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EI quer uma Europa anti-islâmica, alertam especialistas

Diana Hodali (av)23 de março de 2016

Ao defenderem a lógica do "nós contra eles", dos muçulmanos contra os cristãos, jihadistas do EI e ultradireitistas europeus operam espécie de coalizão tácita e funesta.

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Protesto contra refugiados sírios em Praga
Protesto contra refugiados sírios em PragaFoto: picture-alliance/dpa/Michal Kamaryt

Aconteceu o que todos esperavam: apenas algumas horas após os sangrentos atentados em Bruxelas, nesta terça-feira (22/03), o "Estado Islâmico" (EI) reivindicou a responsabilidade pelos atos. Num comunicado, a milícia terrorista agradeceu à "equipe de segurança do califado", que partiu "para o ataque aos cruzados, que não cessam de fazer guerra ao islã e seus adeptos".

O grupo jihadista advertiu a Bélgica e outras "nações de cruzados" unidas na luta contra o EI que outros "dias negros virão". E o que virá será ainda mais devastador, pois "Alá capacitou nossos irmãos a instilar medo e terror nos corações dos cruzados".

Com declarações como essas, o EI quer mostrar ao mundo que seus seguidores estão por toda parte; que são a ponta de lança de um movimento generalizado; que se trata de uma luta dos fiéis contra os infiéis, os kuffar. Uma luta que eles travam na Europa e também em outras partes do mundo – um mundo preto e branco, do "nós" contra "eles", muçulmanos contra não muçulmanos.

Dividir para vencer

A meta é exatamente essa, explica Günter Meyer, do Centro de Pesquisas sobre o Mundo Árabe, em Mainz. "O EI aposta numa polarização e radicalização das relações entre a população muçulmana e a não muçulmana, para assim recrutar mais adeptos; desestabilizar as sociedades europeias e, deste modo, chegar mais perto da meta de disseminação do califado."

Após atentados como os de Bruxelas ou de Paris, sobretudo os migrantes e refugiados ficam preocupados em se tornarem menos bem-vindos em certos setores das sociedades europeias. Pois, na esteira de seus atentados, o EI também se aproveita do debate sobre os refugiados na Europa.

Isso ocorreu, por exemplo, depois dos atentados de 13 de novembro de 2015 em Paris, quando quis-se dar a impressão de que entre os terroristas se encontrava um refugiado. A intenção era colocar sob suspeita generalizada todos os migrantes sírios chegados à Europa nos meses anteriores. Assim, os franceses e o resto do mundo deveriam passar a ter medo dos muçulmanos, medo de tudo o que associam com o islã.

No entanto, nem depois dos ataques a Paris nem depois dos atentados em Bruxelas apareceram provas de que houvesse uma ligação direta entre os refugiados e os criminosos, lembra Ska Keller, porta-voz da bancada do Partido Verde no Parlamento Europeu.

Minuto de silêncio por vítimas de atentados, Place de la Bourse, Bruxelas
Atentados de 22 de março chocaram a Bélgica e a EuropaFoto: Getty Images/AFP/K. Tribouillard

Jihadistas e ultradireitistas: uma cooperação funesta

Muitos partidos políticos da Europa defendem uma política de imigração rígida, e encontram cada vez mais respaldo graças aos ataques terroristas fatais. A postura anti-islâmica de parcelas crescentes da população europeia, fomentada por populistas e extremistas de direita, em especial no debate sobre os refugiados, faz exatamente o jogo do EI. Pois os jihadistas querem que os muçulmanos não encontrem um lar na Europa, mas só com o EI.

E eles parecem estar tendo sucesso, à medida que os partidos europeus críticos ao islã vão avançando. O populista Alternativa para a Alemanha (AfD), por exemplo, obteve mais de 10% da preferência eleitoral nas eleições legislativas estaduais. Na França, a Frente Nacional (FN) de Marine Le Pen chegou a 28% no primeiro turno das eleições municipais de 2015.

Mas também em outros Estados europeus as legendas nacional-conservadoras e direitistas que exigem maior rigor na política de imigração ganham cada vez mais respaldo popular. Isso poderá ter consequências fatais para o Ocidente, alerta Günter Meyer, do Centro de Pesquisas Árabes.

Pois, quando até mesmo muçulmanos dispostos à integração ou já integrados enfrentam rejeição ou são discriminados e atacados, torna-se grande o perigo de que jovens islâmicos respondam com ódio ao ódio que parte sobretudo dos radicais de direita.

A França e a Bélgica já experimentaram isso. O número de jihadistas belgas que viajaram para a Síria, lá se submeteram a treinamento e então retornaram é grande – em números absolutos e sobretudo proporcionalmente à população total.

"Mas também em outras partes há ambientes jihadistas crescentes. Isso vai criar muitos problemas nos próximos anos, não só na Bélgica", prevê o especialista em islã Guido Steinberg, do Instituto Alemão de Relações Internacionais e Segurança (SWP), sediado em Berlim. É preciso fazer-se algo.

Internos do presídio El Harrach, Argélia
Presídios são comprovadamente celeiros de radicalização religiosaFoto: Ben Chenouf Mahrez

Trabalho espiritual nas prisões e escolas

O salafismo, que se alastra rapidamente, oferece uma nova inspiração religioso-ideológica a muçulmanos frustrados, discriminados e rejeitados. "Desse modo, os jovens são confrontados com uma nova perspectiva de futuro, em que podem subir de underdog para top dog", explica Meyer. Os conhecimentos teológicos de muitos desses jovens são fracos, portanto "eles são dependentes de outros, tornando-se vítimas fáceis para os salafistas que lhes pregam o 'único islã verdadeiro'."

A biografia dos autores dos atentados contra o semanário satírico francês Charlie Hebdo, do Club Bataclan e também em Bruxelas mostra, além disso, que seu processo de radicalização começou na prisão.

"Por isso é indispensável também uma intensificação da assistência espiritual islâmica nas prisões, até agora basicamente negligenciada. Só assim vai se evitar que elas se transformem em celeiros do jihadismo", pleiteia o especialista do Centro de Pesquisas sobre o Mundo Árabe.

Para ele, o trabalho contra o terrorismo de fabricação doméstica deve começar nas escolas, com aulas de religião muçulmana. Elas "devem comunicar aos jovens a necessidade de encararem as promessas dos salafistas com o necessário ceticismo, em especial quanto ao uso de violência e à propagação do Ocidente como imagem do inimigo".

Por outro lado, certas camadas da população não muçulmana também têm que cumprir sua parte, acrescenta Günter Meyer. "É necessária uma educação política reforçada, tanto na luta contra a islamofobia como nova forma de racismo, como no bloqueio aos partidos populistas anti-islâmicos."