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Temporada recomeça, e Bom Senso FC promete voltar ainda mais forte

Fernando Caulyt7 de janeiro de 2014

Criado na sequência dos protestos de junho, movimento de jogadores surpreendeu com nível de mobilização jamais visto no futebol brasileiro. Conquistas até agora foram poucas, mas grupo deve se manter firme em 2014.

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Faixa de protesto no jogo Coritiba contra Corinthians, em novembro de 2013Foto: imago/Fotoarena

Os últimos jogos do Campeonato Brasileiro de 2013 tiveram cenas poucas vezes vistas dentro das quatro linhas. Na 30ª rodada, jogadores protestaram com um abraço coletivo; na 34ª, sentaram-se no campo e cruzaram os braços. E mostraram que, ao contrário de movimentos isolados no passado para tentar mudar o futebol brasileiro, este veio para ficar. A temporada de 2014 está começando, e, em ano de Copa, o embate com a CBF parece estar apenas no início.

As ações foram organizadas pelo movimento Bom Senso FC, criado por alguns jogadores em setembro de 2013 e que não para de ganhar adeptos – atualmente são mais de mil atletas que jogam nas séries A e B do Brasileirão. O movimento quer mobilizar também as séries C e D e chegar a 15 mil jogadores.

Entre as principais propostas estão uma temporada mais curta; adequação do calendário ao modelo europeu, em que a bola começar a rolar em agosto; direito a 30 dias de férias sem interrupções; e divulgações pelos clubes de planos financeiros detalhados.

"As reivindicações são absolutamente legítimas, e os jogadores não estão pedindo nada além do que é sensato", afirma o jornalista esportivo Juca Kfouri. "Se todas as propostas forem atendidas, ninguém será prejudicado e todos serão beneficiados. O torcedor terá um melhor espetáculo, haverá mais público nos estádios, mais audiência nos jogos transmitidos e mais ídolos jogando no Brasil do que no exterior."

A ideia de criar o movimento surgiu num bate-papo durante a troca de uniformes entre Alex, meia do Coritiba, e Juan, zagueiro do Internacional, depois de um jogo em setembro. A partir daí, o grupo só foi aumentando e atualmente inclui nomes de peso, como Paulo André (Corinthians), um dos líderes; Seedorf (Botafogo); Rogério Ceni (São Paulo); e Juninho Pernambucano (Vasco).

Ameaça de greve

Mesmo com as manifestações dos jogadores, que podem ter sido um reflexo dos protestos que levaram milhares de brasileiros às ruas na metade de 2013, a CBF não parece estar disposta a ouvi-los. Até o momento, a única flexibilização feita foi a de adiar o início da temporada de 2014 em apenas uma semana.

Mas parece que os jogadores não vão jogar a toalha tão cedo e pretendem aumentar os protestos em 2014. Além de manifestações durante os estaduais, não se descarta, se necessário, uma greve geral, como deixou claro em entrevistas recentes Paulo André, principal porta-voz do grupo.

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Paulo André (centro): greve não é descartadaFoto: Nelson Almeida/AFP/Getty Images

Eduardo Conde Tega, diretor executivo da Universidade do Futebol, parceira técnica e administrativa do Bom Senso, afirma ser perfeitamente possível que a greve aconteça neste ano. Mas, segundo ele, houve para isso uma grande contribuição da CBF, que não entendeu que as demandas são legítimas e fundamentais para a sobrevivência do futebol brasileiro.

"O nosso futebol está na UTI, diferentemente da seleção brasileira. O futebol nacional, muito paradoxalmente em comparação ao da equipe nacional, com cinco títulos mundiais, foi deixado às traças", diz.

Surpresa para a CBF

Até o momento, poucos times apoiam a iniciativa de forma oficial, como fizeram, por exemplo, Santos e Bahia. Para Kfouri, o modelo político do futebol brasileiro não deixa os times confortáveis para mostrar apoio ao movimento, já que poderiam sofrer retaliações da CBF.

Ele diz, ainda, que a CBF não acreditava que os jogadores tivessem o grau de mobilização que estão tendo e demonstraram claramente por meio dos protestos, antes e durante os jogos, que "estão aí para ficar". A importância do movimento, afirma, é que olha para além da elite do futebol brasileiro.

"Eles estão dispostos a cortar na própria pele e admitem que algumas medidas podem significar perda salarial para os jogadores. Ao mesmo tempo em que propõem menos jogos para a elite do futebol, querem mais jogos para quem não faz parte da elite e que tem, em regra, emprego por apenas três meses por ano, fruto desse calendário que há anos caracteriza o futebol brasileiro", afirma o jornalista esportivo.

Atividades intensas

Enquanto cerca de cem equipes têm atividades durante o ano inteiro, outros 580 fecham suas portas depois de dois ou três meses de atividades. E, em função disso, com a quantidade intensa de jogos, as partidas têm nível técnico ruim, muitos jogadores sofrem com lesões e alguns times possuem número inchado de atletas no elenco.

"Um clube como São Paulo e Corinthians pode jogar quase 90 jogos nesta temporada. Enquanto isso, clubes menores jogam entre 10 e 20 partidas, apenas. Ao contrário de grandes ligas na Europa, como a alemã, temos poucas divisões nacionais", explica Eduardo Tega.

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As últimas rodadas do Brasileirão foram marcadas por jogadores com braços cruzados e sentadosFoto: imago/Fotoarena

Kfouri afirma que a CBF acha que já fez o máximo e que não fará, como deixou claro, nenhum gesto de antecipação. Para ele, a negociação dos jogadores passa necessariamente por entendimento com quem tem o direito de transmitir os jogos da primeira divisão do Campeonato Brasileiro, no caso a Globo.

"Ela [a emissora] tem interesses muito claros, uma necessidade de jogos que não atende à reivindicação dos jogadores. Acredito que o grande embate será esse", aposta Kfouri. "Estamos indo para uma Copa do Mundo no Brasil em que 95% dos jogadores que vão defender a seleção não jogam no país."