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"Sem vigilância popular, lei não basta contra corrupção"

Nathalia Tavolieri
29 de novembro de 2016

Para Nicolao Dino, procurador designado para acompanhar de perto votação do pacote anticorrupção, engajamento da sociedade é fundamental para evitar crimes do tipo. "A lei sozinha não garante o fim dos desvios", diz.

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Nicolao Dino
Nicolao Dino foi coordenador da Câmara de Combate à Corrupção na época da elaboração do projeto de lei 4850/2016Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

O projeto de lei 4850/2016, que engloba o pacote de medidas anticorrupção, foi aprovado nesta terça-feira (29/11) pela Câmara dos Deputados. As propostas foram baseadas na campanha Dez Medidas contra a Corrupção, elaboradas pelo Ministério Público Federal (MPF) durante as investigações da Operação Lava Jato, iniciada há dois anos. A finalidade do projeto é garantir, na legislação, agilidade nos processos e rigidez nas punições de casos de corrupção.

Apresentado em março deste ano pelo MPF, o projeto de lei angariou mais de 2,3 milhões de assinaturas – o dobro da quantidade mínima necessária para um projeto de lei de iniciativa popular. Para o vice-procurador-geral eleitoral, Nicolao Dino, o apoio popular, presente desde a criação do projeto, continua essencial durante a votação no Congresso.

“Se não houver vigilância da sociedade, a lei não será suficiente para combater a corrupção no país”, afirma Dino, que coordenou a Câmara de Combate à Corrupção do MPF na época de elaboração do projeto de lei.

Entenda as medidas do pacote anticorrupção

Em entrevista à DW Brasil antes da aprovação na Câmara, Dino diz que não fosse a pressão popular, a anistia para crimes de caixa dois corria risco de ser aprovada e traria "consequências impensáveis para a democracia brasileira".

A fim de evitar mudanças que desfigurem a natureza do projeto de lei, como a anistia, a Procuradoria-Geral da República criou um grupo de procuradores para acompanhar de perto a votação do projeto. Dino é um deles.

DW Brasil: Como o senhor avalia a versão do PL 4850/16 aprovada pela comissão especial da Câmara na semana passada?

Nicolao Dino: O projeto é bom. Apesar de não contemplar todas as medidas do texto inicial, propõe, de forma geral, avanços importantes na legislação no combate à corrupção. A criminalização do enriquecimento ilícito, a criação da figura do reportante do bem, a tipificação do caixa dois e a responsabilização de partidos por crimes ligados a desvio de dinheiro são bons exemplos. Lamento que nem todas as medidas previstas no texto inicial foram aprovadas, mas também não se pode imaginar que tudo será perfeito. Principalmente em um ambiente com parlamentares com opiniões e posicionamentos tão diversos como no Congresso brasileiro.  

A proposta foi apoiada por mais de 2 milhões de brasileiros. O senhor acha que quem assinou a petição vai ficar satisfeito com o resultado?

Espero que sim. Não tem como saber qual será o resultado da votação do projeto no Congresso. Há notícias de que há vários substitutivos (propostas para mudar o texto) em discussão. Somente quando o projeto passar pela votação na Câmara será possível fazer uma análise mais segura sobre que cara terá esta nova lei – caso aprovada. Eu, particularmente, espero que a sociedade não se frustre com o resultado da votação.

Como o senhor avalia a tentativa de alguns parlamentares de aprovar a anistia para o caixa dois?                                                            

Infelizmente, ao mesmo tempo em que instituições brasileiras reúnem esforços para aprimorar o sistema de combate à corrupção, percebemos que forças reacionárias vêm se aglutinando para tentar reverter este progresso. A tentativa de aprovação de uma anistia para crimes de caixa dois é um exemplo desse contra-ataque. Se não houver a devida vigilância da sociedade em relação aos acontecimentos de corrupção no país, podemos repetir o exemplo italiano [na Itália, após a Operação Mãos Limpas, que inspirou a Lava Jato, novos mecanismos de corrupção surgiram]. Se a população ficar de fora, este será um risco muito provável.  

Não fosse a mobilização popular, o senhor acredita que a anistia para caixa dois teria chances de ser aprovada?                                   

A participação popular foi muito importante para barrar esse movimento [pela aprovação da anistia]. Da forma como a emenda circulou na Câmara na semana passada, os impactos teriam uma extensão absurda. O texto falava em uma anistia para qualquer doação não contabilizada nas esferas civil, penal e eleitoral. A abrangência da proposta era tão ampla que alcançaria, inclusive, grandes investigações atuais de lavagem de dinheiro e corrupção. A aprovação da anistia para crimes de caixa dois resultaria num cenário de impunidade muito preocupante. As consequências seriam impensáveis, principalmente num momento em que a toda a sociedade brasileira tem a esperança de avanços reais no combate à corrupção.

Apesar de o presidente Michel Temer ter afirmado que vetará a anistia, o senhor acredita que há espaço para que, de alguma forma, ela seja aprovada no Congresso?

Eu e milhões de brasileiros esperamos que não.

Qual é a importância da participação popular nos próximos passos da tramitação do projeto? Ela pode fazer a diferença?            

Neste momento (da votação do projeto), o engajamento da sociedade será fundamental para garantir que o Congresso atenda às expectativas dos brasileiros, que tanto apoiaram este projeto, desde o início. E também promova, de fato, ganhos reais no sistema de combate a crimes de corrupção. Caso contrário, haverá mais tentativas de criar válvulas de escape. O movimento pela anistia [para crimes de caixa dois] revelou que o projeto corre sérios riscos de retrocesso. A população brasileira tem de continuar presente também durante a votação do projeto. Se não houver vigilância da sociedade, a lei não será suficiente para combater a corrupção no país.

Quais são os maiores desafios que o MPF enfrenta ao investigar casos de corrupção e de que forma o novo pacote pode melhorar este cenário?

A Justiça brasileira enfrenta muitos obstáculos para punir casos de corrupção. Se olharmos a fundo as dez medidas originais, percebemos que cada uma delas tentava preencher alguma lacuna do sistema de combate à corrupção no Brasil. Em relação ao sistema de justiça, como um todo, acho que o maior problema é a dificuldade de dar respostas mais efetivas e imediatas. Os processos que investigam casos de corrupção têm de ser mais ágeis, de forma que a sociedade perceba a existência de consequências efetivas para casos de corrupção.

Ainda é preciso melhorar muito a prevenção da corrupção e também o comprometimento da sociedade em relação ao tema. A população deve se lembrar de que quando se fala em corrupção, trata-se de uma via de mão dupla. Não existe corrupto sem corruptor. A população precisa se engajar mais no enfrentamento da corrupção. A lei sozinha não garante o fim dos desvios.

O processo de justiça brasileiro ainda é muito lento. O sistema de prescrição penal é extremamente benévolo aos investigados. Precisamos criar um ambiente mais propício ao combate da corrupção no Brasil. O nosso sistema ainda tem muitos gargalos a serem resolvidos, mas é preciso dar um passo de cada vez.