

17 de março de 2010

Em entrevista, correspondente do jornal alemão "Handelsblatt" no Brasil diz que o país está no caminho para tornar-se potência econômica mundial e analisa as razões que levaram ao fortalecimento da economia brasileira.

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Plataforma P-40 da Petrobras no Rio de JaneiroFoto: AP

Deutsche Welle: O Brasil está sendo cada vez mais elogiado na imprensa internacional pelas suas virtudes econômicas. Como o senhor vê isso?

Alexander Busch: A prova mais recente de que o Brasil pode exercer um novo papel econômico foi a recente crise. Nos últimos quatro, cinco anos, o Brasil ficou, tanto no aspecto político como econômico, mais forte e mais importante na economia mundial.

Primeiro, houve o aumento no preço das matérias-primas, como o minério de ferro, que alcançaram um novo nível de preços devido à demanda.

Depois vieram os biocombustíveis, que há dois ou três anos eram o hype, e o Brasil sabia como oferecê-los em grande escala.

Aí veio o tema petróleo, com as grandes reservas na costa brasileira, como o Pré-Sal, que podem transformar o Brasil num dos grandes produtores mundiais de petróleo nos próximos dez anos.

Essas foram etapas no caminho do Brasil para se tornar uma potência econômica mundial. Mas aí veio a crise, e muitos pensaram que o Brasil mais uma vez iria sucumbir.

Mas o Brasil conseguiu sobreviver a essa crise, a mais forte dos últimos 70 anos. Por um lado, graças a aspectos que já estavam dados, como uma economia fechada e um forte mercado interno; por outro lado, graças à ação do governo. E ter sobrevivido à essa crise foi a prova de que o Brasil é hoje uma economia forte e estável.

Por que a economia brasileira é forte hoje?

Diferentemente das outras economias emergentes, de forte integração na economia mundial, o Brasil conseguiu sobreviver graças ao seu mercado interno, que foi consolidado com as políticas adotadas pelo governo nos últimos anos.

Há novos grupos de renda, há uma classe média crescente e há empresas fortes, com acesso ao mercado de capitais, que podem ir à bolsa e conseguir dinheiro mesmo em época de crise. Isso fez o Brasil alcançar um novo nível de estabilidade.

Além disso, o Brasil usa de forma muito hábil os recursos de que dispõe, tanto financeiros como também os novos mercados que se abriram em nível mundial, como a China.

Ou seja, de um lado há o mercado interno, com uma nova estrutura de renda e com um novo consumo, também em setores totalmente novos, como o imobiliário, no qual há um boom no momento – há cinco anos praticamente não havia crédito imobiliário no Brasil, exceto algumas poucas linhas de crédito governamental para a construção de casas.

E de outro lado há o mercado externo, no qual o Brasil conseguiu se inserir nos últimos anos como um importante fornecedor de matérias-primas para a economia mundial.

O mercado interno se tornou maior graças à ação do governo, por meio de programas sociais como o Bolsa Família?

Brasilien Weltsozialforum in Porto Alegre Präsident Luiz Inacio Lula da Silva
Ajuda social do governo Lula elevou o consumoFoto: AP

Sim, esse foi um passo importante. Na sequência da estabilização da economia – e aqui se pode dizer que a estabilização de uma economia ainda é a melhor política social – na sequência dessa estabilização, mantida pelo governo Lula desde 2003, vieram as ações sociais.

Num país em que praticamente não havia nenhuma ajuda social, há de repente uma ajuda mínima, o que, em comparação com o nada de antes, é um passo enorme.

Essa ajuda social tornou possível o consumo de massas e permitiu que empresas passassem a investir nesses segmentos de massa, o que antes elas não faziam.

Esses dois passos – estabilização da economia e programas sociais – foram importantes. A eles se deve acrescentar o que todos os governos do mundo fizeram, alguns melhor, outros pior, que foi a política fiscal e de juros durante a crise.

O Brasil reagiu de forma rápida: colocou dinheiro à disposição dos bancos, os bancos estatais compraram instituições enfraquecidas, houve redução de impostos para a indústria automobilística e outras medidas para aquecer o consumo Isso tudo foi muito importante, também.

O mercado financeiro brasileiro também não apresentou problemas durante a crise, principalmente em comparação com a Alemanha e os Estados Unidos. O que o Brasil fez certo nesse setor?

São duas coisas. O Brasil passou por uma crise financeira muito forte em 1995, na sequência do "efeito tequila", a crise que nasceu no México. Nessa época houve um processo de limpeza e o controle sobre os bancos foi extremamente elevado. As reservas que os bancos precisam ter no Brasil são muito maiores do que em outros países.

Essa já é uma vantagem. Além disso, há uma subvenção estatal indireta na medida em que os bancos emprestam dinheiro ao governo a juros muito altos. Durante muitos anos, esse foi o principal negócio deles e, na prática, acabaram sendo subvencionados.

O que mais contribuiu para essa boa fase do Brasil?

Buchcover Alexander Busch Wirtschaftsmacht Brasilien
'Wirtschaftsmacht Brasilien', de Alexander BuschFoto: HANSER

Há ainda a política externa do governo Lula, que diversificou os mercados para as exportações brasileiras. Não são mais apenas os Estados Unidos e a Europa os principais mercados, mas também a África, a América Latina e o Oriente Médio são cada vez mais fortes. Isso se deve em parte às ações do governo Lula, em parte à nova demanda.

Isso significa que, quando o mercado nos Estados Unidos ou na Europa cai em épocas de crise, outros mercados, principalmente a China, podem neutralizar um pouco esse efeito. Essa foi também uma política muito hábil, criticada no início, mas que se mostrou acertada.

Ou seja, o senhor afirma que essa ascensão não é uma bolha que pode estourar a qualquer momento, mas um desenvolvimento sustentado.

É com certeza um desenvolvimento sustentado, a questão é saber para onde ele irá. A maioria dos prognósticos dos bancos parte do princípio de que o Brasil crescerá 5% ao ano durante uma década. Se o Brasil conseguir isso, será um passo tremendo.

O senhor diz no seu livro que o Brasil é um teste para a democracia. O que quer dizer com isso?

O Brasil é um dos poucos grandes países democráticos do mundo que tentam saltar para a condição de país desenvolvido. Esse não é caso da China e da Rússia. O Brasil e a Índia são os países que tentam dar esse passo rumo ao desenvolvimento na condição de democracias.

Para nós, europeus, que defendemos uma combinação entre democracia e economia de mercado, o Brasil é um exemplo importante, ao qual devemos prestar atenção – lá está um país que tenta dar esse passo seguindo o caminho democrático.

Porque se ouve com frequência que as coisas funcionam muito melhor na China porque o país é regido de forma autoritária. Por causa da China, nos últimos anos esse modelo de desenvolvimento econômico autoritário experimentou um forte crescimento. E o Brasil é a antítese desse modelo.

Alexander Busch é jornalista e um dos mais conhecidos correspondentes alemães no Brasil. Ele escreve para vários jornais e revistas, entre eles o diário econômico Handelsblatt. É autor do livro Wirtschaftsmacht Brasilien – Der grüne Riese erwacht (Potência Econômica Brasil – o gigante verde desperta), lançado em 2009 na Alemanha pela editora Hanser.

Entrevista: Alexandre Schossler

Revisão: Roselaine Wandscheer