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ConflitosSudão do Sul

O penoso regresso dos refugiados ao Sudão do Sul

Isaac Mugabi
12 de julho de 2023

A guerra no Sudão obrigou milhares de sul-sudaneses que tinham fugido do conflito no seu país a regressar a casa. As organizações internacionais queixam-se de falta fundos para prestar assistência aos retornados.

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Refugiados sul-sudaneses
Milhares de sul-sudaneses refugiados no vizinho Sudão estão de regresso ao seu paísFoto: Isaac Mugabi/DW

Milhares de sul-sudaneses que fugiram para o Sudão quando estalou a guerra 2012, estão a regressar, desta vez para escapar ao conflito no seu país de acolhimento. Estão a ser instalados em campos congestionados por mais de dois milhões de deslocados internos, onde escasseiam todas as necessidades básicas como abrigo, comida e água.

Muitos não têm como regressa às suas povoações, arrasadas pelas inundações dos últimos quatro anos ou destruídas pelos combates entre as diferentes fações beligerantes sul-sudanesas. As organizações humanitárias que assistem os repatriados dizem que estão sobrecarregadas e apelam por mais fundos à comunidade internacional. O Gabinete de Coordenação dos Assuntos Humanitários das Nações Unidas (OCHA) conta com um número elevado de retornados nos próximos tempos.

O regresso relutante

Em Bentiu, o distrito de Rubkona no estado de Unity, os retornados, na sua maioria mulheres e crianças, contaram à DW histórias angustiantes sobre a sua fuga do conflito no Sudão e a viagem de regresso a casa. Só poucos conseguiram regressar em aviões colocados à disposição por agências humanitárias. A maioria regressou por estrada ou por água, em viagens árduas e perigosas de muitos dias.

Martha Nyakuma Mawech, de 35 anos, abandonou o Sudão do Sul em 2013, depois de a sua aldeia ter sido atacada. Construiu uma vida nova no Sudão, onde tencionava ficar. "Não pensava regressar porque o Sudão do Sul ainda está em crise", disse Mawech à DW.

Minas no Sudão do Sul
As minas são um dos muitos perigos enfrentados pelos refugiados que tornam ao país Foto: Sira Thierij/DW

O seu regresso foi repleto de dificuldades. Viajou durante muitos dias, desviando-se de balas e fugindo à morte. Não tinha nem comida, nem água suficientes.

"Não consigo encontrar palavras para descrever a viagem. Muitas pessoas foram mortas a tiro. Algumas morreram à fome. Foi difícil", disse ela.

Samuel Riek Taran, de 21 anos, deixou o Sudão do Sul em busca de segurança. Contou à DW que ele e outros refugiados foram maltratados no Sudão: "Muitas vezes violavam as nossas mulheres e levavam as com pele mais clara".

Quando estalou a guerra no Sudão, Taran juntou-se a outros para regressar a casa.

"Reunimo-nos em Cartum e decidimos que tínhamos de partir e tirar de lá as nossas famílias. Comprámos um carro, pegámos nas nossas coisas e fomos para a fronteira com o Sudão do Sul. Vendemos o carro na fronteira e apanhámos um barco", disse Taran. Navegaram pelo rio Nilo durante seis dias até chegarem ao Sudão do Sul.

Sonhos desfeitos

Kerbino Kwai Luol e a sua mulher Nyabim Gai
Kerbino Kwai Luol e a sua mulher Nyabim Gai foram assaltados no caminho de regresso, perdendo todas as suas economiasFoto: Isaac Mugabi/DW

Kerbino Kwai Luol, de 37 anos, e a sua mulher, Nyabim Gai, de 29 anos, fugiram do Sudão do Sul em 2013, no auge da guerra entre as forças governamentais e os combatentes de Riek Machar.

Depois de conquistar a independência em 9 de julho de 2011, o Sudão do Sul esteve envolvido em quase uma década de conflitos tribais entre a etnia dominante dinka do Presidente Salva Kiir, e os nueres do seu antigo rival, agora vice-Presidente, Riek Machar. Cerca de 400.000 pessoas morreram nesta guerra.

"No Sudão constatámos que a vida era melhor", disse Luol. "Embora inicialmente não possuíssemos nada. Mas com o decorrer do tempo conseguimos estabelecer-nos bem, até sermos novamente deslocados pela guerra no Sudão. Não tínhamos nada quando partimos e agora voltámos sem nada", disse Kerbino.

O trabalho no Sudão permitiu a Kerbino e à sua mulher poupar algum dinheiro para lançar um pequeno negócio passível de sustentar a família.

"Eu comprava roupas no Sudão e enviava-as para o Sudão do Sul. Ali o meu agente vendia a roupa e enviava-me o dinheiro de ", disse Kerbino à DW. O que lhe permitiu iniciar a viagem de regresso com algum dinheiro no bolso.

"Tinha 1,5 milhões de libras sudanesas (2 280 euros). Tinha planeado utilizar o dinheiro para ajudar a minha família durante a reestabelecer-se no Sudão do Sul. Mas, infelizmente, fomos assaltados por homens armados no caminho que nos roubaram todo o dinheiro".

Organizações de ajuda humanitária sobrecarregadas

A Cruz Vermelha Internacional no Sudão do Sil
As organizações internacionais queixam-se de falta de fundos para prestar assistência básica a retornados e deslocadosFoto: Stefanie Glinski/picture alliance/dpa

Caroline Nakidde Sekyewa, diretora nacional do Comité Internacional de Resgate (IRC) no Sudão do Sul, disse à DW em Juba que "os refugiados estão a regressar a situações em que os serviços sociais, o acesso à alimentação, à educação, aos cuidados de saúde e à higiene já são muito limitados".

Mesmo antes da chegada dos retornados, os campos de deslocados internos de Rotriak, atingidos pelas cheias, já enfrentavam dificuldades, de acordo com um relatório de junho de 2023 do OCHA.

Os retornados que se instalaram em Rotriak aumentaram o número de pessoas que dormem e vivem ao relento por falta de abrigos, tornando a comunidade cada vez mais vulnerável, diz a agência da Nações Unidas.

Caroline Sekyewa, do IRC, afirma que a falta de fundos está a contribuir para a deterioração da situação.

"O plano de resposta humanitária está financiado a menos de 40%. A atual situação humanitária precisa de ser mais bem financiada. E depois há ainda que lidar com a crise no Sudão, onde há muitos deslocados", disse Sekyewa à DW.

Prevê-se que em 2023 mais de 7,8 milhões de pessoas no Sudão do Sul sofram de alimentação deficiente. De acordo com o Comité Internacional de Resgate, a fome e a inanição no Sudão do Sul poderão ser mais graves do que durante a guerra civil.

O espetro da fome

A insegurança alimentar vai obrigar mais de três em cada cinco sul-sudaneses a renunciar a refeições diárias ou a vender bens para comprar comida. Cerca de 43.000 pessoas correm o risco de morrer à fome, alerta o IRC.

Fome no Sudão do Sul
A fome ameaça um número crescente de sul-sudanesesFoto: Tony Karumba/AFP via Getty Images

Todos os dias chegam ao norte do país centenas de repatriados. Vêm de avião, de carro ou de barco, atravessando as águas das cheias que recentemente devastaram o Sudão do Sul. Uma vez registados em Bentiu, os retornados são levados em camiões para o centro de acolhimento de deslocados de Rotriak.

Até à data, chegaram a Rortiak mais de 26.000 refugiados sul-sudaneses. Mas a sua a chegada não significa o fim das dificuldades.

O diretor de assistência e reabilitação do distrito de Rubkona, William Bakuony, apelou a uma maior assistência dos parceiros internacionais, porque o Governo de Juba não tem recursos suficientes para apoiar os retornados.

"Eles estão a fugir da guerra e precisam de muitas coisas. Alguns estão doentes e necessitam de medicamentos. Precisam de comida e abrigo suficientes", disse Bakuony à DW.

O início das chuvas pode piorar ainda mais a situação. O IRC disse esperar ser capaz de "aumentar o nível de serviços aos retornados" nos locais onde mantém operações.

"Talvez possamos dar algum tipo de resposta decente, pelo menos humanitária, às pessoas que estão a regressar. Mas é necessária uma resposta muito maior do que apenas resposta humanitária", disse Sekyewa do IRC.

Após quase uma década de conflito, e apesar dos esforços para implementar o acordo de paz de 2018, o Sudão do Sul continua a debater-se com violência esporádica, insegurança alimentar crónica e inundações devastadoras, que afetam os progressos na frente humanitária.