1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Sete perguntas sobre a Revolução Cultural da China

Rodion Ebbighausen (av)17 de maio de 2016

A campanha política do líder comunista Mao de combate aos "Quatro Velhos" começou em 1966, durando dez anos e custando mais de 1 milhão de vidas. Quais eram suas verdadeiras intenções e como é avaliada hoje por Pequim?

https://p.dw.com/p/1IpGC
Em 1966 membros da Guarda Vermelha acenam com "Bíblias de Mao"
Em 1966 membros da Guarda Vermelha acenam com "Bíblias de Mao"Foto: picture-alliance/dpa

A revolução que a China quer esquecer

Cinquenta anos atrás começava na China a Revolução Cultural, que colocou o país de cabeça para baixo e causou mais de 1 milhão de mortes. A DW responde a algumas perguntas sobre o conturbado período.

Qual era o objetivo central da Revolução Cultural?

A Revolução Cultural foi uma campanha política lançada em 1966 pelo então chefe do Partido Comunista, Mao Tsé-tung, com o fim de criar "o novo ser humano", o qual, na definição do sinólogo Oskar Weggel, seria aquele "altruísta ser social na sociedade livre de dominação, que desde sempre vagara pelas utopias sobre a humanidade".

Para alcançar essa meta, Mao exigia a destruição dos "Quatro Velhos": velhos pensamentos, velha cultura, velhos costumes e velhos hábitos, a serem substituídos pelas ideias do líder comunista.

Além disso, ele exigia a neutralização de elementos contrarrevolucionários e revisionistas, encarnados por seu adversário político Liu Shaoqi, a quem poucos anos Mao sucedera como presidente da República Popular da China. Nesse sentido, a Revolução Cultural foi também uma luta de poder no núcleo da liderança comunista.

Do ponto de vista econômico, Liu apostava mais fortemente nas forças do mercado – como faria, mais tarde, Deng Xiaoping – e politicamente, na disciplina partidária. Para Mao, em contrapartida, incentivos ao enriquecimento eram coisa do diabo. E os funcionários do partido também compunham a "nova classe exploradora". Consequentemente, a permanente luta de classes seria o único veículo para o progresso social.

Até que ponto a Revolução teve algo a ver com cultura?

No início dos anos 1960, Mao perdera uma parcela considerável de seu poder e deixara Pequim, o centro da liderança, para exercer sua influência a partir de Xangai. Ele não tinha como atacar diretamente o Comitê Central do Partido Comunista, dominado por Liu Shaoqi e seus aliados. Só lhe restava, então, uma ofensiva indireta por meio dos lavradores, operários ou dos colegiais e estudantes.

O chamado "Grande Salto Adiante" em 1958-61 mostrara as consequências catastróficas de reformas radicais nos setores agrário e industrial, com milhões de mortos. Portanto só sobrava o ataque através da cultura, em particular da literatura e dos jornais.

Liu Shaoqi recebe estudantes de música em 1964
Liu Shaoqi recebe estudantes de música em 1964. Quatro anos mais tarde, ele seria deposto na Revolução CulturalFoto: Imago/Xinhua

Depois de Mao e seus aliados prepararem com sucesso o caminho, lançando textos propagandísticos, o golpe decisivo contra a facção de Liu foi dado no "congresso ampliado do politburo", em maio de 1966, e Mao conseguiu excluir grande parte dos adeptos de Liu do círculo interno do poder.

Em seguida, ele declarou combate aos "revisionistas" nos quadros partidários, governo, Exército e setor cultural. Em agosto de 1966, depois de ter jogado para escanteio seus oponentes, retornou a Pequim.

Como transcorreu a Revolução Cultural?

Ela durou de 1966 a 1969, começando com a revolta dos estudantes, que se juntaram às não militares "Guardas Vermelhas", a fim de combater as "quatro relíquias". Na prática, os alvos eram professores escolares e universitários, que foram forçados a prestar "confissões" e tiveram suas residências devastadas.

Templos, pagodes e bibliotecas foram igualmente destruídos. Não era raro supostos revisionistas acabarem diante do pelotão de fuzilamento. Operários e grande parte da população urbana aderiram à revolução, agora com ação intensificada contra os aparatos partidários locais.

Logo o país mergulhou no caos. Nos primeiros meses, bem mais da metade de todos os membros do politburo e do Comitê Central e secretários de província perdeu seus postos. O sistema governamental entrou em colapso. Por fim passaram a travar-se sangrentas brigas de facções dentro das Guardas Vermelhas, com cada grupo convencido de ser o representante da única doutrina salvadora.

Quando a dinâmica da Revolução Cultural saiu totalmente do controle, Mao ativou o Exército de Libertação Popular, sob o comando de seu correligionário Lin Bao. As Forças Armadas tinham permanecido basicamente poupadas do caos, como uma espécie de Estado dentro do Estado.

Em 1968, Liu Shaoqi foi deposto. Os militares haviam assumido o controle em praticamente todo o país. Os membros das guardas que não acatavam a nova ordem ou eram enviados para reeducação no campo, ou sumariamente executados. A pretendida liderança das massas logo se transformou em domínio militar.

Em 1969 iniciou-se a restauração do aparato partidário. Mas o Exército, sob o comando de Lin Bao, não quis abrir mão voluntariamente de seu posto. Com o famigerado "Projeto 571", Lin planejara assassinar Mao. Mas o plano foi desvendado, e o avião de Lin Bao caiu na República da Mongólia, sob circunstâncias até hoje não totalmente esclarecidas.

Apesar da restauração do Partido Comunista, somente em 1976 a calma retornou à China. A assim chamada "Camarilha dos Quatro", também integrada pela esposa de Mao, tentou impor a linha radical contra os novos líderes, Chu En-lai e Deng Xiaoping, mas fracassou definitivamente quando Mao Tsé-tung morreu, em 9 de setembro de 1976. O caos da Revolução Cultural terminava com a morte de seu iniciador.

Mao Tsé-tung (dir.) e Lin Biao no Grande Salão do Povo, 1971
Mao Tsé-tung (dir.) e Lin Biao no Grande Salão do Povo, 1971Foto: Getty Images/Hulton Archive/Keystone

Qual foi a importância do Pequeno livro vermelho?

O verdadeiro título do Livrinho Vermelho ou Bíblia de Mao é Citações do presidente Mao Tsé-tung. Trata-se de uma compilação de textos, discursos e aforismos de Mao, reunidos por Lin Bao durante o "Grande Salto Adiante". Ao longo da Revolução Cultural, todo revolucionário convicto devia sempre trazer um exemplar consigo. Os guardas vermelhos costumavam saudar-se com citações do livrinho. Até hoje foram impressas cerca de 1 bilhão de Bíblias de Mao.

O que causou o fracasso da Revolução Cultural?

Desde o início, a Revolução Cultural portava uma contradição não resolvida: Mao queria ser o revolucionário supremo, que derruba todas as hierarquias, e ao mesmo tempo manter o controle total.

Quando essa contradição se alastrou, inclusive nas brigas de facções dentro das Guardas Vermelhas, e os apelos à disciplina falharam, Mao apelou para o Exército, a fim de restaurar a ordem. O sonho do "novo ser humano" foi enterrado, estabelecendo-se, em seu lugar, o "poder dos canos de fuzil".

Por fim voltou a formar-se um partido de quadros, segundo o modelo leninista, com hierarquia e burocracia. Diversos adversários de Mao retomaram o poder após a morte dele, entre eles o secretário-geral do Partido Comunista, Deng Xiaoping, o qual, com reformas agrícolas, conduziu a nação a uma nova era.

Que consequências teve a Revolução Cultural?

Segundo estimativas atuais, entre 1,4 milhão e 1,6 milhão de chineses foram mortos durante a Revolução Cultural, a maioria dos quais provavelmente na trilha das "campanhas de limpeza" do Exército de Libertação Popular, que usou de grande violência na tentativa de restabelecer a ordem no país.

Entre os poucos efeitos positivos da revolução, conta-se a introdução pelo menos de um sistema de saúde rudimentar nas zonas rurais e reformas do ensino para os operários e lavradores.

Como a China avalia oficialmente, hoje, a Revolução Cultural?

Em 1981, Deng Xiaoping condenou a "Camarilha dos Quatro" num processo espetacular, definindo a Revolução Cultural como "grande catástrofe para o Partido e o povo". Segundo a linha partidária atual, Mao estava 30% errado, mas 70% certo. Há muito a China abandonou a noção maoísta de revolução permanente: atualmente o Partido Comunista é marcadamente hierárquico, detém o monopólio do poder no país e tem a estabilidade social como valor prioritário.