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A Comilança: uma exposição para perder o apetite

24 de fevereiro de 2004

Com comida não se brinca. Ou dá para fazer arte? Um museu de Bielefeld apresenta 76 obras decisivas entre a gula e a decadência. Da arte pop até hoje - de Andy Warhol até Damien Hirst.

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Spaghetti sanguíneo - James Rosenquist (1965)

Não foi nenhuma refeição fina o que fizeram aqueles quatro fulanos no escandaloso filme de Marc Ferreri La Grande Bouffe (A comilança), de 1973. Enojados com a vida, eles resolvem comer até morrer. Esses 125 minutos de gula desvairada e constituem uma das formas mais artísticas de discutir a questão da comida. O filme de Ferreri emprestou o título a uma exposição de arte contemporânea sobre alimentos. Ela pode ser vista na Kunsthalle de Bielefeld até o final de abril.

Gula e decadência

Se o tema é comida, não poderiam faltar as latas de conserva de Andy Warhol nem as fedorentas composições de queijo e salame de Dieter Roth entre as 76 obras reunidas em Bielefeld. Raríssimas despertam apetite em sua forma de se lidar com a gula e a decadência, quando o observador é levado a associar o que entra no corpo humano - chocolate, por exemplo - com o que dele sai.

Das grosse Fressen: Eisbecher
Sorvetes - vista parcial do Great American Nude # 27, de Tom Wesselmann

São quadros, instalações, vídeos, objetos e esculturas de 30 artistas de renome internacional da Europa e dos EUA, distribuídos em salas com as cores de três sabores muitos comuns - baunilha, morango e chocolate. Entre eles Joseph Beuys, Damien Hirst e Paul McCarthy.

"Propositalmente nós não expomos naturezas mortas barrocas ou as maçãs de Magritte, mas nos perguntamos por que, desde 1960, a comida passou a ocupar as artes plásticas de forma constante", diz o diretor do museu, Thomas Kellein, explicando a concepção da mostra.

Enquanto os artistas plásticos norte-americanos começam a glorificar os bens de consumo cotidianos no início da década de 60, seus colegas europeus declaram alimentos de verdade como arte. Solicitado a pintar o que lhe é mais significativo, Andy Warhol pinselou uma enorme lata de sopa de tomate marca Campells na tela.

Estilizando em grande formato a lata de conserva como ícone, Warhol desvendou, ao mesmo tempo, a superficialidade e o vazio do consumo diário. Acabou, basta comprar outra e esquentar, com o que qualquer um entende que dentro da embalagem não há muita coisa.

Bolor artístico

Na Europa, os artistas se lembram da recomendação das titias para não se brincar com comida e resolvem fazer justamente o contrário. As paisagens mal-cheirosas de queijos e salames, que o suíço Dieter Roth criou no final dos anos 60 são pouco apetitosas à primeira vista. Elas se desdobraram, depois, em flocos de bolor espumosos de cores curiosas. Quem já encontrou um prato de comida esquecido por várias semanas na geladeira, sabe do que estamos falando.

Das grosse Fressen: Künstlerscheiße
"Merda d'Artista", expressão com sentido dúbio nas línguas latinas, mas o artista não cabe na lata

O bolor e os fungos, contudo, são elevados à categoria de arte e interpretados como uma advertência ao apodrecimento, à decadência e fugacidade. Duas guerras mundiais e amargas experiências de pobreza e sofrimento apontam para a efemeridade da vida nas obras de artistas europeus. E o fazem em forma de brincadeira, mesmo que seja retratando o ciclo de vida de uma fatia de queijo.

Provocante é também a lata de Piero Manzoni, intitulada "merda de artista", que continua instigando a imaginação do público desde 1961, justamente por nunca ter sido aberta. Com ela fica demonstrado que os "excessos" acontecem mais na cabeça do observador, do que na exposição propriamente dita.

E dois trabalhos quase idênticos de Bruce Naumann e Timm Ulrich nos lembram que há comida até na palavra morte, o que só funciona em inglês: Death contém eat, com o que voltamos ao moto perpétuo da comilança em Bielefeld.