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Soldados de Myanmar confessam massacre de rohingyas

9 de setembro de 2020

"NYT" e ONG dizem ter tido acesso a depoimentos em vídeo de dois militares desertores que detalharam campanha genocida do Exército birmanês contra minoria muçulmana. "Comandantes mandavam atirar em tudo que víssemos."

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Multidão em protesto num campo de refugiados em Bangladesh
Desde 2017, mais de 700 mil rohingyas deixaram Myanmar e se refugiaram em BangladeshFoto: Reuters/R. Rahman

Dois soldados que desertaram do Exército de Myanmar detalharam uma campanha brutal de assassinatos em massa promovida pelas autoridades birmanesas contra a minoria muçulmana rohingya. As confissões foram reveladas nesta terça-feira (08/09) pelo jornal americano The New York Times e a ONG Fortify Rights, que tiveram acesso aos depoimentos em vídeo.

Em seus testemunhos, os desertores Myo Win Tun, de 33 anos, e Zaw Naing Tun, de 30, teriam contado que foram instruídos por seus comandantes a "atirarem em tudo que vissem e ouvissem" durante operações em vilarejos onde viviam rohingyas em Myanmar.

Segundo o New York Times e a organização de direitos humanos, eles admitiram ter matado dezenas de pessoas no estado de Rakhine, no norte do país, e enterrado seus corpos em valas comuns. Em apenas uma operação num vilarejo, um deles contou que 30 pessoas foram mortas e enterradas: "Oito mulheres, sete crianças e 15 homens e idosos."

Os depoimentos parecem ser a primeira confissão pública de soldados sobre o envolvimento direto do Exército em massacres, estupros e outros crimes contra a minoria rohingya.

A Fortify Rights acredita que os relatos podem servir como evidências importantes de crimes contra a humanidade no âmbito de uma investigação em curso na Corte Internacional de Justiça (CIJ), que apura a violência contra os rohingyas em Myanmar.

Desde agosto de 2017, mais de 700 mil rohingyas deixaram Myanmar e se refugiaram no país vizinho Bangladesh, fugindo da violência de militares e de milícias budistas. Suspeita-se que milhares de pessoas tenham sido mortas, e milhares de casas, queimadas. Membros da minoria relatam ainda uma série de estupros e outras atrocidades contra civis.

Myanmar nega as acusações e afirma que suas forças de segurança estavam apenas se defendendo de um ataque cometido por um grupo insurgente rohingya no estado de Rakhine.

Segundo a Fortify Rights, os dois militares desertores, que não serviam no mesmo batalhão, deram "nomes e cargos de 19 perpetradores diretos do Exército de Myanmar, incluindo eles mesmos, assim como de seis comandantes superiores [...] que eles alegam terem ordenado ou contribuído para crimes de atrocidade contra os rohingyas".

Os depoimentos teriam sido filmados em Myanmar em julho, quando os dois soldados estavam sob custódia do Exército Arakan, um grupo guerrilheiro étnico de Rakhine envolvido em um conflito armado contra o governo.

A ONG informou que os desertores fugiram do país no mês passado e, atualmente, estariam sob custódia da CIJ, com sede em Haia, na Holanda.

As reportagens e relatos não deixam claro, contudo, como os homens caíram nas mãos do Arakan, por que eles fizeram tais confissões ou como eles teriam sido transportados para o país europeu e sob qual autoridade.

Um porta-voz do tribunal negou que eles estejam em Haia. "Não, esses relatos não estão corretos. Não temos essas pessoas sob a custódia da CIJ", declarou Fadi el Abdallah.

O advogado canadense Payam Akhavan, que representa Bangladesh no processo contra Myanmar na CIJ, afirmou que os dois desertores apareceram num posto de fronteira e pediram proteção do governo após confessarem assassinatos generalizados e estupros contra rohingyas em 2017. "Mas tudo que posso dizer é que esses dois indivíduos não estão mais em Bangladesh", afirmou.

Por sua vez, um porta-voz do Exército Arakan, Khine Thu Kha, disse que os dois homens eram desertores e não eram mantidos como prisioneiros de guerra. Ele não quis comentar onde os dois estariam agora, mas afirmou que o grupo está "comprometido com a justiça" para todas as vítimas do Exército de Myanmar.

O New York Times afirmou que não pôde confirmar de forma independente se os dois soldados cometeram os crimes que eles confessaram. Os vídeos estavam legendados em inglês.

Ao longo dos últimos anos, agências da ONU e organizações de direitos humanos têm denunciado uma série de atrocidades cometidas por forças de segurança birmaneses contra rohingyas.

Myanmar, de maioria budista, se recusa a conceder cidadania ou direitos básicos à minoria muçulmana rohingya, alegando que eles são imigrantes ilegais de Bangladesh, embora suas famílias vivam em território birmanês há gerações.

EK/ap/rtr/ots