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Past Imperfect

Simone de Mello21 de setembro de 2007

Retrospectiva Stan Douglas em Stuttgart mostra múltiplas formas de acessar o tempo através das mídias visuais.

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Sombra de uma observadora sobre a projeção de 'Win, Place or Show', de Stan Douglas, em StuttgartFoto: picture-alliance/dpa

Poucos artistas contemporâneos experimentam de forma tão radical com o recorte, a edição e a montagem de informações como o canadense Stan Douglas, ao qual a Neue Staatsgalerie de Stuttgart dedica até 6 de janeiro uma abrangente retrospectiva, em colaboração com o Württembergischer Kunstverein. A mostra reúne instalações de vídeo e fotos de 1986 a 2007, nas quais Douglas faz inusitados cruzamentos entre realidades sociais contemporâneas e referências literárias, cinematográficas e televisivas.

A exposição intitulada Past Imperfect mostra a diversidade de formas de tratamento do tempo na obra de Douglas. Em Overture (1986), uma instalação em 16mm, o artista vincula filmagens históricas das Rocky Montains feitas em 1899 e 1901 à leitura de fragmentos de Em Busca do Tempo Perdido, do romancista francês Marcel Proust.

O loop das seqüências filmadas de um trem é mais curto que a duração do texto lido, de forma que a instalação entremeia concretamente dois níveis temporais. Desta forma, o artista associa a percepção do tempo na narrativa proustiana ao processo de sincronização dos diferentes ritmos de desenvolvimento regional após a introdução de ferrovias nos EUA. O mais interessante nessa instalação é o fato de o material fílmico ter sido reconstituído a partir de fotos, pois as películas originais se perderam, o que confere uma nova dimensão à reflexão de Douglas sobre a temporalidade.

Hoffmann em Potsdam

Transitar por entre as instalações de vídeo de Stan Douglas equivale a uma volta ao mundo, pois os trabalhos do artista nascido em Vancouver freqüentemente têm um vínculo local. Em Der Sandmann (1995), uma instalação de 16mm em dois canais, Douglas utiliza a cidade de Potsdam, nas imediações de Berlim, como cenário de uma reinterpretação do conto "O Homem de Areia", de E.T.A. Hoffmann. Mais especificamente, o artista toma os schrebergärten, colônias de jardins privados, como ponto de partida para uma releitura do conto de mistério do romântico alemão.

Em diversas obras, o escritor que viria a inspirar Freud em sua teoria sobre o sinistro mostra como aquilo que se reprime retorna em forma de autômatos e duplos. Em sua instalação, Douglas percorre – em um travelling de 360º – o cenário artificial de um schrebergarten, com um personagem lendo trechos do conto de Hoffmann. Ele projeta lado a lado, em aparente continuidade visual, dois vídeos que mostram o mesmo espaço em estados diferentes. A dissociação psicológica trabalhada literariamente encontra uma correspondência na fissura entre as duas projeções de vídeo que apenas forjam continuidade.

"Narrativas recombinantes"

A descontinuidade é uma constante nos trabalhos de Stan Douglas. Em diversas instalações, ele cria módulos narrativos a serem recombinados aleatoriamente, por computador, em múltiplas sequências. O descompasso temporal entre imagem e som, cena e palavra sempre gera diferentes ficções a partir do mesmo material.

Os cruzamentos de referências literárias, históricas e artísticas não são nada óbvios no trabalho de Douglas. Em Pursuit, Fear, Catastrophe: Ruskin B.C. (1993), ele associa a partitura de uma peça do compositor austríaco Arnold Schönberg, Begleitmusik zu einer Lichtspielszene, composta para um filme mudo imaginário em 1929, ao projeto de uma indústria hidroelétrica construída no mesmo ano em Ruskin B.C., uma região no oeste do Canadá. Com a criação de vínculos tão inusitados, dificilmente decifráveis para o observador, Douglas disseca a capacidade da mídia de juntar em um contexto significativo os materiais mais constrastantes, apagando sua origem.

Stan Douglas, Künstler
Stan DouglasFoto: picture-alliance/dpa

Além de dissecar o modo de operar das mídias visuais e seus aparatos técnicos, as instalações de Stan Douglas também revelam um outro potencial crítico. Elas encenam formalmente os mecanismos que levam à exclusão do Outro, seja na perseguição de uma estrangeira negra no banlieu de Paris ou no massacre de índios às margens do fraser River, no Canadá.