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Situação análoga à escravidão: vinícolas pagam R$ 7 milhões

10 de março de 2023

Empresas do RS empregaram funcionários terceirizados que foram encontrados em condições degradantes. Parte do valor será revertido para entidades, projetos e fundos voltados para indenização dos danos.

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Parreiras enfileiradas em vinhedo de Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul
Funcionários terceirizados nas vinícolas Aurora, Garibaldi e Salton eram mantidos em condições degradantes e ameaçados de violênciaFoto: Thiago Santos/Zoonar/picture alliance

As três vinícolas envolvidas no caso de trabalho análogo à escravidão em Bento Gonçalves, no Rio Grande do Sul, fecharam nesta sexta-feira (10/03) um acordo com o Ministério Público do Trabalho (MPT), segundo o qual pagarão R$ 7 milhões de indenização. Dessa verba, R$ 2 milhões deverão ser destinados aos trabalhadores resgatados e R$ 5 milhões devem beneficiar entidades, fundos e projetos voltados para a reparação do dano.

Cerca de 200 trabalhadores foram resgatados pelas autoridades em operação realizada em 22 de fevereiro. Os funcionários terceirizados prestavam serviços para as vinícolas Aurora, Garibaldi e Salton e eram mantidos em um alojamento precário em condições degradantes e estavam constantemente sob ameaça de violência.

O valor do montante, que será rateado entre as vinícolas, foi definido pelo MPT em um Termo de Ajuste de Conduta (TAC).

O MPT afirma que a indenização visa compensar danos morais individuais e coletivos. As vinícolas têm até 15 dias para efetuarem os pagamentos a partir da apresentação da listagem dos resgatados.

Obrigações

As três vinícolas assumiram 21 obrigações que incluem a fiscalização das condições de trabalho dos funcionários contratados de forma terceirizada. O descumprimento de cada uma das cláusulas acarretará em multa de até R$ 300 mil.

O MPT trabalha agora na responsabilização da empresa fornecedora de mão de obra e responsável pelas condições impostas aos trabalhadores, a Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde LTDA.

Exploração e violência

Nos depoimentos às autoridades, os trabalhadores relataram episódios de violência, tais como surras com cabo de vassoura, mordidas, choques elétricos e ataques com spray de pimenta, além de más condições de trabalho e de alojamento.

Eles denunciaram ainda práticas como a emissão de vales, multas e descontos nos salários, o que levou o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e o MPT a considerarem a situação como um regime de trabalho análogo à escravidão.

Os homens trabalhavam na colheita de uva de domingo a sexta-feira, das 5h às 20h e sem pausas – apesar de serem forçados a assinar no ponto que tinham folga aos domingos. Eles começaram a trabalhar no início de fevereiro, porém, surpreendidos com as péssimas condições de trabalho, tentaram ir embora do Rio Grande do Sul, mas chegaram a ser ameaçados e espancados.

Os trabalhadores relataram serem vítimas de exploração financeira e maus tratos. Eles contam que recebiam comida estragada dos representantes da Fênix, que só podiam comprar produtos em um mercado perto do alojamento com preços superfaturados e que o valor gasto era descontado do salário. Dessa forma, os trabalhadores acabavam o mês devendo dinheiro para a empresa, pois o consumo superava o valor do salário.

Eles disseram ainda que não podiam sair do local e que, se quisessem, teriam que pagar a suposta "dívida". Além disso, os empregadores ameaçavam seus familiares.

Os trabalhadores foram libertados por operação realizada pelo MPT, juntamente com o MTE e as polícias Federal (PF) e Rodoviária Federal (PRF). As autoridades afirmaram que eles teriam sido enganados após receberem promessa de emprego temporário, salário de 4 mil reais e, ainda, alojamento e refeições pagas.

A operação foi realizada após três trabalhadores procurarem a PRF, em Caxias do Sul, afirmando que haviam fugido de um alojamento – no Bairro Borgo, a cerca de 15 quilômetros dos vinhedos de Bento Gonçalves – em que eram mantidos contra a vontade. Os trabalhadores resgatados chegaram a ser alojados no ginásio Darcy Pozza, em Bento Gonçalves, até que pudessem voltar para casa.

O que dizem as vinícolas?

As vinícolas Aurora, Garibaldi e Salton alegam que desconheciam as irregularidades praticadas pela Fênix e que sempre atuaram dentro da lei.

A Vinícola Aurora afirmou que "segue atuando em diversas frentes na implementação das melhores práticas trabalhistas, sociais e, principalmente, humanas na empresa e em sua cadeia produtiva".

A empresa diz que o TAC "é mais um passo no sentido de reparar os danos aos trabalhadores temporários, bem como assegurar o comprometimento da empresa com medidas permanentes de promoção de condições dignas e seguras no trabalho".

A Garibaldi declarou que o TAC "reafirma seu compromisso, perante a sociedade brasileira e a cadeia vitivinícola, de atuar de forma efetiva no cumprimento e na exigência de práticas que respeitem os direitos humanos e trabalhistas.

"A adesão ao documento é uma demonstração da nossa responsabilidade social e um movimento concreto para garantir que essa situação seja resolvida da melhor forma e, principalmente, jamais se repita".

A vinícola assegura que adotou práticas que incluem o "aprimoramento da política de contratação de serviços terceirizados em questões de integridade (compliance) e alterações no processo de seleção de prestadores de serviço, com auditorias sistêmicas na execução dos trabalhos. Também está em andamento a inclusão de cláusulas contratuais em respeito à Declaração Universal dos Direitos Humanos."

A Salton avalia que os termos do acordo "reforçam que as empresas concordaram voluntariamente com o pagamento, sob a forma de indenização, no valor de R$ 7 milhões".

A empresa diz que "a assinatura voluntária deste termo tem o intuito de reforçar publicamente seu compromisso com a responsabilidade social, boa-fé e valorização dos direitos humanos, bem como a integridade do setor vitivinícola gaúcho".

rc/md (DW, ots)