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Sob sombra de covid, Festival Sundance traz temas atuais

Scott Roxborough
30 de janeiro de 2021

Documentários contundentes, vozes femininas e negras, novidades e redescobertas compõem um programa forte na edição 2021 do festival de cinema independente.

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Cena do documentário "In the same breath"
Documentário "In the same breath" aborda a má gestão da pandemia na China e nos EUAFoto: Sundance Institute/AP/picture alliance

O Festival de Cinema Sundance, que ocorre neste ano de 28 de janeiro a 3 de fevereiro, é conhecido como endereço certo para bons documentários: nos últimos cinco anos, ele produziu três dos cinco vencedores do Oscar na categoria, além de 13 dos 25 indicados. E a safra de 2021 promete.

O planeta todo vive sob a sombra da covid-19 no ano que se inicia. Assim, é soturnamente adequado o evento deste ano abrir com um filme recordando como o mundo chegou aonde está no momento.

In the same breath (literalmente: No mesmo fôlego), da diretora Nanfu Wang, é um relato contundente e emocional sobre a desinformação e a má gestão estatal da pandemia tanto pelo governo chinês como pelo americano.

Cineasta Nanfu Wang
Cineasta Nanfu Wang: "No autoritarismo e numa sociedade que se diz livre, as pessoas comuns são em vítimas da busca de poder"Foto: Willy Sanjuan/Invision/AP/picture alliance

A cineasta, que nasceu na China mas viveu na última década nos Estados Unidos, faz paralelos diretos de como a crise do novo coronavírus foi tratada nos dois países, com as autoridades primeiro minimizando o perigo, para depois falharem fragorosamente na reação emergencial.

Wang reúne evidências que põem em questão a contagem de óbitos do coronavírus por Pequim. Em abril, oficialmente eles seriam 3.335, quando a cifra real era dez vezes maior. Entretanto, ela também mostra como descrença no governo e na mídia estabelecida acarretaram protestos anticonfinamento, teorias de conspiração e as maiores taxas de contágios e mortes da história dos EUA.

"Vivi sob o autoritarismo e vivi numa sociedade que se diz livre: em ambos os sistemas, as pessoas comuns viram vítimas da busca de poder de seus líderes", ouve-se Wang comentar em off, perto do fim da película.

Youtube, fogo, soul, migração e a Matrix

Life in a day 2020 (Vida num dia 2020), do escocês Kevin Macdonald, de certo modo complementa o filme de Nanfu Wang. Compilando material de mais de 300 mil vídeos do Youtube gravados em 25 de julho de 2020, ele oferece um instantâneo de um ano que muitos gostariam de esquecer.

Desastre ambiental é o tema de Bring your own brigade (Traga sua própria brigada), de Lucy Walker, abordando os incêndios florestais que se tornaram deprimente rotina na Califórnia.

Entre os destaques de não ficção está, ainda, Summer of soul (Verão do soul) dirigido por Questlove, integrante da banda Roots, focando o Harlem Cultural Festival de 1969, uma celebração da música e cultura afro-americanas que ficou quase caiu no esquecimento.

Jonas Poher Rasmussen produziu o documentário animado Flee (Fugir), sobre a experiência de um refugiado do Afeganistão na Dinamarca. Em A glitch in the Matrix (Uma falha na Matrix), o documentarista cult Rodney Ascher (O labirinto de Kubrick) encara uma questão antiga: estamos vivendo num mundo real, ou é só uma simulação (de computador)?

Cena de "Summer of soul"
"Summer of soul" celebra um evento de música afro-americana da década de 1960Foto: Sundance Film Festival/AP/picture alliance

Vozes femininas e black power

O Sundance ostenta um histórico de promover inclusão e diversidade, concedendo espaço nobre à vozes pouco representadas. Sua edição atual não é exceção, ao colocar cineastas do sexo feminino e de cor no centro das atenções.

Uma das contribuições imperdíveis em 2021 é de uma atriz que tomou o lugar atrás das câmeras. Land (Terra), dirigido e estrelado pela atriz de House of Cards Robin Wright, conta a história de uma mulher que vai buscar um novo sentido de vida nos territórios selvagens do oeste dos EUA, após uma experiência de quase morte.

A turbulenta e muitas vezes violenta história da divisão racial americana é pano de fundo para outro ponto alto do Sundance: em Judas and the Black Messiah (Judas e o Messias negro), de Shaka King, Daniel Kaluuya (Corra!) encarna Fred Hampton, o presidente do partido Panteras Negras no fim dos anos 1960 fatalmente traído pelo informante do FBI William O'Neal (Lakeith Stanfield). A ser lançado online nos EUA em 12 de fevereiro pela HBO Max, Judas já é forte candidato a concorrer ao Oscar 2021.

Robin Wright em de "Land"
Robin Wright dirige e estrela "Land"Foto: Entertainment Pictures/ZUMAPRESS.com/picture alliance

Segundas chances, descobertas e até Nicolas Cage

O evento americano também dará uma nova chance a algumas joias injustamente negligenciadas. Após serem aclamados no Festival de Veneza em 2020, o hipnotizante Night of the kings (Noite dos reis) de Philippe Lacote e The world to come (O mundo por vir), da norueguesa Mona Fastvold, praticamente caíram no esquecimento.

O primeiro é uma potente versão contemporânea das Mil e uma noites, encenada na Costa do Marfim. O segundo, uma história de amor entre duas mulheres na América de meados do século 19. Ambos merecem ser revistos.

O festival de cinema do Instituto Sundance, fundado pelo ator Robert Redford, ainda é o evento mais importante do mundo para produções independentes, mantendo-se fiel à reputação de apresentar descobertas ousadas. Em 2021 elas podem vir de toda parte.

Entre as novidades mais intrigantes, estão Luzzu – uma produção de Malta sobre as vicissitudes de um pescadores, com um elenco não profissional – e Cryptozoo, uma comédia animada no estilo de Wes Anderson, dirigida pelo americano Dash Shaw.

E para quem não quer arriscar nada, há até mesmo Prisoners of the Ghostland (Prisioneiros da Terra dos Fantasmas), de Slon Sono, em que Nicolas Cage é um notório criminoso decidido a resgatar uma garota raptada de uma cidade sobrenatural cheia de samurais amaldiçoados.

O que mais se pode desejar?