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Romances com eco de guerra

Laís Kalka28 de março de 2003

Fuga, desterro, violência e medo — experiências inevitavelmente ligadas a uma guerra, que povoam vários romances recém lançados no mercado editorial da Alemanha.

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"Os Imperfeitos", de Reinhard Jirgl

Uma guerra que se desenrola praticamente dentro de nossas salas de estar, nas telas dos televisores e com feitio de videogame, absorve nossas atenções nestes dias. Ecos de uma guerra distante ocupam o espírito de escritores alemães e refletem-se em páginas e páginas de inúmeros romances lançados recentemente no mercado editorial do país. "A herança do passado não deixa os escritores alemães em paz", constata a revista Der Spiegel em artigo que apresenta e comenta algumas dessas obras.

Do presente ao passado...

Ora é um acontecimento no presente que dispara o mergulho no passado da família, como acontece em Himmelskörper (Corpos Celestes, ed. Aufbau-Verlag), romance de Tanja Dückers. Ao arrumar com sua mãe as coisas da avó, recentemente falecida, a heroína Freia depara-se com fotografias da era nazista e, pela primeira vez na vida, com um exemplar de Minha Luta. O livro escrito por Adolf Hitler era obrigatório em todas as casas na época. O achado serve de ensejo para uma busca que faz ressurgir as experiências de guerra dos avós, a fuga com a mãe, então ainda garota, e leva Freia até a Polônia, cujos territórios eram em parte alemães antes do conflito mundial.

"Nós somos a primeira geração que não está mais ligada diretamente ou por meio dos pais com a guerra e o exílio", diz Tanja Dückers, de 34 anos, tentando explicar a coincidência de livros que tratam — ainda que com recursos estilísticos os mais diferentes — do mesmo tema.

... ou vice-versa

O autor Reinhard Jirgl escolhe um caminho inverso e faz seu romance Die Unvollendeten (Os Imperfeitos, ed. Carl Hanser) começar nos fins do verão de 1945, na região dos Sudetos, hoje pertencente à República Tcheca. A história da expulsão violenta dos alemães é revivida e perpassa três gerações de mulheres de uma mesma família para desembocar no presente.

Sudetendeutsche werden aus Tschechoslowakei vertrieben
Expulsão dos alemães ods Sudetos em 1938Foto: AP

"Essa temática do desterro sempre esteve presente nos meus livros, quando se tratava da origem de alguém. Afinal, a gente deve escrever sobre aquilo que melhor conhece", diz Jirgl, de 50 anos, cuja mãe é originária dos Sudetos. Todos esses livros, aliás, contêm elementos autobiográficos entremeados em sua tessitura.

Pelos continentes afora

A ligação profunda com a Alemanha e sua história transparece também nas narrativas de avô, pai e filho em Ein unsichtbares Land (Um País Invisível, ed. Fischer), de Stephan Wackwitz. O autor de 51 anos faz os três contarem suas vivências no século 20, sendo que o avô está distante geograficamente — vive na África — mas ligado aos demais por esse elo que une as gerações.

O quarto romance que aborda a temática é Die Reise nach Samosch (A Viagem para Samosch, Editora Ars Vivendi), de Michael Zeller, que percorre igualmente a história de três gerações, a partir do Leste, em sua emigração para o exterior até o reencontro no presente.

Trauma de duas gerações

Regiões relegadas ao esquecimento voltam a ter espaço na geografia dos alemães de hoje, experiências recalcadas emergem e são evocadas pela geração dos netos. Ainda que "a incompreensão com respeito às atrocidades do regime nazista e de seus correligionários aumente, ao contrário de diminuir", como expressa Tanja Dückers, a nova geração já pode falar do sofrimento imposto a grande parte dos alemães de então, obrigados a fugir, a deixar tudo para trás. Falar disso antes era tabu: a geração dos que viveram o nazismo era composta toda por "culpados", no julgamento de seus sucessores.

Os autores que se dedicam ao tema têm um modelo proeminente: Günter Grass, que lançou em 2002 Passo de Caranguejo (Im Krebsgang), novela que tem por tema o episódio do naufrágio do navio Wilhelm Gustloff no Mar Báltico, tragédia em que morreram milhares de civis, especialmente mulheres e crianças, que fugiam do Exército Vermelho.

Duas gerações após o encerramento do capítulo iniciado pela ascensão dos nazistas ao poder, começa para os alemães uma nova fase da difícil e dolorosa elaboração do passado de seu país.