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Angola reage aos resultados das eleições

Raquel Loureiro | Thiago Melo | António Cascais (em Luanda) | Daniel Vasconcelos | Borralho Ndomba | Nelson Francisco Sul (Lunda Norte) | Manuel Luamba | António Ambrósio | Ariana Miranda | Lusa
26 de agosto de 2022

Apesar da contestação da oposição aos resultados da CNE, que dão vitória ao MPLA, partido de João Lourenço já canta vitória e agradece confiança do povo. Polícia deteve oito pessoas em protesto em Benguela.

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Angola Polizisten
Foto: Siphiwe Sibeko/Reuters

Os principais acontecimentos do dia:

 

- CNE indefere reclamação da UNITA sobre divulgação dos resultados eleitorais

- CASA-CE vai interpor recurso junto do Tribunal para impugnar resultados 

- PRS também não reconhece resultados eleitorais

- Delegados da lista da UNITA detidos no Bengo foram libertados

- Oito detidos em protesto contra fraude eleitoral em Benguela

- MPLA diz que não se "faz pacto de regime quando se tem uma maioria absoluta"

 

Um dia após a divulgação dos resultados da contagem provisória dos votos das eleições de quarta-feira (24.08) pela Comissão Nacional de Eleições, e que dão vitória ao Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), com 51% dos votos, o ambiente na capital angolana é de "contestação".

Em Benguela, os agentes da polícia nacional detiveram, esta sexta-feira (26.08), oito jovens que protestavam contra a fraude eleitoral no município do Lobito. 

Segundo o correspondente da DW nesta província, o protesto teve lugar no Bairro da Bela Vista Alta, tendo a polícia recorrido a armas de fogo para dispersar os manifestantes. 

Entretanto, no Bengo, estão já em liberdade os seis delegados de lista da UNITA que foram detidos no município de Nambuangongo, durante o ato de votação, na quarta-feira. Na altura, foram acusados de falsificação de ata eleitoral.

Depois de transportados por cerca de 150 quilómetros e apresentados ao Ministério Público, receberam a ordem de liberdade por falta de prova que sustenta a acusação. 

Os acusados contam que estavam na posse de uma ata simulada usada na formação promovida pela direção do seu partido e que não entendem a razão da detenção dos outros cinco delegados, já que apenas um estava na posse do documento.

Também esta sexta-feira, a CNE anunciou que indeferiu a queixa da UNITA sobre a divulgação dos resultados eleitorais, por não estar de acordo com a legislação. Segundo Lucas Quilundo, porta-voz da CNE, a queixa foi rejeitada porque "o requerimento foi apresentado de forma irregular" e a "fundamentação jurídica não estava de acordo com o que a lei estabelece".

Clima de "contestação"

Esta quinta-feira, após o anúncio dos resultados, que colocam a UNITA em segundo lugar, com cerca de 44,05% dos votos, registaram-se alguns "distúrbios" na capital.

De acordo com o correspondente da DW em Luanda, Nelson Francisco Sul, "há uma rejeição aos resultados anunciados pela Comissão Nacional de Eleições. Sente-se de facto que a população tem sede de mudança".

Ambiente de "contestação" em Luanda, após anúncio dos resultados provisórios

Numa altura em que decorre ainda a contagem paralela dos votos que a União Nacional para a Independência Total de Angola (UNITA) está a levar a cabo, o partido pede calma aos seus apoiantes.

Em declarações esta quinta-feira, o dirigente da UNITA, Ruben Sicato, explicou que a UNITA está a assumir uma posição "responsável" e deve contar as atas e ter a certeza antes de reivindicar vitória. 

MPLA canta vitória

Já o MPLA dá a vitória como garantida e minimiza as queixas da oposição. Na sua conta da rede social Twitter, o partido liderado por João Lourenço agradeceu esta manhã ao povo a confiança.

"Obrigado a todos os angolanos por estarem a construir o nosso país", afirma João Lourenço no vídeo publicado.

Horas mais tarde, havia a expectativa que João Lourenço daria uma conferência de imprensa na sede do partido, em Luanda. No entanto, o líder do MPLA abandonou o local sem prestar declarações. 

Já o secretário para a Informação do partido avançou aos jornalistas que o partido fará a avaliação do processo eleitoral "no seu todo" e apenas após a divulgação dos resultados definitivos. Na mesma ocasião, Rui Falcão frisou que "em nenhuma parte do mundo se faz pacto de regime quando se tem uma maioria absoluta". E disse ainda que o MPLA "ganhou e bem".

O porta-voz do MPLA reafirmou ainda que é intenção do partido avançar com a criação de autarquias no próximo mandato, num momento em que a oposição ganhou a província de Luanda nas eleições gerais. Em resposta à convivência com um poder local de outra cor partidária, Rui Falcão minimizou: "Mas qual é o problema? Eu não percebo onde está o problema, democracia é isso mesmo, habituamo-nos a ela e nós estamos a fazer um esforço muito grande de pedagogia, de auto pedagogia". 

Para já, Rui Falcão espera que a UNITA admita a derrota, criticando a manifestação anunciada pelo partido para este sábado. Questionado sobre a realização do protesto, Falcão afirmou que "a UNITA é que tem de explicar quais são os objetivos da sua manifestação".

CASA-CE interpõe recurso

A Convergência Ampla de Salvação de Angola - Coligação Eleitoral (CASA-CE) anunciou hoje que vai interpor recurso junto do Tribunal Constitucional para impugnar os resultados das eleições, considerando-os "de longe fraudulentos" e "gravemente" lesivos da "verdade eleitoral".

"Ciente do seu bom desempenho em sede da campanha eleitoral", afirma a coligação liderada por Manuel Fernandes em comunicado, "irrefutável aos olhos de Angola e dos angolanos", a CASA-CE "garante que vai, em breve, nos termos da Constituição e da Lei, interpor competente recurso junto do Tribunal Constitucional, no sentido de se exigir a reposição da verdade eleitoral". 

Na mesma nota, o partido apela aos seus "militantes, amigos, simpatizantes e povo angolano em geral, serenidade, coragem e bom ânimo", neste "momento de tensão à volta dos resultados provisórios divulgados pela CNE".

A Convergência Ampla de Salvação de Angola - Coligação Eleitoral já havia anunciado, esta quinta-feira, que não aceitava os resultados apresentados. A CASA-CE, que na última legislatura contava com 16 deputados na Assembleia Nacional, não deverá eleger deputados nestas quintas eleições angolanas.

Partidos desapontados

Também o Partido de Renovação Social (PRS), que à luz dos resultados provisórios ocupará a terceira posição do círculo nacional com 1,13% dos votos, não reconhece os resultados da CNE e anunciou que vai recorrer também ao Tribunal Constitucional depois de concluir as suas contagens paralelas.

Esta sexta-feira, o presidente do partido Benedito Daniel classificou os resultados divulgados de "irreais", sobretudo pela mobilização que o partido fez pelo país.

"Esperamos que estes resultados provisórios venham, depois, a confirmar-se com a realidade das atas sínteses, que temos, para que estas eleições sejam consideradas livres e justas", salientou.

Angola | Präsident Joao Lourenco MPLA
Resultados da CNE dão vitória ao MPLA com 51% dos votosFoto: Stringer/REUTERS

Já o vice-presidente do Partido Humanista de Angola (PHA), que deverá conseguir eleger dois deputados na sua estreia, diz que os dados são satisfatórios.

"A nossa projeção é positiva, pelo lugar em que estamos, apesar de ser provisória, mas esperamos que os resultados definitivos tragam uma resposta mais positiva do que essa", disse Fernando Diniz.

Num comunicado enviado à imprensa, o partido liderado por Bela Malaquias considera, no entanto, que a taxa de abstenção, cifrada acima de 54%, "não é real" porque a CNE "não está a divulgar a base dos resultados eleitorais" na sua página da internet como estabelece a lei. Os eleitores, argumenta o partido, "devem poder ver mesa a mesa, assembleia a assembleia, quais são de facto as mesas de voto já escrutinadas".

Já o Partido Nacional para a Justiça em Angola (P-Njango), que é também estreante, diz-se "desapontado" com os resultados.

"Percorremos o país quase inteiro e nós encontrámos muita simpatia e, por isso, as nossas projeções iniciais de conseguirmos entre 8 e 32 deputados, mas são eleições e o que temos de fazer agora é aceitar os resultados e trabalhar", afirmou em entrevista à Lusa, o presidente do partido, Dinho Chingunji.

Contagem paralela

Para já, a contagem paralela dos resultados eleitorais feita pelo Movimento Cívico Mudei dá vantagem à UNITA com 51%, seguindo-se o MPLA com 45%, num total de 196.547 votos válidos de 18 províncias escrutinadas. Estes números correspondem a 1,7% das atas que o movimento tratou, explicou em entrevista ao enviado da DW a Luanda, António Cascais, uma das responsáveis do movimento. 

Alexandra Gamito afirma que os números divulgados pela CNE não são credíveis e explica porquê: "houve assembleias de voto que nem sequer fecharam. Temos casos de atas não recolhidas, portanto do ponto de vista logístico é quase impossível que o MPLA tenha conseguido tratar todo o país em 24h. Para além do mais, não é credível porque não estamos a ver as atas-síntese publicadas no site da CNE".

A DW visitou as instalações do movimento cívico Mudei, em Luanda. Saiba um pouco mais dos bastidores desta organização da sociedade civil. 

Também em declarações à DW, esta sexta-feira, o coordenador da organização não-governamental OMUNGA, João Malavindele, diz ter sido surpreendido pelos resultados anunciados pela CNE, uma vez que era conhecido o "nível de insatisfação" dos angolanos. 

Reações da comunidade internacional

As missões internacionais de observação às eleições angolanas reuniram-se, esta tarde, em Luanda, para dar os seus pareceres preliminares sobre o processo eleitoral. Estiveram presentes representantes das missões de observação eleitoral da Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC), da União Africana, do Fórum Parlamentar da SADC, do Fórum das Comissões Eleitorais dos Países da SADC, da Conferência Internacional sobre a Região dos Grandes Lagos e da CPLP.

O momento foi registado e partilhado na rede social Twitter pelo embaixador dos Países Baixos em Angola e São Tomé e Príncipe.

Na sua página do Facebook, Ossufo Momade, líder da RENAMO, o maior partido da oposição em Moçambique, expressou hoje o seu apoio à UNITA e a Adalberto Costa Júnior. Num pequeno texto sobre as eleições em Angola, Ossufo Momade escreve que "é preciso que se respeite a vontade popular em Angola" e encoraja a UNITA "a não recuar" e a fazer "tudo para a reposição da justiça eleitoral" no país. 

Na mesma plataforma, o líder da oposição moçambicana mostra-se a participar numa marcha de apoio à UNITA rodeado de centenas de apoiantes da RENAMO.

Receio de "makas"

Em entrevista à DW, o investigador Eugénio Costa Almeida diz temer que a tensão possa subir em Angola, não só por causa da derrota da UNITA, mas também por causa dos maus resultados que a contagem provisória atribui à CASA-CE - que deixa de ser a terceira maior força política do país para ser a sexta.

"Gostaria que o bom senso prevalecesse em toda gente, mas a partir do momento em que temos a CASA-CE a contestar os valores apresentados, e a UNITA pondera impugnar as eleições, temo que possa provocar alguma confusão ou, como se diz em bom angolês, temo que possa haver bué maka", diz o analista.

Eugénio Costa Almeida frisa também que "até agora, ainda ninguém desmentiu" os resultados da contagem paralela da UNITA, que lhe dão vitória. 

Angola Wahl 2022, Auszählung
Segundo os dados provisórios da CNE, a CASA-CE desaparecerá do hemiciclo Foto: John Wessels/AFP

Uma coisa parece ser já certa, tanto de acordo com o partido do galo negro, como com os dados provisórios da CNE, é que a UNITA foi o partido mais votado nas províncias de Luanda e do Zaire. Eugénio Costa Almeida comenta que, se estes forem os resultados definitivos, o MPLA governará com uma perna bamba.

"Esses valores serão históricos em Luanda para a UNITA, como serão históricos para a UNITA os valores provisórios nacionais. Igualmente serão históricos para o MPLA que perde, mesmo que venha a ganhar com maioria absoluta, perde aquilo que sempre teve, a maioria qualificada, que lhe permitia aprovar certas leis sem qualquer contestação", diz.

Eleições em Angola: "Votou, sentou" ou "votou e bazou"?

Thiago Melo da Silva
Thiago Melo Jornalista da DW África em Bona
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